Noah Scheffel

Noah Scheffel

Só para assinantesAssine UOL
Opinião

Dói um tapinha, não dói?

Wanessa deu um "tapinha" em Davi no BBB e, pronto, racismo e feminismo se tornaram pautas concorrentes numa tentativa de hierarquizar violências.

Com a expulsão de Wanessa do BBB, a pedido de Davi, muitas pessoas levantaram a bandeira do feminismo para justificar que ela sempre teve uma vida repleta de frustrações: criticavam o seu estilo musical, a comparavam com a cantora Sandy e diziam que nunca chegaria a seus pés, quando compôs em inglês virou piada, enfim, tornaram Wanessa, a até então "agressora", em mais uma vítima do machismo estrutural.

Enquanto isso, o movimento negro defende Davi por ter utilizado uma das regras do programa: se sentiu atingido e chamou a produção para denunciar. Essa não é a primeira vez que alguém faz isso no BBB, e Wanessa não é a primeira pessoa a ser expulsa dele.

Mas, para além do problema da hierarquia de sofrimentos, que não agrega a ninguém, a polêmica está centrada no fato de ter havido ou não uma agressão e, se houve, se ela foi intencional.

Antes da minha opinião, acho importante salientar que relacionamentos abusivos não estão confinados apenas aos parceiros românticos. Eles podem se manifestar em diversas relações interpessoais, incluindo entre colegas de trabalho, amigos e conhecidos. Embora muitas vezes negligenciado ou minimizado, o abuso nesses contextos pode ser tão prejudicial e perturbador quanto em relacionamentos íntimos. Quem está acompanhando esta edição do programa sabe bem do que estou falando.

Preste bem atenção no seguinte: uma das principais características comuns dos relacionamentos abusivos entre colegas ou amigos é a dinâmica de poder desequilibrada. Isso pode se manifestar de várias maneiras, como bullying, manipulação, intimidação, discriminação e exclusão. O abuso psicológico é frequentemente sutil e pode passar despercebido, mas seus efeitos podem ser profundos, afetando a autoestima, a saúde mental e o bem-estar emocional da vítima.

E, agora sim, hierarquizando "poder", se você está assistindo a essa edição do BBB, você sabe quem é detentor, por classe e raça, do poder de ser o lado abusivo do relacionamento entre Wanessa e Davi.

Para além de ter havido ou não uma agressão, uma coisa é certa: Wanessa fez um grande desserviço ao movimento feminista na entrada do mês internacional das mulheres.

O Dia Internacional da Mulher, celebrado em 8 de março, é mais do que uma simples data no calendário. É um momento para refletir sobre as conquistas das mulheres ao longo da história, reconhecer suas contribuições em todas as esferas da sociedade e reafirmar o compromisso com a luta pela igualdade de gênero.

Continua após a publicidade

A Lei Maria da Penha, sancionada em 2006, representa um marco crucial na luta contra a violência doméstica no Brasil. Seu nome homenageia Maria da Penha Maia Fernandes, uma mulher que, após sofrer duas tentativas de homicídio por parte de seu marido, ficou paraplégica. Sua determinação em buscar justiça culminou na criação dessa legislação, que se tornou um símbolo da luta contra a violência de gênero no país.

Porém, o que vemos ao vivo é uma mulher dando um tapa em um homem. Wanessa, com sua atitude em rede nacional, dá argumentos para qualquer ignorante colocar em jogo a importância do mês de março e a importância da Lei Maria da Penha, na época em que mais se fala sobre o assunto para que se crie conscientização e se combata qualquer tipo de violência contra a mulher.

A ignorância da desigualdade de gênero na sociedade é tanta que muitos homens questionam indignados quando é o mês internacional dos homens e onde está a lei "João da Penha". E o BBB nada mais é que um microssistema da sociedade.

Para além do que Davi sentiu, do seu direito no jogo, de ele ter tomado a atitude que achou melhor tomar, Wanessa nos mostrou que, intencional ou não, um simples tapinha dói, sim, e dói muito.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

Deixe seu comentário

Só para assinantes