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Caio Magri

#100MilHistórias, #Luto100MilMortes

08/08/2020 04h00

O Brasil é o segundo país do mundo com maior número de casos de Covid-19 oficialmente notificados. Só está atrás dos Estados Unidos. Com 100 mil mortos o Brasil desperdiçou a oportunidade de se tornar um exemplo mundial, sobretudo entre o bloco dos países em desenvolvimento no enfrentamento à pandemia.

A primeira morte no Brasil pela Covid-19 foi registrada em 12 de março de 2020. Nestes quase cinco meses, o país está próximo de 3 milhões de contaminados pelo vírus. Até o momento o permanecemos sem a definição de um ministro da Saúde, tendo como ministro interino Eduardo Pazuello, reprovado por 82% da população, segundo pesquisa Vox Populi divulgada no dia 14 de julho.

Frente a essa situação, organizações da sociedade civil apresentaram no dia 22/07 uma representação ao Ministério Público Federal e ao Ministério Público de Contas do Tribunal de Contas da União pedindo investigações e adoção de medidas legais contra as inúmeras situações de inércia, omissão e irresponsabilidade no combate à pandemia de Covid-19.

O documento foi assinado pelo Instituto Ethos, Centro Santos Dias de Direitos Humanos, CJP-SP (Comissão Justiça e Paz de São Paulo), Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos), Oxfam Brasil e SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência).

A trajetória do enfrentamento à pandemia no Brasil foi marcada pela declarada rejeição às principais recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS), desentendimentos e falta de integração entre o governo federal e governos locais, falta de coordenação por parte do governo federal, desmonte do ministério da saúde, falta de transparência de informação, descaso aos direitos dos povos indígenas e povos da floresta, falhas em campanhas de comunicação sobre o avanço e riscos da pandemia e rejeição à cooperação multilateral.

Ainda no início da pandemia e em reiteradas vezes o presidente Jair Bolsonaro declarou que a Covid-19 não passava de uma "gripezinha". Acompanhando Trump e negando todas as recomendações de especialistas, de organizações internacionais e nacionais, passou a apostar no uso da cloroquina, mesmo sem comprovações da eficácia do medicamento.

Essa aposta foi responsável pela queda dos ministros da Saúde, Henrique Mandetta e na sequência Nelson Teich, ambos resistentes ao tratamento com o medicamento.

Mesmo assim, Bolsonaro determinou que o exército produzisse muita cloroquina. Três milhões de comprimidos foram produzidos. Mais do que a produção total dos últimos 20 anos. Assim que contaminado pelo coronavírus, Bolsonaro seguiu em campanha pela cloroquina.

O distanciamento físico sempre foi rejeitado por Bolsonaro, que insistiu em não usar a máscara, mesmo após declaração de obrigatoriedade em vários estados brasileiros, inclusive no Distrito Federal. O presidente chegou a vetar o uso de máscaras em igrejas e comércios.

Além disso, se fez presente e estimulou que seus seguidores participassem de passeatas e aglomerações em pleno auge do contágio. Nos encontros com seus seguidores apertos de mão e selfies com rostos muitos próximos foram vistos pelo mundo e criticados pelos médico e imprensa.

Tais condutas e a frequente pressão pela flexibilização do distanciamento físico, tendo como foco a reabertura irresponsável de empresas e comércios, marcam a atuação federal no enfrentamento à pandemia.

Muitos governadores, que num primeiro momento rejeitaram a proposta de Bolsonaro, em junho passaram a flexibilizar as regras de distanciamento, com planos que consideraram a disponibilidade de leito de UTI em hospitais. Indicador pífio.

Tal prática também recebeu muitas críticas de estudiosos e especialistas. A Rede de Pesquisa Solidária emitiu mais de um boletim no qual trouxe apontamentos sobre risco da flexibilização do distanciamento físico.

A falta de transparência do Ministério da Saúde não é exceção à regra do governo federal, que ficou em penúltimo lugar no ranking que avalia a divulgação dos contratos emergenciais feitos durante a pandemia. Em comparação com as 26 unidades da federação e com todas as capitais, coube ao Executivo federal o penúltimo lugar no levantamento feito pela Transparência Internacional. Em uma escala de cem pontos, o governo cravou ridículos 49,3.

E quando o assunto é negar de forma genérica os pedidos feitos via Lei de Acesso à Informação, o governo de Jair Bolsonaro é simplesmente o pior. De acordo com a Transparência Brasil, em levantamento feito para a coluna Painel da Folha, o governo tem recusado sem explicações concretas cerca de 20% dos pedidos.

Ainda em junho, após recordes na contagem de mortes pela Covid-19, o governo Bolsonaro mudou a divulgação de dados e reduziu as informações. Os boletins com números sobre a doença passaram a ser divulgados no final da noite e sem a quantidade total de óbitos. O portal com as informações consolidadas também chegou a sair do ar.

Um consórcio de jornais, tvs e rádios tomou à frente na produção de dados e informações, que são de responsabilidade do Ministério da Saúde. Para que a população tivesse acesso às informações, estes veículos de comunicação formaram parceria para dar transparência a dados de Covid-19, passando a coletar dados nas secretarias de Saúde, e divulgar em conjunto, números sobre mortes e contaminados.

Devido à falta de transparência, o governo Bolsonaro foi denunciado do dia 15/07 à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) por organizações da sociedade civil, que revelaram a violação sistemática do direito de acesso à informação e transparência nas ações de enfrentamento à pandemia de Covid-19 no país.

As informações foram recebidas com preocupação pelo relator para o Brasil, Chile e Honduras, Joel Hernández García, durante uma reunião bilateral que aconteceu no âmbito da 176ª sessão da CIDH.

Para ações concretas de proteção e mitigação dos impactos sobre a maioria da população brasileira não foi diferente. A implementação da Renda Básica Emergencial só aconteceu após uma luta ferrenha por parte de organizações, como o Ethos, no movimento Renda Básica que Queremos, que pressionaram deputados e senadores para adoção do valor de 600 reais mensais por família. O ministro da Economia de Bolsonaro, Paulo Guedes, queria auxílio mensal de R$200.

Para pequenas e médias empresas, em junho, o governo federal lançou um programa emergencial, de iniciativa do Ministério da Economia com BNDES, com o objetivo de facilitar o acesso ao crédito e reduzir o risco das empresas. A abertura do crédito extraordinário está prevista em uma medida provisória (MP 977/2020), no qual o governo federal liberou R$ 20 bilhões para pequenas e médias empresas prejudicadas pela pandemia de coronavírus. Mas na verdade, entre março até o final de junho e início de julho, as pequenas e médias empresas no Brasil não tiveram apoio efetivo do governo federal. O apoio não chegou na ponta.

Até julho, 716 mil empresas fecharam as portas desde o início da pandemia no Brasil, segundo o IBGE. Praticamente todas são de pequeno porte, segmento que teve pouca ajuda do Governo.

O levantamento mostra que o novo coronavírus teve um impacto negativo em todos os setores econômicos, mas afetou especialmente o comércio (39,4%) e serviços (37%), principalmente no caso das pequenas empresas. Ao todo, 99,8% dos negócios que não voltarão a abrir as portas depois da crise da Covid-19 são de pequeno porte.

Apenas 12,7% das empresas tiveram acesso ao crédito emergencial do governo federal destinado ao pagamento de salários. Somente 13,6% dos negócios relataram que a pandemia trouxe oportunidades e que teve um efeito positivo sobre a empresa. Mais de dois milhões de empresas serão destruídas até o fim da pandemia e mais de 9 milhões de empregos foram pulverizados até agora.

Na quinta-feira, dia 06, Bolsonaro frente aos números de mortos afirmou com descaso e ironia: "Vamos tocar a vida..."

São 100 mil vidas perdidas, 100 mil historias, 100 mil famílias...