Eduardo Carvalho

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AfroReggae comemora 31 anos: 'Queremos superar barreiras'

Para vencer os desafios, é preciso entender os contextos e, assim, disputar as mudanças que atravessam todas as camadas da sociedade. Iniciativa da sociedade civil que nasceu dos becos de Vigário Geral, na zona norte do Rio de Janeiro, após a chacina que vitimou 21 moradores, o AfroReggae faz do território campo para concretizar o amanhã.

Com foco na juventude periférica - mas não apenas -, a ONG passeia por diversas vertentes: da produção jornalística, de início, até o audiovisual e, mais recentemente, pautando o uso da tecnologia a serviço da juventude, uma discussão do nosso tempo.

Em entrevista à coluna, Danilo Costa, coordenador executivo do Grupo Cultural AfroReggae, destaca os avanços da organização, ressalta o que mudou nas últimas três décadas e explica como tem sido o trabalho atualmente, além de enfatizar as demandas dos jovens assistidos pelo projeto: ''Nosso compromisso é não apenas responder às demandas, mas também antecipá-las, dando aos jovens as ferramentas e habilidades necessárias para prosperarem em um mundo em constante transformação''.

Leia a íntegra:

Edu Carvalho: Da criação do AfroReggae até hoje, é possível dizer que a discussão sobre cidade e acesso mudou?

Danilo Costa: Houve um avanço no reconhecimento dos direitos dos cidadãos, mas, paradoxalmente, a eficácia operacional do poder público não acompanhou esse progresso. Embora o acesso seja garantido, a qualidade dos serviços prestados muitas vezes fica aquém do esperado. Isso é evidente na educação, na saúde e no saneamento. Quanto ao acesso à arte e à cultura, observamos um padrão de altos e baixos, com períodos de avanço seguidos por retrocessos significativos, embora haja sinais de uma recuperação recente. Em todas essas áreas, as inconsistências na prestação de serviços muitas vezes são supridas pelas organizações sociais. Devido à sua proximidade com as comunidades, essas organizações se tornam essenciais, continuando a lutar para atender às necessidades da população, mesmo diante dos desafios.

Qual é o retorno que vocês têm, tanto tempo depois, sobre inspirar outras atividades fora do Rio e do Brasil?

A longevidade do AfroReggae é uma prova viva de que continuamos a ser uma fonte de inspiração no enfrentamento das questões sociais complexas, como a violência, a exclusão e as disparidades sociais. A visibilidade e o reconhecimento que conquistamos internacionalmente não são apenas um testemunho do nosso sucesso, mas também uma plataforma poderosa para disseminar estratégias que funcionaram conosco. Este é o verdadeiro legado do AfroReggae: uma cadeia ininterrupta de inspiração e mudança, que transcende fronteiras geográficas e temporais.

Um dos braços em que a instituição mais investiu ao longo dos tempos foi o audiovisual (com projetos voltados para a TV e o streaming). Como se deu esse processo e como os jovens se relacionam com as produções?

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Tivemos o jornal "Afro Reggae Notícias", além de uma rádio comunitária. Promovemos o Conexões Urbanas, um circuito de shows em favelas que alcançou mais de 50 edições. Hoje, estamos revivendo esse projeto para celebrar as três décadas de atuação social. Todas essas iniciativas, juntas com os programas de TV e as séries, servem como veículos para disseminar nossa mensagem. Estamos em processo de implementação do programa Léa Garcia de Formação para o Audiovisual, com o objetivo de capacitar jovens para atuarem no setor. Paralelamente, o projeto Epicentro do Kao continua a focar na capacitação técnica, abrangendo áreas como edição de vídeo e áudio, entre outras. Nossas produções audiovisuais também desempenham um papel importante na absorção de egressos do sistema prisional, oferecendo também oportunidades de emprego em várias fases do processo produtivo, desde funções operacionais até atuações diante das câmeras. Esse envolvimento não apenas contribui para a autenticidade dos projetos, como também facilita a reinserção social dessas pessoas.

Quais têm sido as demandas das juventudes nos territórios em que estão presentes?

Os jovens estão extremamente atentos às dinâmicas e exigências do mercado de trabalho contemporâneo, e por isso as demandas convergem para a busca por emprego e por oportunidades que potencializam sua empregabilidade. A necessidade de geração de renda acaba sendo o foco principal. Claro, os jovens também almejam vivenciar novas experiências, desfrutar de momentos de lazer e entretenimento, elementos que são cruciais para o desenvolvimento pessoal. No entanto, qualquer iniciativa que não ofereça perspectivas concretas de inclusão produtiva é menos eficaz, podendo ter baixa adesão e até evasão ao longo do tempo. Nosso compromisso é não apenas responder a essas demandas, mas também antecipá-las, dando aos jovens as ferramentas e habilidades necessárias para prosperarem em um mundo em constante transformação.

A tecnologia também passou a ser uma demanda, devido aos avanços. Como está presente no dia a dia das ações?

A era digital transformou a maneira como interagimos com o mundo, tornando a presença digital não apenas uma ferramenta, mas uma necessidade vital para se conectar e engajar com a sociedade contemporânea. Por exemplo: os e-atletas do AfroGames precisam dominar as tecnologias e as habilidades específicas de cada jogo, como parte do desafio. Eles também precisam se posicionar no mundo digital, transmitindo suas partidas e interagindo com uma audiência global. Os artistas vinculados ao Crespo Music, nosso selo musical, necessitam não apenas de talento, habilidades musicais e vocais, mas de entendimento do processo de lançamento e promoção de suas obras nas plataformas digitais. No projeto, a tecnologia é mais do que uma demanda; ela é uma extensão de nosso compromisso com a inovação com iniciativas que sejam eficientes, acessíveis e ressoem com as expectativas de nosso público.

Como o AfroReggae quer ver os próximos 30 anos?

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Nos próximos 30 anos, esperamos que a sociedade faça avanços significativos no acesso igualitário a serviços públicos e privados de alta qualidade, superando as barreiras impostas por privilégios e exclusões. Gostaríamos de testemunhar uma redução nos índices de vulnerabilidade social. Estamos conscientes de que, dada a complexidade estrutural das questões no Brasil, essa transformação pode não acontecer a curto ou médio prazo. Essa realidade reforça a necessidade crítica de governos e empresas não somente sustentarem, mas também intensificarem seu apoio a organizações que têm a capacidade de impulsionar mudanças sociais reais. O AfroReggae permanece determinado a desempenhar um papel ativo nessas transformações, fortalecendo laços comunitários e disseminando nossa mensagem de transformação.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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