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O que significa alguém morrer de 'velhice'?

Príncipe Phillip e Rainha Elizabeth morreram de "velhice"; explicação pode ser cultural - Paul Hackett
Príncipe Phillip e Rainha Elizabeth morreram de 'velhice'; explicação pode ser cultural Imagem: Paul Hackett

Marcelo Testoni

Colaboração para VivaBem

05/12/2022 04h00

No atestado de óbito da rainha Elizabeth 2ª, da Inglaterra, consta que sua morte, aos 96 anos, ocorrida em setembro, foi causada por "velhice". O mesmo motivo que teria ceifado, no ano passado, a vida de seu marido, o príncipe Philip, aos 99 anos, segundo o jornal Telegraph.

Mas idade avançada não está no CID (Código Internacional de Doenças), então como se explica?

  • A rainha e o príncipe podem ter sido atestados como mortos por "velhice" por uma questão cultural. É uma hipótese, no Reino Unido, assim como no Japão, é permitido se usar esse termo na declaração de óbito. Entretanto, o documento, para ter validade, requer ser emitido por um médico pessoal do paciente já há anos e que garanta que ele não possuía histórico de doenças.

Velhice não é doença. Um assunto polêmico e que até já envolveu a OMS (Organização Mundial da Saúde), que, por pressão da sociedade civil, recentemente recuou em classificar a velhice como doença. No lugar do termo vigente "senilidade", foi sugerido então "declínio da capacidade intrínseca associado ao envelhecimento", considerado controverso por alguns e ainda não definitivo.

Sempre se morre de alguma coisa...

Sistema circulatório, veias, artérias e capilares - iStock - iStock
Imagem: iStock

A rainha Elizabeth 2ª e seu marido, príncipe Philip, morreram de causas não esmiuçadas. Enquanto se sabe que a soberana sofria de "problemas de mobilidade episódicos" desde o final de 2021, como foi divulgado pelo Palácio de Buckingham, o príncipe, semanas antes de morrer, havia sido submetido a uma cirurgia cardíaca depois de passar um mês hospitalizado.

"No Brasil, um atestado de óbito nunca seria preenchido dessa maneira, o atestado voltaria para o médico, pois ninguém morre de velhice, isso não existe", afirma Paulo Camiz, geriatra, clínico geral e professor no Hospital das Clínicas, da USP (Universidade de São Paulo).

Dados da Fundação Seade, do governo do estado de São Paulo, apontam que de cada 100 óbitos ocorridos no país, 63 correspondem a pessoas de 60 anos ou mais. Doenças dos aparelhos circulatório e respiratório e neoplasias aparecem como as principais causas de mortalidade desse grupo, seguidas pelas doenças do aparelho digestivo e endócrinas.

Mas, às vezes, pode ser incerto qual condição causa a morte, ela pode ser o desfecho de uma somatória. Ocorrer em virtude de doenças crônicas (diabetes, hipertensão, colesterol alto, fibrose cística), AVC, aneurisma, ataque cardíaco ou complicações decorrentes de infecções. O sujeito também pode ter um falecimento súbito e silencioso, estando sedado ou dormindo.

Morte por causa natural existe?

Idoso, velho sorrindo, sorriso, rindo - iStock - iStock
Imagem: iStock

Esse termo (causa natural) também acaba sendo um eufemismo para uma morte que não se sabe ao certo como se deu. Mas denota que não foi por um motivo externo e nem violento como por tiro, incêndio, trauma, e possivelmente também menos estressante, ou mais tranquilo, daí também de ser relacionado a uma sensação de paz e a idosos muito longevos.

"Pode ocorrer de alguém também ser atestado por uma parada cardiorrespiratória, mas todas as mortes ocorrem por isso. A questão é o que levou a ela. Assim, nós, médicos, precisamos, ao mínimo, dar uma tentativa de diagnóstico sobre o motivo dessa pessoa ter morrido", explica Natan Chehter, geriatra da SBGG (Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia).

Sem evidências suficientes para se chegar a uma conclusão robusta ou aceitável sobre o fator causal, ou quando há suspeitas, de falta de cuidados, negligência, violência, a morte pode ser registrada como "indeterminada", e ser investigada. Um trabalho para o médico legista, que se baseia em exames post-mortem, necrópsias, registros médicos e depoimentos de testemunhas.

Agora, de maneira geral, por aqui, o entendimento de se atribuir óbitos a causas vagas ou generalistas soa como se o profissional não tivesse averiguado suficientemente o que ocorreu com o paciente. Além disso, compromete políticas públicas, estatísticas, pois atestados de óbito fornecem informações preciosas, por exemplo, sobre, aumento ou redução de doenças.

É preciso combater estereótipos

Mãos de idosa, velhice - Lucas Ninno/Getty Images - Lucas Ninno/Getty Images
Imagem: Lucas Ninno/Getty Images

O entendimento de boa parte da comunidade médica é de que se a velhice for classificada como ou associada com doença, há o risco de não só aumentar o preconceito contra ela (etarismo), como o descuido com diagnósticos, tratamentos e registros de óbitos de idosos e até de se levar à fragilização de pesquisas e capacitação profissional voltadas a essa população.

O envelhecimento é um processo, uma fase, e muito variável. Há quem envelheça mal, mas há quem envelheça bem, ativo, com saúde, o que tem a ver com a aquisição e manutenção de bons hábitos e boas condições sociais e de vida.

Além disso, idade avançada por si só não mata ninguém, o organismo enfraquece e alguma complicação ou doença é que sentencia o sujeito.

E há quem se oponha à sugestão do novo termo na CID "declínio da capacidade intrínseca associado ao envelhecimento", por considerar que remeta apenas à biologia, hereditariedade, individualidade, sem abranger desigualdades mundo afora e fatores tão importantes quanto para se obter longevidade, como ter acesso à alimentação, saúde e educação de qualidade.

"A individualidade deve ser considerada. Temos vários fatores que interferem no processo de envelhecimento e que trarão, ou não, patologias para o idoso, sendo que um grupo delas vem crescendo e com um impacto financeiro ainda maior: demências, fraturas, doenças oftálmicas e depressão", conclui Wenceslau Alonso, geriatra do Hospital São Rafael, em Salvador (BA).