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OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Na busca por respostas, as perguntas é que guiam o caminho

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Imagem: iStock

Julia Melo*

14/09/2022 06h00

Escrever ou ser letrista parece que é para poucos que já nascem para isso, certo? Não é verdade. Pelo menos foi o que aprendi com a Cris Lisbôa, jornalista, pesquisadora de comunicação e linguagem e referência no ensino de criação em escrita. Cris também é professora e guia no clube que faço parte.

Ok, mas como que faz para aprender a escrever? "Escrevendo, escriba", disse Cris Lisboa. "Porque se algum dia tu começar a escrever e souber exatamente o que estás fazendo, a dica é um banho frio para passar esse porre".

A melhor forma de se aprender é fazendo. O caminhar, o discurso tem a ver com sincronicidade de seus pensamentos e valores com suas falas e suas ações. Caminhar o seu discurso. É prática. Assim desde criança aprendemos e seguimos aprendendo: tentando, fazendo, errando, refletindo e melhorando.

Respirei fundo, olhei e vi que eram 2h45 da manhã. Na hora já lembrei que meu Casio preto mostrava o horário no Brasil. Faltava ainda uma conexão e o horário que mostrava no bilhete era o horário local. Então, o objetivo era buscar essa informação no relógio mais próximo para saber que horas eram aqui, onde estou agora.

Tava vestida com um daqueles conjunto de moletom que a calça combina com a blusa, tudo marrom escuro com uma linha amarela, meio mostarda na verdade, que ia da manga da blusa à barra da calça. Uma linha, a distância entre um ponto e outro. Eram 11h15 da manhã, oito horas e meia na frente do Brasil. Será que tem jeito de estar realmente na frente no tempo? Quanto tempo o tempo tem?

O tempo para os povos indígenas é uma divindade sagrada encarregada de manter a lei dos ciclos: as estações da terra e as estações do céu. As estações da Terra podem ser medidas pelo Sol e as estações do céu, pela Lua. O tempo faz a ligação do ritmo - que é coordenado pelo coração - com a ação e a inação. Palavras que li no livro A Terra dos Mil Povos de Kaká Werá Jecupé, uma referência na literatura indígena e um amigo.

A conexão seria em três horas, eu tinha tempo. Voltei para a mesma poltrona que sentava quando olhei para o meu relógio Casio pela primeira vez. Era uma daquelas poltronas que reclinam o encosto, uma espreguiçadeira daquelas que estão sempre ocupadas nos aeroportos movimentados. Com o corpo quase na horizontal, respirei fundo e tirei da mochila meu celular, fone de ouvido e uma pergunta.

Foi nesse momento que a senhora ao meu lado me perguntou: "O que que te trouxe até aqui?" Na hora não sabia se ela se referia à espreguiçadeira ou o fato de estar aguardando uma conexão em pleno aeroporto de Addis Ababa, na Etiópia. Você que já leu esse texto até aqui, pare e pense: O que te trouxe até onde você está hoje? Quais foram as últimas revoluções que você fez nos últimos seis meses? Quais revoluções você fez ontem? O que você faz com o seu tempo hoje?

A palavra adulto não é, necessariamente, a primeira coisa que vem à cabeça quando pensamos na educação. Mas a verdade é que nós nunca paramos de aprender e eu acredito fortemente que se trata de um processo contínuo e revolucionário. Aprender a se fazer perguntas generosas, a habitá-las, atravessá-las e deixar vir novas, é a parte importante dos processos educacionais realmente transformadores voltados para adultos.

Ou seja, não apenas fazer as perguntas, mas garantir o exercício de fazê-las, lembrando que parte importante desse exercício é também escutar. Daí nascerão questões novas e assim sucessivamente.

O exercício de sermos pessoas generosas com as perguntas que fazemos é como respirar conscientemente, pois tanto respirar quanto perguntar, a gente faz todos os dias. O curioso é que em ambos os casos, se estamos atentas, respiração e "pergunta-ção", se me permitem a licença poética, tornam-se fonte de onde tomamos ar, fôlego.

Inspira, expira, respira. Isso é um convite para você compartilhar ainda hoje um pergunta generosa, um respiro consciente. Para você mesma ou para outro alguém, mas não deixe de fazer.

O tempo voou e escutei no alto falante central que era hora do embarque para Nairobi. Abri a mochila novamente e guardei a pergunta, o fone de ouvido e o meu celular. Olhei para a senhora e disse: Boa viagem, boas perguntas e que as batidas do seu coração sejam realmente as coordenadas para o tic tac do seu relógio.

*Julia Melo é uma cidadã do mundo de coração, latinoamericana de alma e nômade digital pela necessidade do movimento. É co-fundadora, empreendedora e atualmente ocupa o cargo de diretora do Amani Institute no Brasil, desde 2015. Formada em comunicação, sempre empreendeu na área de educação, desde desenvolvimento internacional pela paz, até escolas rurais nos interiores da Amazônia, no Amazonas do Brasil. Gestora de mudanças por natureza, apaixonada por andar de bicicleta e atualmente aprendiz de escritora. Amani Institute no Brasil foi parceiro estratégico da 1ª edição do Prêmio UOL Ecoa, em 2021.