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Sintomas, prevenção e tratamentos para uma vida melhor


Ela teve dormência no rosto e achou ser AVC, mas descobriu tumor no cérebro

Karenina Campelo Diógenes durante a internação para operar um astrocitoma pilocítico, tipo de tumor cerebral - Acervo pessoal
Karenina Campelo Diógenes durante a internação para operar um astrocitoma pilocítico, tipo de tumor cerebral Imagem: Acervo pessoal

Do VivaBem, em São Paulo

22/03/2023 04h00

No início de março de 2020, Karenina Campelo Diógenes, 35, notou algo diferente ao acordar: uma dormência no canto da boca e na língua. "Foi uma coisa muito estranha, como uma eletricidade", diz.

Terapeuta ocupacional que atende pacientes com sequelas pós-AVC, ela sabia que sentir isso não era bom sinal. "Já achei que estava tendo um AVC, só que eu olhava no espelho e estava tudo normal no meu rosto." A sensação durava poucos minutos, mas Karenina decidiu buscar ajuda.

Ela desconfiou que um estimulante que tomava como pré-treino causaria a dormência. Sozinha no pronto-socorro, quando o resultado da ressonância veio, descobriu ter uma lesão no cérebro —ou um tumor.

Eu fiquei assustada por ser só de um lado [do rosto], mas não quis acreditar que seria algo tão grave. O médico disse que precisava falar com o radiologista e eu fiquei tensa. Ele não falou em tumor, mas que eu estava com uma lesão.

Karenina ficou internada e soube pelo neurocirurgião que tinha um astrocitoma pilocítico, tumor que atinge um tipo de células cerebrais chamadas gliais. A lesão é de grau 1, em uma escala que vai até 4 —sendo o último o de maior malignidade.

Também soube que o crescimento do tumor lhe causou epilepsia, doença que prejudica o funcionamento das células nervosas do cérebro e causa convulsões —daí a dormência na boca, seu único sintoma. "Nunca tive nem dor de cabeça, sem ser no ciclo menstrual", afirma. As crises de Karenina eram as parciais, que afetam apenas uma região do corpo sem levar à perda de consciência.

Tratamento

Karenina - Acervo pessoal - Acervo pessoal
Karenina foi acordada durante a cirurgia para a equipe acompanhar suas respostas e reduzir o risco de sequelas
Imagem: Acervo pessoal

Karenina tinha duas opções: fazer a cirurgia ou acompanhar o crescimento do tumor. Mas a última foi descartada quando ressonâncias adicionais apontaram possível malignidade (quando a doença é câncer). O procedimento também iria ajudar a tratar a epilepsia, segundo a equipe médica.

"Não tinha noção de como ia ficar depois. Fui tranquila, confiante, minha família é maravilhosa, todos me deram muito apoio. Tinha uma galera me passando energia para fazer a cirurgia", diz.

A operação foi no dia 13 de março de 2020. Os médicos optaram pela modalidade em que a pessoa é acordada durante o procedimento para acompanhar os reflexos. Essa técnica é indicada para reduzir o risco de sequelas, como as de linguagem e movimento.

"Eles me acordaram durante a cirurgia, perguntaram o meu nome e pediram para eu mexer a minha mão como se acelerasse uma moto. Uma hora, quando fui falar, a minha voz começou a embolar, e eu chorei. Meu raciocínio foi: 'Vou perder a minha voz'. Aí me colocaram para dormir de novo", lembra.

Karenina ficou no centro cirúrgico por seis horas. Quando despertou novamente, já na UTI, veio uma nova etapa do tratamento junto ao baque das sequelas que a operação deixou. Teve paralisia facial, que impactou a fala, além de perda da força do lado esquerdo e dificuldades para engolir. "Esse pós da UTI é péssimo, você fica muito vulnerável. Precisei de ajuda até para tomar banho."

Recuperação durante a pandemia

O período da cirurgia coincidiu com início da escalada de casos da covid-19 no país. Por isso, a alta foi rápida. Karenina operou em uma sexta e na terça já estava liberada.

Voltar para casa foi um momento difícil, focado na reabilitação das sequelas. "Fiquei bem desanimada, e os médicos bem otimistas. Estava muito deprimida, porque foi repentino. Entrei de um jeito e saí totalmente diferente e dependente."

É difícil você se ver daquele jeito de um dia pro outro, porque um lado do meu rosto estava com paralisia facial e, o outro, inchado da cirurgia.

Havia ainda o medo de se contaminar e a saudade de pessoas queridas. Levou três meses até rever a irmã, que é enfermeira e a quem confiava para ajudá-la na recuperação. Karenina ficou na companhia da mãe, tomando os cuidados quando recebia fisioterapeutas e fonoaudiólogas.

À medida que via melhoras, se empenhava mais nas terapias. Também teve novo impulso porque o resultado da biópsia descartou o câncer. "Quando chegou a biópsia, que deu [tumor] benigno, e vi que não ia precisar fazer químio, rádio, fiquei melhor. Sabia que quando me recuperasse total, a vida ia voltar ao normal." Após um mês, retomou todas as funções.

Junto a todo sucesso da equipe médica, quero destacar o trabalho intensivo da fisioterapeuta e da fonoaudióloga. Sem essas duas profissionais o resultado da minha recuperação não seria o mesmo, sem dúvidas.

@kareninacd Resiliência, é o que trabalho desde que tudo começou. Sou um milagre e o que ficou é o de menos. #tumorcerebral #resiliencia #milagre ? Resiliência - Tribo da Periferia

Novo susto

Karenina Campelo Diógenes - Acervo pessoal - Acervo pessoal
Karenina achou que o tumor havia voltado após ter novas dormências na boca
Imagem: Acervo pessoal

Karenina voltou ao trabalho em junho de 2020. Foi liberada pelo médico depois de um período de prevenção devido à pandemia. Estava feliz por ter se recuperado bem e voltar a fazer o que gosta. Até que um dia voltou a sentir a dormência no rosto.

Eu estava jantando quando comecei a ter espasmos. Percebi aquela coisa estranha na língua, até ir pro canto da boca. Fiquei desesperada e pensei que o tumor tinha voltado.

Ela foi ao neurologista e descobriu que, na verdade, a epilepsia não conseguiu ser tratada na cirurgia. "Fiz outra ressonância, encefalograma, e soube que as crises eram convulsões. Segundo o neurologista que me acompanha, o local da cicatriz no cérebro causa as crises."

Karenina segue com as crises parciais no canto da boca. Pela epilepsia, deixou de dirigir e ingerir bebida alcoólica, que pode cortar os efeitos da medicação. "Tive uma crise generalizada durante a troca de medicação, de dose alta para a dose baixa. Mas o meu padrão é o parcial."

De resto, a vida voltou ao normal e Karenina diz que está com mais sede de viver do que nunca.

Tumor de crescimento lento e sinais demorados

  • O astrocitoma pilocítico é um tumor de crescimento lento e, por isso, demora a dar sinais.
  • A lesão é mais comum em crianças, com idade média de 8 anos.
  • Os sintomas estão associados à região do cérebro em que está e ao seu tamanho: conforme cresce, causa efeitos compressivos e aumento de pressão intracraniana, prejudicando funções específicas.
  • Uma complicação possível é a epilepsia, como aconteceu com Karenina.

O tumor começa a crescer, e o cérebro funciona com descargas elétricas. A presença do tumor dá um 'curto-circuito' naquela região, que desencadeia a crise convulsiva. Quando isso acontece, você tem que fazer exame de imagem para diagnosticar, e a ressonância é a melhor opção. Jean de Oliveira, neurocirurgião e professor da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo

  • Também são sintomas comuns: dores de cabeça, náuseas, vômitos, alterações comportamentais, de força, equilíbrio e neurocognitivas (como déficit de memória e dificuldade de fala).

Tratamento é cirúrgico

  • O tratamento do astrocitoma pilocítico é cirúrgico na maioria das vezes. Após a ressecção, caso ainda exista resquício do tumor, o especialista avalia a necessidade de tratamentos complementares (radioterapia, principalmente).

O padrão é fazer cirurgia, e o tratamento adjuvante deve ser considerado em casos de exceção. Observamos e, caso exista progressão ou ressecção incompleta, pode-se discutir caminhar com radioterapia. Mas mesmo quando é incompleta, opta-se por não seguir com rádio de princípio. Gustavo Nader Marta, vice-presidente da SBRT (Sociedade Brasileira de Radioterapia) e titular da radioterapia do Hospital Sírio-Libanês (SP)

Após a cirurgia, vem a fase de tratar as sequelas. Essas terapias são individuais, focadas nos sintomas que o tumor causou de início e/ou nos déficits que a cirurgia deixou.