O mundo mudou? Puxadas por Karol Conka, mulheres tomam comerciais de carro
Em 2015, o Think Eva (Núcleo de Inteligência do Feminino) fez um estudo para compreender a relação entre as mulheres e a mídia. Os resultados apontaram que 70,2% das entrevistadas achavam que o mercado automotivo devia falar mais e melhor com elas. Parece que chegou a hora: curiosamente (ou não) no mesmo momento, diferentes marcas -- como Mercedes-Benz Automóveis, Volkswagen Caminhões e até Renault -- apostam na mulher como protagonista de suas campanhas e, com isso, bombam nas redes sociais e nos comentários da vida real.
A rapper Karol Conka é a estrela de dois vídeos da versão brasileira da campanha "Grow up" ("crescer", mas também no sentido de pensar diferente, de "amadurecer" enquanto pessoa), da Mercedes-Benz. Nos EUA, a campanha se vale de um homem, o também rapper A$AP Rocky: em comum, as peças têm a linguagem jovem (para atrair pessoas de 20 a 30 anos -- diferente dos consumidores mais tradicionais da marca alemã), o uso de artistas negros e a explosão de acessos no YouTube (cada vídeo soma mais de 500 mil views lá e cá -- o mais recente deles abre a reportagem, mas também pode ser assistido clicando aqui).
Karol Conka vê a iniciativa como algo muito positivo e aponta que essa mudança de postura fortalece também o feminismo e sua busca por representatividade.
"Levar informação para as pessoas abre um campo de empatia. Elas enxergam que existem outros mundos, outros costumes. Se o objetivo das marcas é atingir um grande público, é importante lembrar que ele é composto por diversidade, logo a representatividade tem que ser justa e ampla", afirma a rapper a UOL Carros.
Evandro Bastos, gerente de marketing da montadora, também explica que a trajetória de Karol também era adequada àquela do público "batalhador, que valoriza o sucesso, o crescimento e a evolução", tão característico do Brasil: "As pessoas estão buscando uma identificação, que vem através de valores. A mudança de padrões na publicidade abre margem para entender o que o público quer e, assim, podemos nos aproximar dele de uma forma mais aberta".
Todos são iguais!
Se a Mercedes procura atender aos novos valores da sociedade, a Volkswagen Caminhões (divisão da Man Latin America) acredita que isso não é uma tendência distante, mas um reflexo do mercado atual, mesmo num segmento ainda muito dominado pelo viés masculino/machista como o de caminhões.
É da VW Caminhões o segundo vídeo desta reportagem, que também pode ser assistido clicando aqui: o novo caminhão urbano de entregas da marca é dirigido pela "Cidade" (título da peça) não por um homem, mas por uma mulher. O comercial (incluindo até a trilha de fundo) tem um fator surpresa, que brinca com o senso comum e mostra que somos todos iguais, temos as mesmas habilidades e talentos -- podemos todos fazer as mesmas coisas, inclusive dirigir caminhões.
"Há um crescimento na contratação de mulheres em transportadoras, aumento que chega a 10%. Elas são mais cautelosas, preocupadas com as leis de trânsito e se adaptam mais rapidamente", afirma o gerente de marketing da VW, João Hermann.
"A campanha quer mostrar a realidade e quebrar a ideia de que para dirigir um caminhão você precisa ter o braço forte, apresentando as facilidades dessa nova linha", diz o executivo.
Há ainda a decisão da Renault: a marca vai reforçar sua presença em redes sociais e em comerciais com um realce mais "popular". UOL Carros apurou que a cantora Anitta será anunciada, em breve, como nova embaixadora de produtos, ao lado da atriz Marina Ruy Barbosa -- de quem já falamos por aqui. Embora a empresa tenha se negado a dar detalhes oficiais, o objetivo parece claro: se a atriz é vista ao lado de modelos mais caros, a funkeira vai reforçar o apelo de modelos mais em conta, como o Renault Kwid, que a Renault quer manter no topo da lista de mais vendidos.
Todos são iguais?
"Queremos mostrar que a vida deve ser escolhida e vivida com liberdade e sem preconceitos", diz Evandro Bastos, da Mercedes, ao explicar o mote da campanha que Karol Conka estrela. Mas isso realmente indica mudança?
"Ainda que seja uma mulher negra, que canta rap e vem da periferia, ela está muito associada a esses signos de poder econômico. É importante dizer que se você investir em seus sonhos, vai conquistar tudo o que desejar, mas é preciso cuidado com a pressão social para o enriquecimento", acredita a socióloga Wânia Pasinato, assessora do USP Mulheres.
Pasinato pondera que os ecos da propaganda poderão ser ouvidos pelos fãs e, principalmente, pelas fãs da artista com uma leitura positiva: a mulher assume [a situação], é a dona do carro e não um brinde sensual de quem tem o carro. Mas há também com uma leitura negativa: a supervalorização do "ter".
Ela também analisa o vídeo da Volkswagen para sua linha Delivery, de caminhões leves. Segundo a socióloga, a peça publicitária quebra paradigmas ao colocar, de fato, a mulher em um cenário masculino típico, mas sem que seja um "objeto", nem de uma forma sensual.
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Comercial ainda é só comercial
Se o feminismo contemporâneo se firmou na década 1960, ganhou mais fôlego nos últimos anos graças à internet e às redes sociais. Em consequência, algumas ações (da vida e do marketing) antes vistas como "normais" passaram a ser questionadas e combatidas.
Mariana Cordeiro, líder de projetos do Think Eva, esclarece que a publicidade não é apenas reflexo do que vivemos, ela também cria noções e padrões. Se antes serviam para oprimir mulheres, negros, gordos etc., agora podem romper com essa lógica e fazer o diálogo acontecer. Mas também faz ressalvas à visão de que o uso de mulheres como protagonistas fortes em comerciais pode ser vista como vitória do feminismo
"Os tempos estão mudando, que bom que estão! Mas é importante que as marcas compreendam que elas não podem ver o feminismo como uma causa conveniente para suas estratégias. O feminismo deve ser um compromisso inegociável, tratado com seriedade e responsabilidade”, conclui Cordeiro.
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