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Kelly Fernandes

Mês da mobilidade: discussão em setembro vai além do Dia Mundial Sem Carro

Bruno Santos/Folhapress
Imagem: Bruno Santos/Folhapress

Colunista do UOL

11/09/2020 08h12

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Cada ano que passa o mês de setembro fica mais recheado de atividades que buscam conscientizar a população sobre a importância da mobilidade, com a discussão do papel de cada meio de transporte, relacionando seu uso com benefícios e prejuízos sociais e ambientais.

O ponto alto do mês é o dia 22 - Dia Mundial Sem Carro -, em que as pessoas são incentivadas a deixar o automóvel ou moto em casa e utilizar o transporte a pé, por bicicleta ou transporte coletivo.

O termo mobilidade urbana não é popular, no sentido de que ainda não foi incorporado ao vocabulário social de forma ampla ou confortável. É novo e com frequência substituído por outros como: transporte, circulação, acessibilidade, trânsito etc.

Apesar disso, mobilidade urbana é um conceito cada vez mais utilizado para falar de questões que ultrapassam os longos tempos de espera no ponto de ônibus, o congestionamento no horário de pico e a dúvida sobre ir a pé ou de bicicleta. Porque, para além da necessidade ou desejo de fazer um deslocamento, estão as condições por trás disso, que são consequências de escolhas coletivas, não necessariamente democráticas, que extravasam necessidades puramente individuais.

Sendo simplista, acreditando que os caminhos mais descomplicados são os que podem agregar mais pessoas. Mobilidade é o conjunto de escolhas, sociais e econômicas, realizadas ao longo da construção das cidades, estejam elas onde estiverem, que fazem com que você esteja lendo esse texto no seu celular ao mesmo tempo em que balança de um lado para o outro no ônibus, no trânsito enquanto o motorista do aplicativo procura uma rota rápida ou na tela do seu computador durante uma pausa no home office. Portanto, mobilidade tem a ver com localização, que não é apenas física, mas também é social.

Caso você faça o exercício de puxar o fio da sua história familiar, talvez encontre pessoas que se deslocaram por quilômetros, atravessando cidades, estados ou até países, em busca de melhores oportunidades de futuro, para si ou para as próximas gerações. Para exemplificar, oportunidades são vagas de emprego e de educação, ou parques e áreas de lazer e outros direitos que são previstos na Constituição Federal desde 1988.

A distribuição desigual de oportunidades, motivo que levou e leva pessoas a se deslocarem por longas distâncias de um ponto a outro, de um país, estado ou cidade, faz com que a localização seja algo essencial, ao passo que estar perto é vantajoso e pode assegurar melhores condições de vida.

Mas as chegadas antecipadas, afinal todos já ouvimos a expressão "quando eu cheguei aqui era tudo mato", não necessariamente asseguram a proximidade com uma vaga de emprego, na creche ou uma consulta médica, pois a localização passa a ter valor e ser disputada.

Com a localização em disputa, onde quem ganha é quem pode pagar mais, as pessoas estão em constante movimento e bairros são transformados em pouco tempo. De um ano para o outro o perfil das pessoas que andam pelas ruas pode mudar, fábricas dão lugar para casas, casas são derrubadas para construir prédios, placas de passa-se o ponto são mais frequentes e o tipo e o custo dos serviços mudam radicalmente.

A velocidade das mudanças é ditada pelo ritmo das transformações do entorno. Basta lembrar do último panfleto de anúncio de venda de imóveis que passou por suas mãos, sempre com ilustrações e frases que deixam em evidência a proximidade com oportunidades, cuja distância é amenizada pela proximidade com infraestruturas de transporte: ruas e avenidas, estações de metrô e, mais recentemente, ciclovias e estações de compartilhamento de bicicleta.

Portanto, a disponibilidade de infraestruturas e facilidades de acessibilidade agregam valor, aquecendo o mercado imobiliário ou valorizando a propriedades particulares, apesar de serem resultado de investimentos públicos.

Debates sobre mobilidade urbana, em todos os meses do ano, precisam dar conta desse cenário, pois é comum que os inúmeros painéis, lives, webinários ou palestras tenham como objetivo a discussão de soluções e entraves para o incentivo do uso de determinado meio de transporte, aproximando-se de questões puramente tecnológicas, enquanto se distanciam proporcionalmente da questão social.

Sociólogos como John Urry defendem que a mobilidade urbana precisa ser entendida como fenômeno social de duplo sentido, por se tratar do resultado do deslocamento no espaço, mas também de mudanças sociais.

O pesquisador também chama atenção para o avanço da tecnologia de comunicações, que pode alterar drasticamente a forma como interagimos entre nós e com o mundo, que tem assegurado que parcela da população esteja segura e em casa, em um momento em que não de deslocar se tornou um privilégio ou um imposição da exclusão social acentuada pela crise econômicas.

Discussões mais abrangentes podem levar a mobilidade urbana mais longe, a partir da mistura com justiça social, moradia, saúde, segurança pública e sustentabilidade ambiental. Talvez assim ouviremos mais esse conceito em conversas, nos ônibus e quando for possível, em parques, restaurantes e bares.