Já não transa mais com o seu parceiro? Será que isso é sempre um problema?

Muitas pessoas acreditam que amor e sexo andam lado a lado, que um não existe sem o outro. Por isso, quando o desejo sexual diminui, alguns casais acabam se separando. Mas afinal: é possível recuperar as faíscas mesmo após anos juntos? Como evitar que o tesão desapareça por completo?

"É importante a gente entender que amor e sexo são questões completamente diferentes, mas, quando juntas, só se intensificam. Às vezes, uma pessoa vai amar muito a outra, mas o desejo não será na mesma intensidade. Outras vezes, o vínculo afetivo é ainda mais forte que o tesão", explica a sexóloga e psicóloga Marina Vasco, pós-graduada pela SBRASH (Sociedade Brasileira de Estudos em Sexualidade Humana) e que trabalhou no ProSex (Programa de Estudos em Sexualidade) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da FMUSP por 15 anos.

"Se uma relação amorosa é baseada no tesão do início, ela está fadada a acabar. No começo de um namoro, você não precisa de muito estímulo para sentir prazer. Já, ao longo do tempo, você vai precisar trabalhar cada vez mais para ter esse mesmo desejo. Se o sexo for tão importante quanto o amor em um relacionamento, você pode se decepcionar, porque eles nem sempre vão coexistir", completa a especialista.

Um estudo feito no Reino Unido revelou que adultos acima de 25 anos estão transando cada vez menos, especialmente os que estão casados ou morando juntos. A pesquisa ainda mostrou a forte conexão entre essa menor frequência e os transtornos mentais, como a depressão. Inclusive, indivíduos com vida sexual mais ativa foram aqueles com boa saúde física e mental, assim como estabilidade financeira, com emprego fixo e renda maior.

O sexo é importante na relação amorosa, mas hoje, com a maioria dos casais tendo jornadas duplas, responsabilidades, uma situação econômica não favorável no país, a relação sexual acaba não sendo prioridade —mas a prioridade ainda deve ser a comunicação, um carinho, abraço, uma pergunta de como foi o seu dia. Rita de Cássia Cavalcanti Brandão, psicóloga, neurocientista e mestre em antropologia pela Universidade Federal de Pernambuco

Sem pressão pela frequência

A pressão por uma vida sexual ativa a dois, no entanto, ainda é um ponto de preocupação para muitas pessoas, gerando questionamentos e autocobrança: quantas vezes devo transar na semana para que o meu relacionamento seja considerado saudável?

Não existe um número ideal. O importante não é a quantidade, e sim a satisfação das duas partes. Muitas vezes, você pode estar passando por um problema e o seu parceiro, não. O desejo depende de muitas coisas —como foi o seu dia, como está a sua cabeça—, então não tem essa de 'preciso transar hoje ou o meu relacionamento acaba'. Você precisa transar porque está a fim, senão o sexo vira uma obrigação, uma coisa mecânica. Marina Vasco, sexóloga e psicóloga pós-graduada pela SBRASH

É importante destacar também que existem aspectos fisiológicos que diminuem a libido, como remédios que têm uma interferência direta, variações hormonais, além de transtornos mentais, como a ansiedade e até a depressão. Isso deve ser analisado junto a um profissional especializado.

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A relação sexual só é prazerosa quando é para dois. Não adianta ter prazer solitário em um casal. Uma relação vai ser objetivamente boa e intensa quando os dois optam por se amar. Isso independe da quantidade de vezes. É aquela prerrogativa: não é sobre quantidade, mas sim sobre qualidade. Rita de Cássia Cavalcanti Brandão

"É possível reacender essas faíscas depois de anos, sim. Alguns casais me buscam e percebem que estão há dois anos sem transar. Essas coisas acontecem de mansinho, porque é um processo. Se não existe uma questão pontual, um trauma, todo comportamento vai aos poucos mudando. Mas é possível voltar após alguns anos. Alguns casais voltam porque querem ter essa vida gostosa de namoro, e isso é muito saudável", diz Vasco.

Por isso, antes que essa cobrança se escale para uma crise no relacionamento, é importante captar os sinais de que o desejo está acabando e não deixá-los passarem, colocando um olhar cuidadoso e especial para essa questão.

Não tenha medo de conversar

O diálogo é um dos principais pontos para que qualquer relação —não só amorosa— seja saudável. No sexo, ele é imprescindível. É importante comunicar ao parceiro quais são os seus desejos e o que você gosta na cama, mas também dizer quando tem algo errado e que esteja incomodando. Conversas difíceis são necessárias.

"Se não há comunicação, cria-se uma tensão e uma cobrança onde o desgaste se sobrepõe às necessidades do casal, ocorrendo o desinteresse e, gradativamente, a perda do desejo. O diálogo, a explanação de sentimentos e a compreensão são fundamentais e devem vir de ambas as partes", diz a psicóloga Cecília Pera, que foi coordenadora de profissionais na Clínica SEAPP (Psicologia, Psicopedagogia e Fonoaudiologia), especializada em atendimentos clínicos individuais, em casais e com ênfase em relacionamentos.

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"Quando a vontade diminuir, não se sinta culpado e não se violente em relações sem desejo, porque estamos em constantes mudanças. O ideal é entrar num processo de reflexão e diálogo que permita entender o que levou a essa mudança", completa Pera.

Você não pode achar que vai estar o tempo todo satisfeito. Isso é uma ilusão. Você não tem que ter tesão todos os dias nem se cobrar para ter sempre a melhor performance na cama, ser um atleta sexual. Até porque isso depende de como foi o seu dia e de vários outros fatores. O importante é estar, na maior parte, satisfeito. O que é considerado não saudável é quando, na maioria das relações, você não conseguiu se satisfazer. Marina Vasco

Autoconhecimento é tudo

É importante compreender o peso da intimidade individual, saber onde você gosta de ser tocado e quais são os pontos que geram tesão. "O autoconhecimento favorece o relacionamento, pois facilita o reconhecimento das necessidades físicas, da identificação dos medos, da interferência dos tabus e de crenças limitantes. Isso abre espaço para um alinhamento na vida sexual de ambos. Esses ajustes são importantes", explica Pera.

As fantasias são essenciais para sair da mesmice, do protocolo. E elas podem ser tanto individuais quanto do casal. Aqui, o tabu e os julgamentos devem ser deixados de lado para que a confiança e o diálogo se sobressaiam.

"Algumas pessoas não conseguem olhar para o amor romântico como algo 'sacana'. Eles imaginam o parceiro ou a parceira como pai ou mãe de seus filhos, mas não quem vai realizar seus maiores sonhos na cama. E aí, num casamento, acabam reprimindo uma fantasia, um desejo. Eu estimulo a fantasia dos casais individualmente para que um possa contar para o outro depois", diz Vasco.

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"Para recuperar as faíscas, às vezes é preciso sair da rotina que levou ao desinteresse. Hoje há vários recursos que podem apimentar a relação, como objetos eróticos, uma lingerie provocante, um ambiente mais romântico ou provocativo. Tudo sempre com o diálogo aberto entre os parceiros, para que ambos aceitem, aprovem e gozem dos momentos. A ousadia também é bem prazerosa", complementa Pera.

Façam coisas novas juntos

Quando falamos em fazer coisas novas juntos, não é só sexualmente falando, mas sim atividades que fujam da rotina. "Patinar no gelo, andar de kart. Fazer coisas que vocês não estão acostumados. Você nunca viu a pessoa naquela situação e você pode achar aquilo sexy. O movimento, a decisão dela diante daquilo. Então coisas não sexuais também podem ativar esse desejo", aconselha Vasco.

"Não adianta você só mudar uma técnica na cama, isso é algo muito mecânico. Não adianta ser algo vazio, que não gerou conexão com a pessoa. Para você se reconectar, é através de outras atividades não sexuais", complementa.

Gestos do dia a dia são importantes

O desejo e o afeto são demonstrados de outras formas que completam o ato sexual. Os beijos, abraços e andar de mãos dadas são formas de contato físico que promovem prazer. Para Cecília Pera, compartilhar experiências diárias contribui para o fortalecimento da intimidade, promove a sensação de relaxamento, calma e bom humor —coisas que tendem a ser repetidas mesmo em dias em que a relação sexual não acontece.

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"Toda a nossa vida é uma construção diária. Geralmente, as relações amorosas trazem uma nova observação daquelas minhas certezas que eram inquebráveis. Então, a partir do momento que eu me relaciono com outro, eu vou estar me vendo nessa relação e vou estar observando o outro em mim. Esse encontro vai gerar questionamentos, por isso reafirmo que a comunicação efetiva entre um casal pode, sim, melhorar, estabelecer e alimentar uma relação saudável", diz Brandão.

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