O que neurologistas fazem todos os dias para saúde do cérebro a longo prazo

Quando fez sua formação em neurologia no Hospital de Clínicas da UFPR (Universidade Federal do Paraná), na década de 1990, Ivar Brandi lembra que muitas condições neurológicas ainda não tinham tratamento eficaz. Diagnósticos como esclerose múltipla e Alzheimer eram sentenças definitivas: certeza de sofrimento e incapacidade.

"Não compreendíamos o cérebro como um órgão dinâmico em constante transformação, mas como algo estático. Se alguma lesão o acometesse, era certeza de sequelas definitivas. Doenças neurodegenerativas eram destinos definidos em código genético; ou você estava destinado a ter, ou não", conta Brandi.

O conhecimento era escasso, as evidências muito tímidas e raramente essas questões eram discutidas em consultas médicas. Hoje vivemos outro tempo. O conhecimento sobre o funcionamento cerebral dinâmico e plástico, os mecanismos envolvidos na origem de diferentes condições clínicas, as relações entre genética e epigenética, os recursos diagnósticos e terapêuticos avançaram de forma significativa.

"Atualmente, trabalhamos na prevenção de condições neurológicas, diagnóstico precoce e tratamento multidisciplinar e integrativo. Ao longo do tempo, modifiquei também minhas práticas de autocuidado", diz o médico.

A seguir, ele e outros neurologistas contam o que fazem diariamente para otimizar a saúde do cérebro.

Ioga, higiene do sono e aprendizado constante

Além de se exercitar no mínimo cinco vezes por semana, incluindo musculação e atividade aeróbica (corrida, ciclismo ou natação), em 2023, Brandi iniciou a prática de ioga. "Interrompi o uso de medicamentos indutores do sono e benzodiazepínicos e priorizo práticas de higiene do sono", diz.

Ele conta que também lê diariamente. "Raramente passo um dia sem ler ou estudar algo. Pratico e recomendo o aprendizado constante."

O médico controla o uso de telas, evitando o uso à noite e ao despertar, e de aplicativos de mensagens, com horários e limites diários. Em períodos de cansaço físico e/ou mental, busca contato com a natureza, espaços azuis [lagos, praias] ou verdes. "Nesses momentos, pratico a solitude relaxante. Penso que cuidar do cérebro é cuidar de todos os domínios do ser biopsicossocial que nós somos. Precisamos cuidar dos aspectos biológicos sem negligenciar os aspectos sociais e psíquicos", avalia.

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Jantar saudável, cedo e em família

Para Guilherme Diogo, neurologista do Hospital São Luiz Itaim - Rede D'Or, a saúde do cérebro depende de cinco pilares na nossa rotina: o que você come, o quanto você exercita o corpo e a mente, quão bem você dorme, a forma como você socializa e como você controla o estresse.

Um exemplo de como tenta colocar esses fatores na rotina é a hora do jantar. "Quando vou montar o cardápio da semana, priorizo frutas, carnes brancas e evito alimentos industrializados. Todo mês tento aprender a cozinhar algo novo, uma forma prática de exercitar a mente. Tento jantar até 20h ou 20h30, para poder dormir entre 22h30 e 23h. Isso porque jantar muito próximo da hora de dormir pode causar insônia e piorar a qualidade do sono. Além disso, faço essa refeição junto com a família, pois é um momento para reduzirmos o estresse do dia e socializarmos com as pessoas que são importantes para mim", conta.

Atividades que dão prazer

Fabio Porto, doutor em neurologia pela USP (Universidade de São Paulo), acredita no poder das coisas simples, mas que frequentemente a gente esquece que precisa fazer. "Sempre tento assistir a um filme com a minha esposa e ler livros, especialmente sobre filosofia. Gosto muito do estoicismo. Outro ponto é tentar fazer pequenas folgas ou miniférias. Sair de São Paulo para descansar um pouco", diz.

Controle do estresse, atividade física regular e música

Para aliviar o estresse que a atividade médica acarreta, Edson Issamu Yokoo, neurologista da Rede de Hospitais São Camilo de São Paulo, é adepto do mindfulness, técnica que reduz a velocidade do fluxo de pensamentos, melhora o padrão respiratório e foca nas atividades do momento, impedindo que fatores externos e imprevisíveis atrapalhem a execução da tarefa.

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"Também busco a realização de atividade física periodicamente, mesmo que não tenha intensidade, como passear com o cachorro. Já na música, é onde tenho um momento de lazer. Me dedico à prática de piano e análises de teoria musical. Além disso, acho fundamental dedicar tempo de qualidade para a família e amigos", afirma.

Leitura, aula de canto e ambiente estimulante

Fernanda Martins Maia Carvalho, professora da Unifor (Universidade de Fortaleza) e coordenadora do Serviço de Neurologia do Hospital Geral de Fortaleza, investe em várias atividades para manter o cérebro ativo. "Geralmente, tenho um livro de cabeceira que não tem relação com medicina, para uma leitura diária antes de dormir —atualmente estou lendo "Terra Sonâmbula", de Mia Couto. Faço parte de um grupo de amigos que gosta de discutir livros relacionados a humanidades e outros temas variados", diz.

Ela conta que semanalmente faz aulas de canto e eventualmente participa de projetos em canto coral. "Essa é certamente uma das atividades que mais me causa satisfação, permitindo o convívio com pessoas de diferentes realidades e trajetórias."

Carvalho também destaca que tem o privilégio de trabalhar em ambientes que têm descontração, amizade e trabalho em equipe. "Isso reduz incrivelmente o estresse e permite compartilhar responsabilidades e eventuais angústias. Tive a oportunidade de conviver com grandes colegas que, com o passar do tempo, tornaram-se grandes amigos com quem posso partilhar questões para muito além do trabalho. Estar em um ambiente acadêmico é algo muito estimulante à saúde cerebral, pois somos constantemente provocados a renovar nossos conhecimentos e a aprendizagem, por ser uma via de mão dupla, é constante e prazerosa", ressalta.

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