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Tony Marlon

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

No interior do Ceará, a história do médico poeta

O médico e cordelista cearense Sávio Pinheiro - Acervo Pessoal/Reprodução
O médico e cordelista cearense Sávio Pinheiro Imagem: Acervo Pessoal/Reprodução

20/02/2021 04h00

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Escrevi correndo ao Savio Pinheiro. Contei que ele é um dos culpados por eu ainda cultivar alguma esperança de que seremos melhores que hoje. Este texto nasce antes de sua resposta.
Eu sempre imagino uma pessoa recebendo uma mensagem assim: oi, a gente não se conhece ainda, mas vim até aqui só agradecer por você existir.

Isso de apreciar as pessoas, de dizer o que nela nos emociona ou nos dá esperança, que ela nos inspira, nos coloca em movimento no mundo, bem que poderia ser ensinado nas escolas feito a matemática, sabe. Seria revolucionário.

Cearense de Várzea Alegre, ali na região do Cariri, Savio é médico há quase 40 anos, sempre trabalhando no interior do estado. Soube que, quando o Sistema Único de Saúde (SUS) nasceu, em 1988, Doutor Pinheiro passou a trabalhar na medicina comunitária. Ou médico da família, como ainda é chamado em alguns cantos. Foi aí que ele virou o futuro que a gente precisa, mesmo tanto tempo atrás.
Apaixonado desde criança por esse negócio de escrever, Savio começou a usar a literatura de cordel para conversar sobre saúde nas cidades que atende. E foi assim que um livrinho azul, que parecia bastante com o que a população já via tanto nas feiras passou a chegar falando de coisas como a hanseníase. Ou, os cuidados com o coração. Até mesmo, a história da saúde no Brasil. Usar poema para falar de saúde, foi aqui que a medicina se abraçou à educação popular. Ou o contrário.

Sérgio Vaz, poeta da periferia da zona sul de São Paulo, diz que no Sarau da Cooperifa a poesia desce do pedestal e beija os pés da comunidade. Um jeito de dizer, eu entendi assim, que por ali recita-se o que se toca com as mãos, o que acontece na padaria. Que a inspiração do próximo livro é uma pessoa que a gente encontrou no campo de terra, às quatro da tarde de um sábado de janeiro.

Quando soube que o Doutor Sávio Pinheiro existe fazendo o que faz, foi inevitável não pensar numa conversa entre estes dois, ao vivo, quando tudo isso passar. E vai passar. Mantenha-se em cuidado até lá, a pandemia nunca acabou. Acho, fazem exatamente a mesma coisa.

É que eles e Julia Rocha, e também Jéssica Moreira, ou ainda o Jefferson Sousa, e tantas outras e outros espalhados por aí, são pessoas que antes de qualquer coisa, nutrem uma profunda paixão pelo outro. Por isso fazem o que fazem, são quem são. Pois estão comprometidas em tudo com essa comunidade que nós somos, ou deveríamos ser. Ou poderíamos ser. E não apenas consigo mesmas, com suas jornadas pessoais.

Um médico que entende que as pessoas aprenderão melhor, o que vai ser bom para todo mundo, que irão cuidar melhor de suas saúdes, o que é melhor para todo mundo, se ele se comunicar por poemas, cordéis pois é assim que se aprende melhor naquela cidade, deveria ser o Ministro da Saúde deste país. Entende e ama gente, antes de tudo. E nada é mais importante.
E é por isso que me repito tanto em contar essas pessoas por aqui, e por isso me perdoando. Ou não. Mas a esperança nasce da repetição.

O mundo anda difícil lá fora (para quem pôde acessar o direito de permanecer em casa) e também por isso, cada vez mais confuso aqui dentro de nós. Mas saber de histórias assim é uma forma de esperançar os dias, de enxergar alguma coisa no horizonte que nos faça continuar acreditando que o país não é a chuva de ódio que ocupa as redes sociais diariamente.

E que se Savio existe, a gente ainda tem uma chance. A todos os profissionais de saúde comprometidos com a vida, inclusive colocando suas próprias vidas em risco neste momento tão difícil, um profundo agradecimento. E nossa eterna admiração e respeito.