Como lei da Ditadura te impede de comprar carro 0 km direto com montadoras

A queda na procura por carros zero-quilômetro tem feito a indústria buscar alternativas para aumentar as vendas de veículos. Uma delas é a retomada da discussão sobre a Lei Ferrari, regra criada ainda durante a Ditadura Militar e que regula a relação entre concessionários e marcas.

Uma petição feita pela Procuradoria-Geral da República junto ao Conselho Federal de Defesa Econômica (MPF/CADE) foi enviada ao Supremo Tribunal Federal (STF) com objetivo rever a lei. O principal ponto discorre sobre a ampliação das vendas diretas de fabricantes aos consumidores pessoa física, o que pode baratear o preço dos veículos - mas, ao mesmo tempo, poderia complicar de vez a situação dos concessionários.

O que é a Lei Ferrari

Lei foi criada em 1979, durante a Ditadura Militar, e recebeu o nome devido ao seu relator, o advogado Renato Ferrari. Não tem nenhuma relação à montadora italiana.

Montadoras não podem vender veículos diretamente aos clientes, apenas podem negociar com administração pública ou corpos diplomáticos. No caso de pessoas com deficiência (PCD) e frotistas, a comercialização será feita pelas concessionárias em condições especiais, com descontos em alguns impostos.

Regra foi criada para proteger os concessionários da "relação de subordinação econômica", em face do "extraordinário porte econômico e tecnológico" das montadoras. Não levou, porém, em consideração a questão dos consumidores.

Concessionários podem utilizar sem custos a marca da montadora, mas estão proibidos de comercializar veículos novos fabricados ou fornecidos por marcas diferentes.

Deve existir uma distância mínima entre as concessionárias de uma mesma marca em cada região.

Todas as concessionárias pagam o mesmo valor por um carro para a montadora. O mesmo é válido para peças de reposição.

Ministério Público Federal (MPF) alega que a lei, feita antes da Constituição de 1988, apresenta incompatibilidade em questões sobre livre iniciativa, liberdade de contratar, defesa do consumidor e repressão ao abuso do poder econômico.

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Carros podem ficar mais baratos?

As vendas diretas poderiam poupar o consumidor do pagamento de boa parte do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços). Na maioria do Brasil, a alíquota do imposto estadual é de 12%, porém, São Paulo chega a 14,5%.

Por outro lado, uma mudança na regra poderia criar uma concorrência desleal contra as concessionárias, que atualmente empregam mais de 300 mil pessoas em 7.400 unidades espalhadas pelo país.

Segundo a Fenabrave (Federação Nacional Distribuição Veículos Automotores), o impacto nas lojas pode ser grande, uma vez que as vendas diretas tirariam o lucro da comercialização dos representantes das marcas. Uma solução está sendo discutida entre a entidade e a Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores), que buscam um denominador comum.

O UOL Carros conversou com especialistas para saber mais sobre o assunto e se as vendas diretas poderiam ser uma saída mais vantajosa para os consumidores.

As partes não desejam desequilibrar a relação, mas tão somente aperfeiçoá-la e adequá-la aos novos tempos do mercado. Talvez o sinal mais claro da necessidade de se caminhar neste sentido seja o fato dela ser datada de 1979, quando nem a internet existia ainda Ricardo Bacellar, conselheiro consultivo para a indústria da mobilidade

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Milad Kalume Neto, gerente de desenvolvimento de negócios da Jato Dynamics do Brasil, concorda com a necessidade de reavaliação da legislação, mas com equilíbrio para ambas partes.

"Urge que a lei seja revisitada de forma sadia e harmônica, sob uma arbitragem neutra, para benefício de todos os stakeholders envolvidos, inclusive os clientes, haja visto que existe inclusive um espaço para reduzir o valor de venda dos veículos graças a uma eventual redução da carga tributária envolvida", afirmou.

"O STF tem uma consulta da procuradoria sobre a questão. Mas hoje um concessionário de São Paulo é compelido a vender um veículo fora de sua região geográfica de atuação e vice-versa. Excluindo a variável tributo da equação, por qual motivo o consumidor não pode comprar o veículo onde encontrar mais barato? Em tese, esse questionamento não deveria existir por estarmos em uma livre concorrência. Ela é coibida pela lei Ferrari", aponta Milad.

Especialistas, porém, ressaltam que o problema do atual preço do carros, que disparou nos últimos anos, não será resolvido com as possíveis mudanças na lei Ferrari.

"O volume anual comprado por frotistas e locadoras não tem sofrido grandes variações. A enorme redução do volume de compras por parte dos consumidores é resultante do que chamamos de 'efeito boca de jacaré', onde o valor dos veículos subiu muito por motivos mais que justificados, os juros de financiamento subiram vertiginosamente, e o poder de compra dos potenciais compradores enfraqueceu. Ou seja, este cenário nada tem a ver com a lei em discussão", analisa Bacelar.

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