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Mente Natural

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Contatos imediatos do grau animal

iStock/Getty Images
Imagem: iStock/Getty Images

Emersom Karma Konchog

21/03/2021 04h00

Quem tem menos de 30 anos provavelmente não vai entender esse título. "Contatos imediatos do terceiro grau" é um filme clássico dos anos 1970 sobre contato inicial com alienígenas. A comunicação direta com uma consciência que não imaginávamos existir pode ser uma experiência profundamente transformadora em todos os níveis. Curiosamente, esse tipo de abertura está cada vez mais comum em relação a algo bem terrestre: a consciência animal.

Fazem muito sucesso na web os vídeos de baleias ou golfinhos que se aproximam de barcos pedindo ajuda para se desenroscarem de resquícios de redes ou algo do tipo. Há também as diversas histórias sobre animais ajudando seres humanos, como a cadela argentina que resgatou um bebê abandonado num terreno baldio e o adotou.

Imagino que isso deve ter sido extremamente significativo para as pessoas envolvidas: de repente, o mundo se revela como sendo um lugar diferente do que imaginávamos, mais amplo; uma nova amizade, no sentido mais genuíno da palavra, é descoberta, nos deixando completamente sem palavras.

Nunca passei por experiências dramáticas assim. Mas tive um "contato imediato" muito marcante e singelo, que milhões de pessoas já devem ter vivido também.

Sempre gostei de gatos, me sentindo bem perto deles. Mas acho que nunca persegui de verdade a questão sobre quanta consciência eles teriam de fato. Um dia, há muitos anos, estava fazendo algo sentado na garagem, perto do cesto onde uma gata querida dormia. Ela acordou, percebeu-me, saiu do cesto e veio se aconchegar.

Gatos sempre fazem isso, mas nesse dia, não sei bem o que aconteceu, talvez estivesse mais sensibilizado, aberto... O fato é que pela primeira vez contemplei essa situação, me perguntando: "Por que ela fez isso? O que quer? O que será que está pensando?" Olhei-a profundamente e a resposta óbvia me chocou. Ela simplesmente prezava minha amizade, apreciava minha companhia e queria desfrutar disso, da mesma maneira que eu. Não era eu que a alimentava e cuidava, então não havia esses interesses.

Isso me chocou porque nesse momento percebi claramente sua consciência, em um nível básico exatamente como a minha, aparecendo nitidamente de modo completamente inesperado. Foi como se a própria vida ou natureza manifestasse uma comunicação ou mensagem, em um contato mais profundo: "Você pode ver?"

Inteligência

Já ouvi diversas histórias desse tipo, com o mesmo senso de maravilhamento e abertura. Em uma delas um repórter norte-americano estava entediado ouvindo sobre uma pesquisa de um laboratório com golfinhos. Acendeu um cigarro.

Um golfinho bebê de quatro meses colou no vidro do aquário, olhando encantado a fumaça dançando no ar. O homem entediado então sugou do cigarro uma bocada cheia e soltou vagarosamente o espesso jorro branco no vidro, na cara do golfinho, que, após um choque de surpresa, saiu nadando.

Alguns minutos depois, ele voltou chamando o jornalista para perto do vidro. Então soltou da mesma maneira um jorro de fumaça líquida branca na cara dele, deixando-o igualmente chocado e sem palavras. O golfinho havia sugado leite da mãe. Nada mal para um bebê de quatro meses!

Buscamos vida inteligente fora da terra, mas ainda não sabemos exatamente nem o que é a consciência, ou como animais e até plantas "sentem", percebem e interagem com o mundo.

Alguns mamíferos possuem inclusive sua própria cultura. Por exemplo, elefantes costumam realizar um ritual fúnebre de homenagem aos falecidos. E diferentes clãs, em diferentes regiões, possuem tradições únicas. Em uma delas, eles se posicional em um círculo de dentro para fora em volta do cadáver, e permanecem em silêncio por alguns minutos. Em outra, fazem fila indiana e, um por um, incluindo as crianças, tocam o corpo com a tromba.

Não são apenas animais mais evoluídos que demonstram uma consciência incrivelmente similar à nossa. Foi demonstrado cientificamente que abelhas conseguem "ler" (ou seja, entendem o significado de símbolos arbitrários), reconhecem rostos humanos e até votam durante a escolha do local da nova colmeia.

Vaca amiga

Quando vivi no Nepal, sempre me deparava com uma vaca que gostava de ficar na base da estupa de Swayambu, em Kathmandu. Como na Índia, lá as vacas são sagradas. Para quem vive em fazendas, talvez isso seja comum, mas para mim esse animal era uma novidade completa. As pessoas a tratavam como um cachorrinho: acariciavam-na, trocavam algumas palavras, ofereciam algum petisco e seguiam seu caminho. E ela também respondia como uma animal doméstico.

Um dia não resisti e também fui dar um oi e passar a mão naquela cabeça bovina cheia de curiosidade, sob os olhares divertidos dos locais, vendo o estrangeiro encantado com a cultura local — apesar de haver muitos monges budistas na cidade, eu ainda não estava totalmente fundido com a paisagem.

Depois, sentei num banco próximo e fiquei contemplando a cena. Talvez tenha sido uma experiência de abertura assim que levou Paul McCartney a se tornar vegetariano, segundo li em algum lugar. Ele estava numa pescaria, como de costume, mas devido a alguma sensibilidade extra naquele dia, parou e olhou nos olhos do peixe que acabara de fisgar, se debatendo, e reconheceu algo profundo: a vontade de viver, que basicamente era a mesma dele.

Extinção

Hoje, aqueles elefantes que ensinam a seus filhos o luto pelos entes queridos estão tendo que beber água em poças de lama, em regiões da África onde as mudanças climáticas secaram as lagoas e rios. Muitos não têm como beber as centenas de litros que precisam diariamente e morrem de sede, torrando ao sol, tornando comum a presença de bandos de elefantes bebês, órfãos, tentando inutilmente sobreviver sozinhos na árida paisagem.

As menosprezadas abelhas também estão sob ameaça e, junto com elas, o vasto número de plantas que dependem de sua polinização. Após alguns anos de mistério, foi descoberto o motivo do sumiço das abelhas: envenenamento por diferentes pesticidas. Levou tempo para a causa ser identificada porque, isoladamente, os pesticidas não matam, apenas em conjunto. No entanto, esses produtos continuam sendo usados e, como sempre, há uma batalha em andamento entre os interesses da indústria predatória e a defesa da vida.

Uma piada triste ilustra bem nossa relação com seres vivos como as abelhas: alguém criou um meme na web depois de fazer a matemática sobre quanto custaria um pote de mel, caso as abelhas recebessem um salário mínimo: dezenas de milhares de dólares.

Baby beef

Geralmente evitamos ver as cenas chocantes por trás dos alimentos que consumimos. Eu mesmo evito, já que sinto uma dor física no próprio corpo quando vejo essas coisas. Essa reação demonstra nossa ligação mais profunda com a teia da vida, à qual geralmente nem temos consciência. Mas, apesar da dor, fechar os olhos e virar a cara não é a solução. Com uma atitude compassiva — que é como a vida se autoreconhecendo em tudo mais, sendo bem diferente de um sentimento doloroso, e mais como uma atitude ou compromisso de ajudar — esse amor neutraliza o sofrimento paralisante ou a apatia.

Há alguns anos me deparei com uma situação parecida. Sempre gostei de queijo, mais ainda depois que parei de comer carne. No entanto, quando soube detalhadamente o que acontece na indústria de laticínios, não tive opção além de interromper minha contribuição para a continuidade disso.

Como o objetivo deste texto não é chocar ninguém, não vou entrar nos detalhes mais gráficos. Mas uma cena real nunca saiu de minha cabeça. Basta lembrar dela para perder todo apetite por laticínios: vacas leiteiras precisam dar à luz. O que acontece com os machos que nascem? A maioria vira baby beef. Os bezerros são separados das mães algumas horas depois do parto. Na hora do abate, alguns deles confundem o executor de faca na mão com a própria mãe, e começam a tentar mamar em seus dedos.

Supremacismo

Somos mesmo tão superiores aos animais? O fato de podermos escrever uma fórmula matemática nos dá mais direitos para viver, nos permite explorar a vida alheia?

No fundo, o especismo (a ideia de que uma espécie pode dominar outras) compartilha a mesma base do racismo, colonialismo, extrativismo, machismo etc. A base é essa cegueira tão profunda sobre a realidade a ponto de atribuir supremacia a si mesma.

Assim, a exploração e massacre dos animais não se conecta apenas com essas questões éticas e com as emergências climática (boa parte das emissões de gases do aquecimento vêm da pecuária) e ecológica (a atual extinção generalizada se liga intimamente à produção em massa de ração animal, ao desmatamento e contaminação dessa indústria, além da pesca e caça).

Além disso tudo, trata-se também de um sintoma de um mal mais profundo, que está na origem da maioria dos nossos problemas: essa visão de mundo baseada na exploração alheia (tanto de outras pessoas e seres, quanto da própria natureza), para um benefício egoísta.

Como essa atitude não apenas devasta o mundo, mas mutila nossa natureza e nos isola da realidade — que é interdependente — sem esse reconhecimento, fica difícil sequer começar a pensar sobre como frear nossa autodestruição acelerada.