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OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O presidente negro da economia

O presidente eleito Lula (PT) durante coletiva de anúncio dos primeiros ministros do seu governo - Reprodução/PT TV
O presidente eleito Lula (PT) durante coletiva de anúncio dos primeiros ministros do seu governo Imagem: Reprodução/PT TV

Ivair Augusto Alves dos Santos*

11/12/2022 06h00

Lula está com dificuldades de compor seu ministério com negros e negras, segundo a imprensa. Tenho algumas sugestões para ele, que indico aqui: o presidente eleito poderia nomear pessoas negras comprometidas com a luta por justiça, igualdade social e racial, entre outras igualdades, para o Banco Central, para a presidência do Conselho de Valores Mobiliários ou a presidência do BNDES. Em qualquer desses órgãos, elas caberiam perfeitamente.

O artigo da Folha de S.Paulo em 4 de dezembro, escrito por Douglas Gavras, é profundamente instigante e provocador. Ele traz a constatação assustadora de que, mantido o ritmo atual de crescimento do país, a desigualdade de renda entre negros e brancos deve demorar 400 anos para ser superada. Ou seja: levará o mesmo tempo da escravidão no Brasil para termos igualdade de renda.

Mario Theodoro, um brilhante e exemplar economista negro que foi secretário-executivo da SEPPIR, propôs uma discussão com o BNDES para formular um programa voltado a superar a desigualdade de renda da população negra. Mas vozes contrárias, do mundo da branquidade, tentaram desencorajá-lo. Afirmaram que era sonhar alto demais. Um ministro da Fazenda chutou o assunto para a frente: "No dia em que vocês se mobilizarem, voltamos a conversar."

Registro esses dois episódios para ressaltar alguns pontos:

Economistas negros vêm apontando caminhos para diminuir radicalmente as desigualdades raciais há muito tempo.

O racismo é estrutural no pais, não existe solução contra as desigualdades sociais e raciais que não passe por uma discussão sobre o desenvolvimento econômico que nós queremos.

A área mais resistente a enfrentar o racismo estrutural tem a sua morada no ministério da Fazenda e Planejamento.

Podemos até conseguir avanços com a criação do Ministério da Igualdade Racial, mas teremos que mobilizar nossas inteligências e vivências negras para abrir espaço na Fazenda e Planejamento, especialmente.

Há um certo consenso entre as lideranças negras, que identificam as políticas de ações afirmativas como o caminho a ser percorrido. Ações propostas pelos movimentos negros, e negadas por uma parte significativa da intelectualidade branca brasileira, deram mais do que certo: foram e são um dos motores da mudança da composição racial das universidades públicas. Política lembrada como um sucesso de governo na campanha eleitoral do Presidente Lula.

Portanto, por que não termos uma política de ação afirmativa para ocupar a presidência do BNDES, do Banco Central ou do CVM? Isto não significa que os ministérios da Fazenda e Planejamento devem estar em nosso foco. Temos de concentrar esforços neles. Mas presidir um alto órgão da administração da economia pode ser um caminho para chegar até eles.

Algumas pessoas podem nos achar sonhadores. Era o que diziam há mais de 400 anos, quando começamos a lutar por liberdade. Era o que diziam alguns anos atrás, quando reivindicamos embaixadores negros. Levou mais de um século para conseguirmos cotas no Itamaraty, mas conseguimos.

Existe um local mais branco na Esplanada, no sentido excludente, do que o atual Ministério da Fazenda e Planejamento? Hoje temos uma legião de negros e negras estudiosas e qualificadas, cientistas da área financeira do país, para ocupar cargos de cúpula nessa área e em qualquer outra. Por que não convocá-los para discutir, ou mesmo executar, a nossa participação na macroeconomia brasileira?

Temos que democratizar e enegrecer a Comissão de Valores Mobiliários, o Banco Central, o BNDES, todos vinculados ao Ministério da Fazenda e Planejamento. E são muitos as economistas, advogados, engenheiras, contabilistas e jornalistas que dedicam suas vidas a conhecer o universo financeiro.

Graça Machel, viúva do presidente moçambicano Samora Machel e também viúva do presidente sul-africano Nelson Mandela, esteve no Brasil e deixou uma mensagem que foi um furacão. Ela disse: "Temos que ser mais radicais na desconstrução das estruturas raciais que existem no Brasil e sermos muito mais conscientes de que é preciso reconstruir o tecido social".

Se perguntarmos à sociedade brasileira qual é o setor mais impenetrável à presença negra haverá quase unanimidade em citar o universo financeiro. É necessário, então, convocar profissionais negros que conheçam os desafios dessa área, para que possamos participar das decisões da macroeconomia e agir para diminuir as desigualdades de renda entre negros e brancos.

O que podemos fazer diante deste quadro:

1- Ações afirmativas para negros devem ser incorporadas entre as boas práticas pela CVM.

2- Se conseguimos que o Ministério das Relações Exteriores tenha cotas em seus concursos, que realizemos programas de bolsas para ingresso nos Ministérios da Fazenda e Planejamento

3- Para enegrecer e democratizar os Ministério da Fazenda e Planejamento, combatendo o racismo estrutural, precisamos começar agora, para não esperar mais 400 anos.

4- Precisamos discutir a ocupação de todos os espaços públicos e políticos do país. Não devemos deixar de acreditar que nós podemos exercer qualquer cargo no Estado brasileiro.

5- Devemos promover encontros nacionais de profissionais negros que trabalham em finanças, para discutir o papel do negro no desenvolvimento econômico e subsidiar as ações de enegrecimento do Ministério da Fazenda e Planejamento

7- Devemos ter a coragem histórica de reivindicar agora, para o governo que vai começar, a presidência do BNDES. Ou do Banco Central e da CVM.

Às equipes de transição do governo Lula vão estas sugestões, na esperança de que contribuam para um novo olhar, mais democrático e realmente includente, sobre a gestão econômica do país.

Do presidente Lula, desejamos que compreenda as angústias do povo negro em toda a sua extensão e profundidade, e que responda com o que esperamos dele: esperança, ousadia e coragem.

*Ivair Augusto Alves dos Santos é Mestre em Ciências Politicas pela Unicamp e Doutor em sociologia pela UnB. Ex-diretor do Departamento de Direitos Humanos da Secretaria de Direitos da Presidência da Republica.