Adoçante é vilão ou não?

Benefícios de consumir o substituto do açúcar se misturam a possíveis malefícios, que ainda são estudados

Amanda Milléo Colaboração para o VivaBem

As primeiras prateleiras que os adoçantes ocuparam não foram as dos setores de produtos ditos saudáveis dos mercados. Antes, os substitutos do açúcar eram vendidos principalmente nas farmácias, indicados para pessoas com diabetes, quase como se fossem um medicamento a ser prescrito.

Com o tempo, foi-se percebendo que o poder dos edulcorantes em adoçar uma receita —ou um cafezinho— sem incrementar suas calorias poderia interessar muitas pessoas. Então, os adoçantes receberam uma roupagem "fit" e até passaram a ser popularmente vistos como "emagrecedores".

Quem queria diminuir as medidas substituía as colheradas de açúcar por sachês ou gotas de diferentes substâncias, como o aspartame, a sacarina e o ciclamato de sódio. Mas, por mais que cada adoçante tenha uma ingestão diária aceitável, nem sempre as pessoas se dão conta do quanto estão consumindo.

Isso porque os edulcorantes não estão mais restritos aos sachês ou gotas. Eles aparecem na lista de ingredientes de boa parte dos alimentos e bebidas ultraprocessados —inclusive no refrigerante favorito de muita gente. De acordo com um estudo publicado em 2021 no periódico Journal of the Academy of Nutrition and Dietetics, cerca de 15% dos produtos industrializados comercializados no Brasil têm adoçantes.

O aumento no consumo abriu as portas para outra discussão: quais são os reais impactos dos adoçantes na saúde? São substâncias totalmente seguras? A conclusão ainda não está clara —e não há consenso entre os especialistas sobre os possíveis efeitos deletérios dessas substâncias. O que há, até o momento, são evidências espalhadas, que reforçam a necessidade de mais pesquisas na área e o consumo moderado.

O que são exatamente os adoçantes?

Quando se fala em adoçante, a imagem que geralmente se tem é a do produto final, sachê ou líquido, usado em chás, cafés e sucos no lugar do açúcar. Em uma linguagem mais técnica, porém, a substância é conhecida por outro nome: edulcorante.

Por definição, os edulcorantes são aditivos sem ou praticamente sem calorias, com a capacidade de adoçar muito mais do que o açúcar comum, segundo explica Carlos Alberto Werutsky, médico nutrólogo e diretor da Abran (Associação Brasileira de Nutrologia). A sucralose, por exemplo, adoça cerca de 600 vezes mais que o açúcar de mesa —sendo necessária, portanto, uma quantidade menor para atingir o mesmo dulçor, e esse é o principal "benefício" do produto.

Existe uma divisão, na literatura científica, entre dois tipos de adoçantes: os naturais e os artificiais (veja abaixo a lista dos principais). De acordo com Ana Paula Gines Geraldo, nutricionista e pesquisadora do assunto, os naturais seriam os edulcorantes derivados de ingredientes que se encontram na natureza, como a estévia e o xilitol. Já os artificiais são aqueles sintetizados em laboratório.

"Mas, na prática, nenhum é natural, porque não pegamos uma folha de estévia para adoçar um bolo, por exemplo. Ela ainda vai ser industrializada, embora venha de uma matéria-prima da natureza", explica a especialista.

Essas diferentes versões, inclusive, podem prejudicar a interpretação do consumidor, levando-o a acreditar que o adoçante "natural" seria mais saudável --o que nem sempre é o caso, como alerta André Vianna, médico endocrinologista, diretor e pesquisador do Centro de Diabetes Curitiba e presidente da SBD (Sociedade Brasileira de Diabetes), regional Paraná

"Essa origem natural não é garantia de que é mais saudável. Dá o ar de ser mais seguro, ao falar que veio de uma planta, mas produtos naturais também podem trazer malefícios. O consumo dos edulcorantes, mesmo que naturais, precisa ser estudado", destaca.

No entanto, Werutsky reforça que, independentemente de serem naturais ou artificiais, os adoçantes ajudam a remover tanto o açúcar quanto as calorias de uma variedade de alimentos. Segundo ele, cada copo de refrigerante zero, por exemplo, tem 100 calorias a menos do que o refrigerante comum, com açúcar.

Emagrecem ou não?

Teoricamente, trocar o açúcar pelo adoçante reduz o consumo calórico —visto que o açúcar tem 4 calorias por grama—, o que contribuiria para o emagrecimento. Na prática, porém, as pessoas tendem a cortar o açúcar e manter outros alimentos não tão saudáveis na dieta.

É o clássico cenário de comer um hambúrguer e batata frita, mas pedir o refrigerante zero açúcar, observado pela nutricionista Ana Paula Gines Geraldo, professora do departamento de nutrição da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), durante sua pesquisa de doutorado. "O edulcorante entra no contexto da alimentação, mas se o restante continuar desequilibrado, só esse consumo não auxilia", explica a pesquisadora.

Além disso, muitos alimentos industrializados zero açúcar não oferecem redução calórica significativa. "O chocolate com edulcorante, por exemplo, tem uma quantidade maior de gordura. Isso faz com que seja tão calórico quanto a versão com açúcar. Muitas vezes, essa substituição do produto com açúcar pelo edulcorante não vai diminuir a ingestão calórica", exemplifica a especialista.

Uma revisão divulgada pela OMS (Organização Mundial da Saúde) em abril de 2022 destaca que, embora o uso dos edulcorantes no lugar do açúcar esteja associado a uma redução no peso corporal e no IMC (Índice de Massa Corporal), os resultados tendem a ser pequenos e estatisticamente não são significantes. Também não foram observados efeitos significativos em outras medidas de saúde cardiometabólicas ou de gordura no organismo.

Alguns especialistas, ainda assim, defendem o uso. "Os benefícios do uso dos adoçantes de baixas calorias ainda se concentram na redução de sobrepeso e obesidade mesmo sem significância estatística, porque contribuem para a desaceleração do ganho de peso", argumenta Werutsky.

Adoçantes e câncer: quais são as evidências?

Por estarem presentes cada vez mais nos alimentos e bebidas, a ação dos edulcorantes no organismo vem sendo investigada. As pesquisas avaliam os possíveis impactos dessas substâncias em diversos órgãos, como cérebro, tireoide, fígado e intestino, além da interferência na produção hormonal e no controle do apetite.

Um estudo publicado no início de 2022 investigou a relação entre os adoçantes e o desenvolvimento de câncer. Conduzida na França, a pesquisa observou os dados de saúde e de consumo de alimentos de 102.865 adultos, acompanhados por quase oito anos. Nos resultados, os pesquisadores sugerem que os indivíduos que consumiam muito adoçante, em comparação com quem não fazia uso da substância, tinham um risco maior de desenvolver tumores, especialmente na mama e associados à obesidade. Os cientistas destacam que o risco é maior para o aspartame e o acessulfame de potássio, encontrados em diferentes produtos, como refrigerantes e chicletes.

A pesquisa chama a atenção dos especialistas pelo número significativo de participantes, mas trata-se de um estudo observacional —ou seja, sugere a associação, porém não comprova causa e efeito. Segundo Ana Paula Gines Geraldo, pesquisadora dos edulcorantes, ainda não se pode tirar uma conclusão com base nesses resultados. "É um estudo interessante e confiável, mas não podemos falar que eles relacionaram o aspartame e o acessulfame de potássio como causa do câncer de mama. No entanto, é uma evidência e pode chamar a atenção das agências que determinam a ingestão diária aceitável dos edulcorantes", explica.

Mesmo com relação a outras condições de saúde, a especialista explica que não há, ainda, nenhum consenso sobre o impacto dos adoçantes. "A maior crítica que vemos aos estudos que temos hoje é que são pequenos, com quantidades de participantes que não são padronizadas. Com isso, fica difícil interpretar os resultados, pois cada pesquisador faz de um jeito", argumenta.

Por que é difícil fazer estudos sobre a segurança de alguns alimentos à saúde

Quando se trata de pesquisas que avaliam a alimentação, os estudos precisam ser, em geral, muito restritos para serem conclusivos —o que nem sempre é viável.

"Para termos certeza, teríamos que deixar as pessoas em um lugar só para que consumissem a mesma dieta, e nada além. Embora os pesquisadores ajustem os resultados para retirar os fatores de confusão que podem alterar a conclusão, como os exercícios físicos, temos que olhar com muito cuidado", explica a professora Ana Paula Gines Geraldo.

Segundo André Vianna, não é só complicado, mas praticamente impossível controlar todos os fatores quando se fala em alimentação.

Não tem como associar o consumo de um produto com um risco de câncer que acontece 30 ou 40 anos depois André Vianna, médico endocrinologista

Seria preciso um estudo muito longo, com um controle que, de acordo com o médico, é impossível de fazer. A solução, diz ele, é se basear nos estudos de associação e, quando há um grande número de associações apontando para o mesmo lugar, é possível tirar uma conclusão um pouco mais confiável.

Para quem servem os adoçantes, então?

Apesar de as pessoas com diabetes conseguirem, atualmente, controlar a taxa de glicemia (açúcar no sangue) com uma alimentação balanceada, os edulcorantes ampliam as opções de produtos que elas podem consumir. Eles também servem como substitutos nas receitas, desde que se tome cuidado com os demais ingredientes.

De acordo com Vianna, no cenário ideal, o indivíduo com diabetes não deveria consumir açúcar nem edulcorante, mas não é uma característica do ser humano excluir totalmente o sabor doce. "Às vezes a pessoa quer uma sobremesa, um refrigerante. Não dá para dizer que alguém não vai poder consumir mais nada doce na vida. Se tiver que escolher, que o paciente opte pelo adoçante, porque o açúcar será mais prejudicial", explica.

O açúcar, ao ser absorvido pelo organismo, aumenta o nível de glicose no sangue de forma muito rápida e imediata —ação que é prejudicial para a pessoa com diabetes, que não produz a insulina (hormônio responsável por levar o açúcar para dentro das células) de forma adequada, como é o caso de quem tem diabetes tipo 1, ou tem uma resistência a ela, caso de quem tem diabetes tipo 2.

"Quando a pessoa com diabetes consome o adoçante, isso não acontece, não tem esse aumento repentino da glicose no sangue, então não causa os males da doença. Como as associações de efeitos deletérios dos adoçantes são pequenas, e o risco no consumo excessivo de açúcar é muito maior para essas pessoas, é preferível que escolham o adoçante", reforça Vianna.

Pensando no diabetes, se colocarmos na balança, o consumo excessivo de açúcar sempre vai ser mais prejudicial do que o de adoçante. Existe a situação ideal que é não consumir nenhum, mas é preciso pensar no lado humano. Não digo que o adoçante é 100% saudável, mas se tiver que escolher, o açúcar vai ser mais prejudicial

André Vianna, médico endocrinologista, diretor e pesquisador do Centro de Diabetes Curitiba e presidente da Sociedade Brasileira de Diabetes, regional Paraná

Por que crianças devem evitar

Crianças não deveriam consumir edulcorantes —exceto entre aquelas com diagnóstico de diabetes, mas de forma controlada. O problema é que a rotulagem dos alimentos e bebidas nem sempre deixa clara a presença dessas substâncias, e os pais podem não saber a quantidade de adoçantes que os filhos estão consumindo.

Um estudo feito nos EUA, por exemplo, entrevistou 120 pais, na entrada e saída de supermercados, sobre o consumo de adoçantes pela família. Os pesquisadores observaram que 72% dos entrevistados afirmavam que os adoçantes não eram substâncias que as crianças poderiam ingerir com segurança e, mesmo assim, 25% deles tinham colocado no carrinho produtos que continham edulcorantes.

"Temos que ser mais cautelosos quando o assunto é adoçantes e crianças. A recomendação é que se substitua sempre que possível, porque são substâncias ainda relativamente desconhecidas. O consumo a longo prazo, se tiver algum risco, sempre será pior na criança", alerta André Vianna, endocrinologista.

A pesquisadora Ana Paula Geraldo lembra também que a ingestão diária aceitável, ou IDA, baseia-se no peso por quilograma de cada pessoa, o que nas crianças é bem menor. "Por ter menos peso, a criança atinge a ingestão aceitável mais rapidamente. Por isso, os pais precisam ficar atentos aos rótulos", reforça.

"Praticamente todos os sucos em pó têm edulcorantes, e a criança acaba tomando sem que os pais saibam, porque não está claro na embalagem que há edulcorante. Na lista dos ingredientes pode até vir a 'sucralose', mas será que todos os pais sabem que isso é adoçante?", explica Geraldo.

Já tentou reduzir o açúcar?

Uma das soluções para a disputa entre açúcar e adoçantes seria não a substituição, mas a redução do consumo —exceto para as pessoas com diabetes, para as quais é preferível a troca.

De forma geral, para quem favorece os adoçantes de mesa e os produtos zero açúcar com o objetivo estético, por exemplo, vale a redução: em vez de duas xícaras (chá) de açúcar na preparação de um bolo (ou a troca pelo adoçante, que pode levar ao aumento de outros ingredientes, como a gordura), reduza para uma xícara.

Vale também ficar atento aos rótulos dos alimentos industrializados. Atualmente, é possível encontrar os edulcorantes, como a estévia e o xilitol, mesmo em chás desidratados. Por que não preferir chás ou cafés sem esse dulçor? Carlos Alberto Werutsky, médico nutrólogo, lembra que o apetite humano pela doçura é inato e expresso mesmo antes do nascimento, diminuindo apenas no período entre o fim da infância e a idade adulta.

Dos adoçantes de mesa, então, como calcular o quanto se pode consumir? Fabrício Ribeiro, nutricionista membro da Abeso (Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica), sugere o bom senso. "Não existe um cálculo propriamente dito, varia muito conforme o paladar da pessoa. Alguns usam só uma gota, outros preferem deixar mais doce. Eu recomendo que utilize apenas para quebrar o sabor amargo, nada além."

Consumo seguro

As agências reguladoras são responsáveis por liberar o consumo de adoçantes de cada país, bem como alertar para a quantidade de ingestão diária aceitável, ou IDA. Esses valores são expressos em miligrama (mg) por quilograma de peso (kg), por dia.

Em geral, os limites se baseiam em estudos e são sugeridos pelo JECFA (Comitê Conjunto de Peritos em Aditivos Alimentares), um comitê internacional científico de especialistas, administrado pela FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação) e pela OMS (Organização Mundial da Saúde). O Brasil segue os critérios do JECFA na legislação dos edulcorantes.

Confira abaixo a IDA (mg por kg de peso, por dia) dos principais adoçantes liberados no Brasil, de acordo com informações da Secretaria de Agricultura e Abastecimento de São Paulo:

Quanto ingerir por dia

  • 1

    Acessulfame de potássio: 15 mg

  • 2

    Aspartame: 40 mg

  • 3

    Ciclamato: 11 mg

  • 4

    Neotame: 2 mg

  • 5

    Sacarina: 5 mg

  • 6

    Estévia: 4 mg

  • 7

    Sucralose: 15 mg

  • 8

    Frutose, lactose, maltodextrina, manitol, sorbitol e xilitol: não têm IDA

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