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Tainá de Paula

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

A crise dos trens urbanos do Brasil

Trem na estação Japeri, na Baixada Fluminense - Getty Images/iStockphoto
Trem na estação Japeri, na Baixada Fluminense Imagem: Getty Images/iStockphoto

30/01/2022 12h33

Há muito tempo não trago à coluna o tema da mobilidade. Seja pela ausência dos governos em diferentes esferas nesta agenda, seja pelo desestímulo frente à dura conjuntura. Fiz meses atrás uma análise sobre a crise do transporte em meio à pandemia e pouco citei a malha ferroviária brasileira. Há semanas venho me debruçando novamente sobre a questão com um duro estudo de caso: o transporte ferroviário do Rio de Janeiro em colapso.

Não há como não mencionar sobre o aumento da tarifa anunciado pela empresa concessionária Supervia e chancelada pela Agetransp (a agência reguladora dos transportes urbanos do Estado do Rio de Janeiro). A previsão é que o bilhete chegue a obscenos R$ 7 (!) para o usuário. Está aí uma grande justificativa para mergulhar no debate ferroviário metropolitano do país.

Um dos principais panos de fundo do aumento é sem dúvida o escasso investimento que as cidades de um modo geral fazem no modal, e no Rio de Janeiro não é diferente. Poucas empresas, poucos modelos de concessão, pouquíssimo subsídio garantidor de qualidade da operação, o que poderia estabelecer a economicidade das estruturas ferroviárias, utilizando-se novos combustíveis, novas tecnologias operacionais, mais eficientes e baratas, por exemplo.

Além disso, o tipo de combustível e de energia consumida para manter os sistemas são um desafio: grande parte das ferrovias ativas utiliza combustíveis fósseis e energia elétrica para operar, todos indexados em seus contratos pelo IGP-M. Com o aumento da bandeira tarifária em todo país e a alta do preço da distribuição e fornecimento de energia elétrica e com a alta utilização das termoelétricas (que possuem um valor de energia final superior às hidrelétricas), o custo final da passagem tende inevitavelmente a subir.

Um outro ponto forte no período pandêmico é a diminuição do número de passageiros e consequente redução da receita. Sem dúvida o aumento das passagens de trens estimulará os passageiros a utilizarem outros modais como os ônibus e vans, reduzindo cada vez mais a receita do sistema, e, portanto, é cada vez mais urgente, tendo em vista uma mudança inclusive no comportamento do usuário frente às alterações das dinâmicas do mundo do trabalho: home office, e-commerce, diminuição de diversos postos de trabalho no pós-pandemia e desemprego.

A crise no sistema de transportes, intensificada pela pandemia, tensiona uma necessária revisão do sistema de cobrança tarifária do setor, que se torna necessária inclusive para garantir a viabilidade da prestação dos serviços e qualificando a identificação de distorções nos valores das passagens, não só dos trens, mas em diversos modais.

Uma pesquisa realizada em 2020, na cidade de São Paulo, pelo Ibope/Nossa São Paulo, buscou identificar a percepção dos moradores sobre as ações do poder público relacionadas à pandemia e mobilidade e os resultados são preocupantes, dado que 41% dos respondentes disseram pretender se deslocar mais a pé, 19% pretendem usar mais o carro no dia a dia, 17% usariam mais a bicicleta e 27% dos entrevistados declararam que usarão menos transporte público quando a pandemia passar. E essa é a mesma realidade vislumbrada em todas as capitais brasileiras, dado que os dados sobre as transformações no mercado de trabalho são muito similares.

Mas como fazer transformações profundas no setor ferroviário para qualificar o setor no Brasil? O primeiro ponto é a modernização. O investimento inicial em qualificação nos sistemas. A CPTM, empresa pública de São Paulo, vem há décadas investindo na aquisição dos chamados trens espanhóis e aproxima muito a sua frota do padrão 'low cost' (baixo custo) das principais cidades metropolitanas da Espanha. A fácil manutenção e reprodução de peças fizeram com que as linhas metropolitanas de São Paulo tivessem hoje um controle maior de seus gastos operacionais a partir da reposição de peças e manutenção.

Outro giro fundamental é a fonte de energia do modal. Diversos países, sustentados pela agenda 2030, propõem a mudança de energia, como é o caso do Reino Unido, que colocou o marco de 2040 para limite de transformação das fontes de energia (diesel e elétrica) para a energia eólica, muito mais econômica no médio prazo.

Os sistemas tributários do país e dos Estados precisam ser alterados para o setor, garantindo a desoneração. A isenção de ICMS sobre energia elétrica para o setor, criação de índice específico do transporte e novos modelos de taxação devem ser guias importantes para modificações de médio e longo prazo. O modelo de "TaxIncrementFinancing" através da antecipação do incremento de arrecadação tributária Imobiliária, em aplicação há cerca de duas décadas nos EUA, vem sendo utilizado como fonte de recursos para implantação de projetos de financiamentos e custeio dos sistemas estruturais de transportes, requalificação urbana, desenvolvimento imobiliário e projetos de infraestrutura.

E deve-se ir além, estabelecendo cobrança de pedágios urbanos - caso de Londres (Inglaterra), de Estocolmo (Suécia) e de diversas outras cidades da Europa - para trafegar em determinadas áreas da cidade, com variações no valor de acordo com a taxa de emissão de gases poluentes, desestimulando transporte individual e priorizando os transportes coletivos.

Aqui no Rio temos algumas entidades e fóruns importantes no debate ferroviário, onde destaco a Casa Fluminense, o Observatório dos Trens e o Fórum de Mobilidade Urbana. A sociedade civil vem acumulando de forma muito intensa sobre o setor e construindo uma rede de diálogo e proposições muito avançada. No mundo, há a organização Barcelona En Comú, como protagonista na discussão de desenvolvimento, direito à cidade e transporte.

É importante entender o que se quer: vencer a inércia do setor ferroviário não é tarefa fácil, mas é um passo fundamental para o desenvolvimento das cidades, principalmente as regiões metropolitanas e cidades médias do país. Um trem eficaz é capaz de aumentar IDH de regiões, transportar riquezas, promover qualificação de infraestrutura e garantir bem-viver para milhões de pessoas.

Não é por 20, 30 ou 40 centavos. É sobre o modelo de sociedade que se quer no Brasil nos próximos anos. Prometo que nas próximas semanas mostro a transformação do transporte ferroviário no Brasil e as consequências do sucateamento do setor. É uma outra história...