Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Sujeitos do presente e do futuro: crianças e adolescentes
Seja qual for a sua crença, ideologia, orientação de gênero e sexual, cor de pele ou classe social: estamos unidos pela absoluta prioridade das crianças e adolescentes.
Não se trata de nenhuma determinação autoritária de normas ou governantes, mas sim uma escolha política-coletiva que nós, como cidadãs e cidadãos, fizemos no processo constituinte em 1988, e reafirmamos em 1990 com a publicação Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Assim, neste aniversário de 30 anos do ECA, o convite é para que possamos, novamente juntos e inspirados nos avanços alcançados nos últimos anos, continuar engajados e comprometidos com o que ainda precisa ser alcançado para efetivar os direitos e cuidados da infância e adolescência na prática.
Embora, atualmente seja impossível imaginar crianças e adolescentes sem garantias e direitos, essa realidade só foi possível em outubro de 1988, com a promulgação do artigo 227 da Constituição Federal. Antes desta data, estava em vigência no Brasil o segundo Código de Menores, que atuava sob a ótica da Doutrina da Situação Irregular, quando crianças e adolescentes eram vistos apenas como objetos de intervenção.
Foi durante uma forte movimentação internacional, para um atendimento mais protetivo à infância e adolescência, marcado por uma série de mobilizações que inclui a Convenção dos Direitos da Criança publicada em 20 de novembro de 1989, e com atuação contínua da sociedade civil, representada por movimentos e organizações, articulada e comprometida com a defesa de crianças e adolescentes, que o Brasil, no dia 13 de julho de 1990, publicou o ECA, confirmando a Doutrina da Proteção Integral e reconhecendo todas as pessoas com até dezoito anos como sujeitos de direitos, em peculiar estágio de desenvolvimento, que necessitam de proteção especial.
Trata-se de uma mudança importantíssima e necessária, uma vez que era notória a distinção entre crianças - pessoas com até 18 anos com acesso à educação, cultura, lazer, saúde, família e cuidados - e menores - quem eram privados de condições essenciais à sua subsistência, saúde e instrução obrigatória, ainda que eventualmente, em razão de falta, ação ou omissão dos pais ou responsável; manifesta impossibilidade dos pais ou responsável para provê-las; vítima de maus tratos ou castigos imoderados impostos pelos pais ou responsável; em perigo moral; com desvio de conduta, em virtude de grave inadaptação familiar ou comunitária; acusados de infração penal. Logo, é inevitável concluir que "os menores" pertenciam às populações mais vulneráveis, formadas majoritariamente pelas comunidades pobres, negra, indígena, quilombola e periféricas.
O cuidado de crianças e adolescentes tratava-se de uma responsabilidade exclusiva da família, estando a sociedade livre de qualquer responsabilidade, e o Estado restrito ao atendimento das pessoas em situação irregular. Sendo, portanto, constantes as formas de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão contra os menores.
Portanto, falar, refletir e celebrar o aniversário de 30 anos do ECA se faz tão importante. Seu impacto é percebido em toda sociedade, especialmente porque mudou a nossa relação social e comunitária na defesa, promoção e garantia dos direitos de crianças, adolescentes e suas famílias. Assim, conhecer as melhorias dos últimos anos é essencial para mobilizar rumo ao que ainda precisamos atingir.
Logo após a publicação do ECA, muitos avanços foram possíveis por meio da criação de órgãos e políticas públicas específicas para o atendimento de crianças e adolescentes vulneráveis, de publicações de normas que visam combater violências, assegurar direitos, regulamentar políticas, fiscalizar atendimentos e do estabelecimento de Planos e Diretrizes para efetivação da Doutrina da Proteção Integral. Ao fim deste texto, estão reunidas algumas das legislações mais importantes sobre o tema.
Tratam-se de políticas públicas essenciais à proteção de crianças e adolescentes. Entretanto, ainda existem desafios a serem superados para que, na prática, esta parcela da população tenha seus direitos de fato protegidos e assegurados com absoluta prioridade.
Rumo aos próximos 30 anos é necessário olhar para crianças e adolescentes como sujeitos do futuro, mas principalmente como sujeitos do presente. É preciso garantir seus direitos neste exato momento, pois somente assim será possível efetivar o que foi previsto nas diversas previsões legais.
É igualmente fundamental reconhecer que não existe uma infância e adolescência, mas sim várias infâncias e adolescências, e nos prepararmos de maneira coletiva e afetiva para assegurar que essa multiplicidade seja assegurada e respeitada na elaboração de políticas públicas, na prestação de serviços, no atendimento e em todas situações cotidianas, políticas e sociais.
Neste sentido, assumir que crianças e adolescentes de comunidades pobres, periférica, negra, indígena e quilombola estão mais expostas às diversas formas de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Devendo, portanto, as políticas, serviços e atendimentos públicos estarem atentos para não produzirem ou aumentarem esta vulnerabilidade e, sim, garantirem que haja reparação e erradicação da desigualdade, especialmente na infância e adolescência.
Vocês já pararam para ouvir alguma vez os sonhos de meninas e meninos? É preciso escutar cada vez mais as vozes de crianças e adolescentes, cada uma da sua forma. Trazê-los para a arena pública para que possamos construir a melhor forma de bem viver. A escuta somada ao cuidado, sem distinção e discriminação. É importante lembrar todos os dias que o cuidado de crianças e adolescentes não é exclusivo das famílias, mas sim um dever de todos nós, como sociedade, e do Estado nas suas esferas municipais, estaduais e Federal, nos Poderes Legislativo, Judiciário e Executivo - que devem sempre garantir em suas ações o melhor interesse de crianças e adolescentes.
Outro tipo de cuidado é o de quem cuida. Cuidar de quem cuida é uma tecnologia que atinge toda sociedade ao mesmo tempo: crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos. Não podendo ficar de fora também as instituições, por isso o fortalecimento de entidades como os Conselhos Tutelares e Conselhos de Direitos são essenciais.
Como sabemos, somos todas e todos corresponsáveis por assegurar os direitos de crianças e adolescentes. Proteger e cuidar desta parcela da população é proteger e cuidar, ao mesmo tempo, do presente e do futuro. Por isso, assim como um cheiro em um bebê ou a escuta de uma adolescente que sonha, a mudança também não pode esperar, tem de acontecer agora.
Só assim podemos construir um cenário onde nos próximos aniversários do ECA as palavras negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão sejam sempre usadas no passado e substituídas por palavras de celebração e comemoração nas vozes de crianças e adolescentes.
1990: Lei Federal 8.069 de 13 de julho - Cria o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
1991: Lei nº 8.242, de 12 de outubro de 1991 - Cria o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda).
1993: Lei nº 8.742, de 07 de dezembro de 1993 - Lei Orgânica da Assistência Social (Dispõe sobre a organização da Assistência Social)
1996: Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 - Lei de Diretrizes Básicas (Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional)
2008: Lei nº 11.829, de 25 de novembro de 2008 - Aprimora o combate à produção, venda e distribuição de pornografia infantil, bem como criminalizar a aquisição e a posse de tal material e outras condutas relacionadas à pedofilia na internet.
2009: Lei nº 11.942, de 28 de maio de 2009 - Assegura às mães presas e aos recém-nascidos condições mínimas de assistência.
2009: Lei nº 11.924, de 17 de abril de 2009 - Autorizar o enteado ou a enteada a adotar o nome da família do padrasto ou da madrasta.
2009: Lei nº 12.106, de 2 de dezembro de 2009 - Cria, no âmbito do Conselho Nacional de Justiça, o Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas e dá outras providências.
2009: Lei nº 12.127, de 17 de dezembro de 2009 - Cria o Cadastro Nacional de Crianças e Adolescentes Desaparecidos.
2010: Lei nº 12.318, de 26 de agosto de 2010 - Dispõe sobre a alienação parental.
2011: Lei nº 12.393, de 04 de março de 2011 - Institui a Semana de Mobilização Nacional para Busca e Defesa da Criança Desaparecida.
2012: Lei nº 12.594, de 18 de janeiro de 2012 - Lei do SINASE: Institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) e regulamenta a execução das medidas socioeducativas destinadas a adolescente que pratique ato infracional;
2013: Lei nº 12.852, de 05 de agosto de 2013 - Institui o Estatuto da Juventude e dispõe sobre os direitos dos jovens, os princípios e diretrizes das políticas públicas de juventude e o Sistema Nacional de Juventude - SINAJUVE.
2014: Lei nº 12.978, 21 de maio de 2014 - Torna hediondo o crime de exploração sexual de criança, adolescente ou pessoa vulnerável.
2014: Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014 (PNE) - Aprova o Plano Nacional de Educação - PNE.
2014: Lei nº 13.010, de 26 de junho de 2014 (Lei da Palmada) - Estabelece o direito da criança e do adolescente de serem educados e cuidados sem o uso de castigos físicos ou de tratamento cruel ou degradante.
2015: Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 - Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência).
2016: Lei nº 13.257, de 8 de março de 2016 - Marco Legal da Primeira Infância.
2017: Lei nº 13.431, de 4 de abril de 2018 - Estabelece o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência.
2017: Lei nº 13.509, de 22 de novembro de 2017 - Lei da Adoção.
2019: Lei nº 13.811, de 12 de março de 2019 - Proibição ao casamento antes dos 16 anos.
2019: Lei nº 13.812, de 16 de março de 2019 - Política Nacional de Busca de Pessoas Desaparecidas.
2019: Lei nº 13.798, de 3 de janeiro de 2019 - Semana Nacional de Prevenção da Gravidez na Adolescência.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.
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