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OPINIÃO

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O Agro é tóxico: O brasileiro tem comido e exportado veneno

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Imagem: iStock

Lucas Ferrante*

15/04/2023 06h00

O Brasil tem ido na contramão do resto do mundo quando falamos de agrotóxicos. Enquanto países como Estados Unidos e praticamente toda a Europa defendem cada vez o menor uso dos agrotóxicos, o Senado vem tentando aprovar medidas que colocam mais veneno na mesa do trabalhador.

Durante o governo do presidente Bolsonaro (2018-2022), foram liberados no Brasil mais de 2.182 novos pesticidas, sendo muitos deles proibidos em diversos países. Além disso, medidas como tirar dos estados o poder de ingerência do controle sobre os agrotóxicos foram adotadas. Muitos agrotóxicos passaram a não demandar mais de receitas para serem vendidos, o que antes era exigido. Isso aumentou o risco tanto para o consumidor quanto para o produtor rural, que se expõe cada vez mais a estes produtos.

O governo Bolsonaro também tentou impedir que produtores de alimentos orgânicos, ou seja, sem agrotóxicos, vendessem seus produtos em supermercados. Parlamentares ruralistas, que representam os interesses do agro, também tem tentado alterar o termo agrotóxico para "defensivo fitossanitário", como uma tentativa de mascarar a nocividade destes compostos químicos. Apesar das mudanças dos termos, a periculosidade destes insumos para a biodiversidade e vida humana já foram altamente comprovados pela ciência.

Um estudo realizado na Fazenda Experimental da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e publicado pela revista científica Acta Amazônica, mostrou que áreas que sofreram aplicações de herbicidas como glifosato, comercialmente conhecido como Roundup, além de herbicidas como Select 240 EC e Disparo, apresentaram extinções locais de pelo menos duas espécies de anfíbios, animais considerados bioindicadores de qualidade ambiental.

Além disso, foram encontrados animais com mutações, como ausência de olhos e dedos, após as aplicações destes insumos na área do estudo. De fato, este é apenas um dentre as centenas de estudos que mostram que estes venenos tendem a afetar organismos vivos, inclusive causando mutações e malformações em animais e humanos.

O aumento do uso de agrotóxicos no país, de fato não vêm para melhorar a agricultura ou torná-la mais produtiva, na verdade esta é uma estratégia da bancada ruralista para angariar novos patrocinadores de suas campanhas políticas, principalmente empresas que produzem estes insumos.

Cientistas brasileiros chegaram a publicar um artigo na revista Nature Climate Change denunciando como parlamentares brasileiros barganham votos com a bancada ruralista em prol de aprovação de muitas pautas no congresso, sacrificando o meio ambiente e enfraquecendo a legislação ambiental. Vários pesquisadores ainda têm alertado que as ações da bancada ruralista ferem vários acordos internacionais dois quais o Brasil é signatário, como o acordo de Clima e Florestas.

O voto dos parlamentares vai contra diversos especialistas de vários institutos de pesquisa e agências reguladoras do país, como a Anvisa e o Ministério do Meio Ambiente.

Entretanto, pouco se fala que 70% dos alimentos produzidos no Brasil vêm de pequenas propriedades e da agricultura familiar, onde muitas vezes a produção é de alimentos orgânicos, que não fazem uso de agrotóxicos.

Preocupantemente, esta política de mais liberações de agrotóxicos tem sido seguida pelo governo do presidente Lula, onde já foi registrada a aprovação de mais 48 destes insumos nos três primeiros meses de mandato.

O ministro da Agricultura de Lula decidiu promover ao cargo de secretário da pasta um diretor da gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro que é defensor do chamado "PL do Veneno". O Projeto de Lei do Veneno, PL 1459/2022 (Substitutivo da Câmara dos Deputados ao Projeto de Lei do Senado nº 526, de 1999), deveria ter sido votado em 2022, mas por pressão da sociedade civil foi deixado para ser votado em 2023. Se aprovado pelo Senado, o PL será um teste do compromisso ambiental da gestão do presidente Lula.

As preocupações com a ingestão de alimentos com altas doses de agrotóxicos são grandes. Embora muitas notícias digam que basta lavar as frutas e verduras ou deixá-las de molho por um dia no bicarbonato de sódio, estas medidas são apenas lendas urbanas, não apresentando eficácia para retirar o veneno dos alimentos.

Os agrotóxicos não ficam apenas na superfície dos alimentos, mas estão em todas as partes das plantas, inclusive na polpa das frutas e no interior das verduras. Isso ocorre porque muitos agrotóxicos são sistêmicos, ou seja, penetram em toda a planta para evitar que esta seja atacada pelas pragas.

Desta forma, não existe nada que possa remover os agrotóxicos dos alimentos. Vários estudos científicos apontam que os agrotóxicos são responsáveis não apenas pela intoxicação alimentar, mas causam câncer e microcefalia. Para o produtor rural que está sempre em contato com o veneno, o dano é ainda maior, causando índices alarmantes de câncer, mal de Alzheimer, impotência, depressão culminando em suicídio, entre outras doenças.

As preocupações com a biodiversidade também são grandes. Um estudo publicado no periódico científico Herpetological Journal, apontou que a espécie de perereca Scinax caldarum, que ocorre no sul do estado de Minas Gerais e hoje é encontrada apenas em Poços de Caldas, teve mais de 85% de sua área de ocorrência reduzida nos últimos 30 anos. De fato, a espécie já foi registrada há centenas de quilômetros da única localidade que é encontrada hoje, se estendendo até o município de Alfenas. O estudo aponta que fatores que atuaram em sinergia causaram a redução da área de ocorrência da espécie, sendo a utilização de agrotóxicos em paisagens agrícolas um destes fatores.

Na região amazônica, o uso de agrotóxicos acaba sendo ainda maior que nas demais áreas do país, onde as proporções de veneno aplicadas nas lavouras chegam a ser até quatro vezes maiores que nas outras regiões do país. Isso não é devido ao maior número de pragas, mas sim à desinformação dos produtores que não seguem as recomendações adequadas nas receitas do produto.

Embora estes índices sejam alarmantes, temos muitas saídas para livrar os alimentos que chegam em nossas mesas destes venenos, como comprar legumes, frutas e verduras em feiras orgânicas ou direto com os produtores.

Além disso, movimentos que atuam em prol dos orgânicos têm crescido em todo o país, como o Movimento Ativista Slow Food, que visa pela produção de alimentos bons, limpos e justos, sem o uso de agrotóxicos e que valorizem o trabalho do produtor rural.

Enquanto nossos governantes legislam apenas visando o próprio benefício, cabe a população se unir e valorizar a agricultura familiar, comprar e fiscalizar os orgânicos e exigir que estes produtos estejam cada vez mais disponíveis, além de pressionar nossos políticos para que não seja afrouxada a legislação ambiental permitindo maior flexibilização do uso de agrotóxicos. É crucial que tenhamos em mente que agrotóxico é sinônimo de veneno e veneno não se põe na mesa.

*Lucas Ferrante é biólogo, formado pela Universidade Federal de Alfenas (Unifal), mestre e doutor em biologia (ecologia) pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). Dentre suas áreas de pesquisa tem investigado como plantios agrícolas e o uso de agrotóxicos afetam a fauna, especialmente os anfíbios.