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Marina Mathey

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

A mona que amou em retalhos

Le Cirque Corvi (ca. 1893), pintura em alta resolução de Georges de Feure - Original do Sterling and Francine Clark Art Institute. Digital aumentado por rawpixel/domínio público
Le Cirque Corvi (ca. 1893), pintura em alta resolução de Georges de Feure Imagem: Original do Sterling and Francine Clark Art Institute. Digital aumentado por rawpixel/domínio público

01/06/2022 06h00

Pesquisou como amaria pela falta
De tanta desgraça antes
De tanto excesso do abuso
Da ausência de afeto
E constante gozo em desuso
Descobriu como amaria

Duvidava e acreditava
Que por muito duvidaria
De que algo distinto do raso
Fosse terreno de jogo
E atolada de tanta saliva
Mas seca de bocas decentes
Cuspiam na raba da mona
E riam da cara da gente

Foi assim, pelo sumiço
Que se montou o hall de medalhas
De quem menos permanecia
Ou quem mais mentia - e olha
Com a cara mais deslavada -
Ou quem mais fingia que amava
E apenas fodia o espelho

Passaram-se anos desertos
Alguns com a mona gritando
Desejos de paus flamejantes
Almejos de amor condensante
Que foi tricotando o afeito
O afeto que tanto queria
Sem dó da desgraça do outro
Que pra gata não levava jeito

E a lista foi só se minguando
As ruas, esvaziando
As festas com menos saliva
Mas muito mais paços dançantes

A mona foi elaborando
Sacando o passado de merda
Buscou outros tipos de corpos
Buscou outros vivos e tortos
Que se distinguissem dos mortos
Que nem acendiam sua vela

Encontrou outras trilhas e via
Que também não seriam tão simples
Que a vida que tanto queria
Sendo sua própria síntese
Faria tanta desvalia
Mas lhe traria outros meios
De valorizar seu requinte

Roubou algumas coragens

Moldou possibilidades

Tentou onde quase podia

Fugiu do que repetia
O ciclo da desvalia

E entendeu um babado!

Não era talvez nesse mundo
Ou nesse tempo da história
Que conseguiria viver
Tudo aquilo que tanto queria
Não dava pra ter a fartura
Se via no mundo lá fora
Miséria cognitiva
Podia plantar um pouquinho
Às vezes achar no caminho alguns cacos de completude
E formando mosaicos futuros
Juntando um pouco de muitos
Talvez viveria seu plano
Ainda que fragmentado
E pensava: "Quem sabe o babado
Dessa grande patifaria
Seja exatamente a magia
De não apenas um trato
E unindo de tantos maltratos
De outres que se construíam
Com sua história quebrada
Faria uma colcha de fatos
Que ali escreveriam
As histórias que contaria
Para as próximas que viriam
Um pouco mais remendadas
Um pouco menos destruídas
E quem sabe em poucas viradas
Talvez antes de sua ida
Possa ver outra bela trava
Viver o que tanto queria".