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Primeira Infância

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Crianças na primeira infância são as mais afetadas por emergência climática

Foto de 2014 mostra menina tomando banho em bueiro aberto na rua Luís de Camões, no centro do Rio de Janeiro - Marcelo Piu / Ag. O Globo
Foto de 2014 mostra menina tomando banho em bueiro aberto na rua Luís de Camões, no centro do Rio de Janeiro Imagem: Marcelo Piu / Ag. O Globo

Luanda Nera e Carol Guimarães

23/07/2021 06h00

Não é - ou não deveria ser - novidade para ninguém que o mundo enfrenta uma das maiores crises socioambientais já registradas, em grande medida em função das graves mudanças climáticas. Resultado da atuação humana, a corresponsável pelos atuais modelos socioeconômicos de desenvolvimento e de emissão de CO2, se esquecem que nossa casa está em chamas e não sustenta mais essa velha forma de produzir e consumir riquezas.

As consequências já podem ser sentidas em todos os cantos do planeta, mas pouco se destaca que são as crianças a população mais vulnerável aos efeitos dessa emergência. Ameaçadas diretamente por eventos climáticos extremos — como enchentes, secas, queimadas, piora da qualidade do ar, tempestades ou furacões —, crianças de todo o mundo são as que mais facilmente morrem ou possuem suas condições de vida pioradas.

Seja pela insegurança alimentar e de acesso à água potável, gerando efeitos como a desnutrição e diarreia; deslocamentos forçados e proliferação de doenças crônicas, impactando diretamente a garantia dos seus direitos à vida, à saúde, à educação e ao próprio desenvolvimento.

Assim, não são somente as futuras gerações de crianças estão ameaçadas, mas as 160 milhões de crianças que vivem hoje em áreas de secas; as 500 milhões vivendo em zonas de enchentes recorrentes; as 115 milhões em áreas de ciclones ou as mais de 90% das crianças que respiram ar tóxico todos os dias.

Ainda, são as crianças pequenas, especialmente durante a primeira infância, as mais gravemente afetadas. Por estarem em um período único do desenvolvimento humano, as crianças com até 6 anos de idade são mais vulneráveis socioeconomicamente e ainda não têm biologicamente os sistemas nervoso-cerebral e imunológico desenvolvidos por completo, estando mais sujeitas às doenças e violências advindas desses eventos.

Dados da OMS estimam que 88% das doenças advindas das mudanças climáticas ocorrem em crianças de até 5 anos de idade. Após eventos climáticos extremos, crianças são vitimizadas mais facilmente pelo trabalho infantil e exploração sexual. Além disso, são elas — muitas vezes já na barriga da mãe —, que sofrem os maiores e mais permanentes danos da poluição atmosférica, que danificam seu desenvolvimento neurológico e cardiovascular, causando doenças crônicas para a vida inteira.

E como em outros temas, as desigualdades se acumulam e andam juntas. Em uma análise interseccional, são as crianças negras, quilombolas, ribeirinhas e indígenas também as mais vulnerabilizadas desproporcionalmente pelas alterações climáticas, especialmente pela lógica de exclusão estrutural que permeia as escolhas de políticas públicas ou empresariais, um fenômeno também conhecido como racismo ambiental.

Assim, não há como cuidar de todas as crianças — como determina o Estatuto da Criança e do Adolescente e o Marco Legal da Primeira Infância —, se não enfrentarmos concomitantemente todos os desafios climáticos e socioambientais. E não podemos colocar mais esse fardo apenas sobre os ombros das famílias; são os países e as empresas, instituições com grande poder na dinâmica geopolítica atual, que possuem igualmente a grande responsabilidade pelo cuidado com todas as crianças.

Conceber ações efetivas no controle das emissões de CO2 e proteção das comunidades mais vulneráveis, em especial das crianças e suas famílias, ao longo de toda a cadeia de um negócio empresarial ou ação estatal é um imperativo para o atingimento das metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e uma forma para se implementar de forma eficaz as estratégias ESG (Ambiental, Social e Governança).

Somente assim, cumpriremos o nosso dever constitucional, um verdadeiro projeto de Sociedade e de País, no qual as gerações presentes e futuras de crianças estejam verdadeiramente em primeiro lugar (artigo 227), inclusive o direito de acesso e convívio direto com a natureza e um meio ambiente ecologicamente equilibrado (artigo 225).

Que possamos verdadeiramente ouvir as vozes de crianças protagonistas em todo o mundo, que já se levantam para apontar as injustas consequências da emergência climática em suas diferentes comunidades e de nossas ações como adultos na condução da sociedade, de empresas e dos Estados. Reconhecer isto, é partilhar um horizonte comum de justiça humana e climática, pela qual haja uma verdadeira solidariedade entre adultos, crianças e todos seres vivos. Afinal, somos todos parte da natureza e interdependentes nesta casa comum chamada Terra.

*Coluna escrita por Pedro Hartung - Diretor de Políticas e Direitos da Criança no Alana