Topo

Tony Marlon

Por uma política que busque a capacidade de sonhar futuros para todos

Tony Marlon

18/07/2020 04h00

Aos oito anos, eu me fechava no quarto para sonhar que passaria pela vida numa rádio AM, trabalhando nas madrugadas, em um programa que misturasse músicas da década de 1980 e ligações de ouvintes que perderiam o sono pelas mais diferentes preocupações: pelo trabalho que tinham, pelo trabalho que não tinham e os apaixonados.

Uma parte do futuro já se passou, nunca tivemos tanto com o que nos preocupar, o que é trabalho mudou completamente e poucas pessoas sabem o que é uma emissora de amplitude modulada. Bom, os apaixonados continuam sendo apaixonados como sempre foram. Ao menos isso.

Um dos desafios de imaginar o futuro é encarar a verdade de que, por mais que ele esteja morando dentro do nosso coração e das nossas melhores intenções ao ir dormir, a gente não tem nenhum poder sobre ele, verdadeiramente, a não ser que nos comprometamos de maneira prática a construí-lo, todos os dias.

Antes de tudo isso que estamos vivendo, quando a nossa vida era apenas o velho anormal, rodava alguns espaços e eventos dizendo que, antes de saltar o mundo prático, como as coisas são de fato, precisa saltar a nossa imaginação sobre elas, como a vemos. Se é a verdade, eu não sei, mas é uma verdade. A gente não muda as coisas apenas fazendo, a gente muda as coisas quando conseguimos imaginar como elas serão quando a gente tiver terminado. E aí, sim, agimos.

Algumas pessoas chamam isso de horizonte, de objetivo e até de meta. Não sei. Eu sempre gostei da palavra utopia. Utopia é uma espécie de horizonte, a gente nunca alcança, mas isso não quer dizer que ele exista para isso. Seu papel na verdade é nos manter em movimento, fervorosos.

Por exemplo, trabalhar pelo fim do machismo. Sempre vai existir alguém que se acredita o centro das conversas, das decisões e motivo pelo qual o mundo gira como gira. Mas isso não quer dizer que precisemos normalizar este comportamento ou desanimar por inteiro quando essa pessoa virar presidente de um país, por exemplo.

Existem dezenas de famílias educando seus filhos homens, neste exato momento, para se acolherem como mais um ser que desceu para este play chamado mundo. Nem mais, nem menos que todos os outros.

Essa turma está vindo com outro jeito de operar a vida e essa precisa ser uma das nossas utopias: a ideia de que o mundo não é, ele está sendo. De que a única coisa permanente na vida, de verdade, é a impermanência.

Para incluir na lista de utopias: uma relação radicalmente diferente com o nosso alimento; com quem a gente contrata e remunera para os trabalhos que não sabemos fazer sozinhos; por um amor que temos o direito de sentir por quem quisermos sentir e isso não deveria perturbar ninguém. Tem coisa mais bonita que uma pessoa amando outra? Pois é, não.

A penúltima: encontrar um futuro em que um professor seja tão celebrado quanto o último campeonato vencido pelo meu time de coração.

E já quase acabando: por uma política que busque em nós a capacidade de sonhar futuros em que caibam todas as pessoas, e não apenas um terço de todo mundo. Que faça sentido nos movermos pela construção de coisas, não pelas suas destruições.

Aos oito anos eu assistia filmes em que um vírus trancava as pessoas em casa. Isso era antes de entrar para o quarto e sonhar passar pela vida numa emissora AM.

Lembro que a humanidade só derrotava o tal vírus se unindo como nunca havia acontecido antes, não deixando ninguém para trás, salvando todas as vidas, pois todas são únicas e essenciais para o mundo que nasceria depois que tudo aquilo passava.

Nossa existência aos oito anos tem muito o que ensinar as nossa existência de quando adultos. Comecem por sonhar.