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Primeira Infância

REPORTAGEM

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Como ficam as crianças que não podem se vacinar?

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Imagem: iStock

Ana Cândida Pena e Carolina La Terza

05/02/2022 06h00

Crianças fechadas em casa marcaram o retrato urbano da pandemia: uma geração inteira sofrendo física, social e psicologicamente consequências sobre as quais ainda não temos as dimensões exatas. Com a autorização das autoridades sanitárias para estender às crianças de 5 a 11 anos a aplicação de vacinas contra a covid-19, uma onda de alívio tomou conta de muitas famílias, com a esperança de retomar o convívio social e a rotina escolar com mais tranquilidade. Mas uma faixa etária bem específica deve se manter vulnerável à circulação do vírus, pelo menos por enquanto.

Os bebês e as crianças pequenas são os maiores beneficiários do histórico confiável das vacinas como um preventivo de complicações e mortalidade infantil em todo o mundo. São tecnologias que ajudaram a erradicar a varíola e a rubéola no Brasil, além de controlar doenças como meningite, tétano, difteria, coqueluche e poliomielite. Combater doenças que deixam sequelas nas crianças também é uma forma de aumentar a expectativa de vida da população, índice que vimos crescer no último século. Em suma, as vantagens da vacinação são diversas e facilmente comprovadas em exemplos da realidade.

No caso da covid-19, o Brasil ainda não autorizou a vacinação para crianças com menos de 5 anos de idade e não há previsão para a inclusão desse público no plano nacional de imunização. É preciso contar com os adultos para proteger esta geração. Com experiência em vacinas infantis há 25 anos, o Dr. Luis Alberto Verri conversou com a coluna sobre a perspectiva desta espera para pais e cuidadores. Médico pediatra formado pela UNICAMP, é especialista pela Sociedade Brasileira de Pediatria e atua no Hospital Vera Cruz, em Campinas, desde 1985.

"Quanto mais pessoas você vacinar, mais facilmente reduz a circulação do vírus. Lógico que nosso sonho é que todas as crianças recebam a vacina, mas enquanto isso não acontece temos que continuar tomando todos os cuidados: usar máscaras em todos com mais de 2 anos, higienização das mãos e distanciamento social, quando possível. O que vimos acontecer no final do ano com as crianças menores foi a contaminação intrafamiliar, com viagens e encontros festivos. Crianças se infectam com até mais facilidade do que os adultos e têm direito à mesma proteção que nós ganhamos com a vacinação desde o ano passado, mas dependem do conjunto da sociedade para atravessar em segurança este momento conturbado".

Dr. Verri acredita que, em breve, a vacinação deva chegar para as crianças a partir dos 3 anos, principalmente a Coronavac, que já está sendo testada em vários lugares do mundo. Em Israel também já começaram trabalhos da Pfizer com crianças acima de 6 meses. O mais provável é que todas elas recebam a vacina, mas não sabemos ainda quanto tempo isso vai levar. Na fase atual, a vacinação a partir dos 5 anos atenderá aquelas crianças em fase de alfabetização, apoiando a normalização da educação infantil, que teve tantas dificuldades para manter o ritmo de aprendizado nos últimos dois anos.

A importância histórica da vacinação

Como grande descoberta da saúde pública em termos de mortalidade infantil, a vacinação, juntamente com o saneamento básico, melhorou a qualidade de vida e o acesso à saúde de crianças em todo o mundo. Mas a pandemia incidiu negativamente também sobre a cobertura vacinal de doenças já controladas no Brasil. O Dr. Luis Verri chama a atenção para os riscos da queda na procura dos pais por vacinas do calendário regular, com índices que em alguns casos caíram de 90% para 70% ou 60% de crianças vacinadas. Um quadro perigoso do ponto de vista da saúde pública, da coletividade.

No caso do coronavírus, estudo do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas de São Paulo aponta que 43% das que foram contaminadas continuaram sofrendo efeitos prolongados do vírus por até 12 semanas a partir da infecção. A maior parte das crianças apresentou cefaléia (19%), mas também houve relatos de dificuldade de concentração e de qualidade do sono.

Além da covid longa, a síndrome inflamatória multissistêmica pediátrica já levou a óbito 86 crianças brasileiras desde o início da pandemia, um quadro clínico grave e que pode reaparecer até dois meses após a contaminação. Algumas crianças podem apresentar resposta inflamatória em diferentes partes do corpo, incluindo coração, pulmões, rins, cérebro, pele e órgãos gastrointestinais.

O Comitê Científico do Núcleo Ciência Pela Infância acaba de lançar uma nota científica sobre a vacinação de crianças no Brasil. O documento reforça a importância de dar informação adequada às famílias e o papel de gestores públicos e profissionais da saúde e da educação para conscientizar sobre a importância da vacinação ampla e imediata. Ao longo dos últimos dois anos, a doença matou mais crianças no Brasil do que a soma de todas as outras enfermidades cobertas pelo calendário vacinal, como sarampo, caxumba, rubéola e meningite. E nessa guerra todos temos responsabilidades.

Para os pais e cuidadores que ainda não sabem quando seus filhos serão vacinados, os números compartilhados pelo Dr. Verri inspiram cuidado. O médico assistiu ao número de atendimentos infantis cair em mais de 10 vezes nos primeiros meses de pandemia, mas em 2021 o cenário começou a mudar para as crianças. De uma média de 10 ou 15 crianças buscando o pronto-socorro nos primeiros meses da pandemia, entre todas as patologias, em janeiro de 2022 mais de 3.300 passaram em consulta no Hospital Vera Cruz. Deste total, 22% estavam com covid, sendo a grande maioria dos casos em crianças abaixo dos 5 anos.

"As crianças não iam para a escola, estavam em casa e, logo, não ficaram doentes. Até então eram as mais protegidas. Sabemos de toda a dificuldade com o retorno ao trabalho presencial, mas é importante os pais entenderem que mesmo estando vacinados, ainda podem passar o vírus e até contaminar suas crianças. Se no início da pandemia a preocupação era com os idosos, pois eram os que mais morriam, agora precisamos olhar para as crianças. Não faz mais sentido criança morrer por uma doença para a qual já existe vacina", completa o pediatra.