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Sintomas, prevenção e tratamentos para uma vida melhor


Neuralgia do pudendo: 'Dor parecia espinho encravado e impedia até sexo'

Pudendo é um nervo pélvico que fornece controle motor a alguns músculos dessa região - iStock
Pudendo é um nervo pélvico que fornece controle motor a alguns músculos dessa região Imagem: iStock

Marcelo Testoni

Colaboração para VivaBem

18/10/2022 04h00

Em abril de 2022, o redator Marcelo Ferreira, 33, sentiu uma forte fisgada no canto inferior esquerdo do abdome enquanto realizava exercícios sentado numa cadeira de abrir e fechar pernas, aparelho de academia cuja finalidade é trabalhar os músculos do quadril e coxas, entre os quais adutores, abdutores e glúteos. A dor foi tanta que Ferreira precisou correr para casa.

"Cheguei e tive diarreia, algo que é muito raro eu ter. A dor na região inguinal, como soube o nome depois, parecia de um espinho encravado. Além disso, o lado interno da coxa esquerda endureceu", conta Ferreira, que precisou ir ao pronto-socorro, onde fez exames de imagem e sangue, que não apontaram nada além de um edema muscular na perna e tendinite glútea.

Mas passaram-se alguns dias e o quadro do redator piorou. As dores na coxa e glúteos foram diminuindo após ele consultar um ortopedista, que lhe prescreveu tratamento medicamentoso e fisioterapia. Porém, a dor abdominal não passou e cursou, em longas etapas, com endurecimento da virilha, ardência urinária típica de infecção, dor atrás do testículo, pressão no períneo (região entre genitais e ânus), prisão de ventre e sensações de ter corpo estranho e fissura no ânus.

Dor é constante e incapacitante

Marcelo teve que se tratar e mudar estilo de vida - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Marcelo teve que se tratar e mudar estilo de vida
Imagem: Arquivo pessoal

Ferreira conta que buscou por diferentes especialistas (proctologista, urologista, cirurgião vascular, médico esportivo, clínico geral), realizou vários exames diferentes (tomografia, raio-X, ressonância magnética, hemograma, cultura de urina e fezes) e ninguém localizava nada de anormal.

Como tem síndrome do intestino irritável e histórico de expulsão natural de cálculos renais, ouvia dos médicos que suas queixas poderiam estar relacionadas com essas condições.

"A dor chegou a um ponto que me impedia de sentar, precisava trabalhar em pé e assistir à TV assim. Não conseguia ainda ir ao banheiro direito, andar muito, fazer sexo. Só me sentia um pouco melhor, mas sofrendo 24 horas seguidas, quando deitado de barriga para cima", relata o redator, que só em junho descobriu o que tinha após voltar pela terceira vez ao hospital.

Após nova investigação, a médica que o atendeu disse ser uma neuralgia do nervo pudendo.

"Pudendo é um nervo pélvico que fornece controle motor a alguns músculos dessa região e sensibilidade ao períneo, esfíncteres anal e uretral externos, genitália e uretra. Faz parte do plexo sacral, um conjunto de nervos na última porção da coluna vertebral, que se ramificam ainda pelo intestino, região glútea e pernas", informa Júlio Barbosa, médico pela UFBA (Universidade Federal da Bahia) e neurocirurgião pela Universidade da Califórnia - Los Angeles.

A neuralgia é quando o nervo, seja do lado esquerdo, direito, ou os dois, é danificado temporária ou permanentemente por longos períodos sentado, microtraumas diretos (incluindo andar de bicicleta, de moto), constipação intestinal crônica, trabalho de parto, levantamento de peso, infecção profunda e cirurgia local.

Pode ser confundível e indetectável

Pedra nos rins - iStock - iStock
Pedra no rim pode ser confundida com neuralgia do pudendo
Imagem: iStock

Os sintomas da neuralgia do pudendo se assemelham aos de diversas patologias. Orquite (inflamação dos testículos), tumores comprimidos, abcessos, cistos ovarianos, ISTs (infecções sexualmente transmissíveis), cálculo renal preso na saída do ureter para a bexiga e prostatite (inflamação da próstata).

"Na neuralgia do pudendo não se tem febre, infecção ou mal-estar", complementa Alex Meller, urologista da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).

Meller diz que por ser um nervo importante, o pudendo, se inflamado, bagunça todo o sistema neurológico do assoalho pélvico. Fora que sua dor pode alternar em horas, dias, semanas para uma sensação nova, de choque, pontada, ardor, pressão e ainda migrar de local, prejudicando os atos de evacuar, urinar, ejacular, com possibilidade de urgência miccional, constipação intestinal ou mesmo incontinências. É um quadro que tira qualquer vontade, afirma Ferreira.

Seu diagnóstico acaba sendo feito por entrevista com o paciente, exclusão de múltiplas causas e confirmado com uma eletroneuromiografia —exame que utiliza sensores ou eletrodos para monitorar em tempo real a latência sensorial e motora.

Uma neurografia, técnica recente de ressonância, também pode demonstrar alguma lesão direta no nervo. Quanto aos exames tradicionais, de imagem, dificilmente detectam algo, daí o motivo da doença ser subnotificada.

Tratamento envolve mudanças

A neuralgia do nervo pudendo afeta tanto homens como mulheres (nelas, a dor pode irradiar para vulva, vagina e clitóris), que têm sua qualidade de vida bastante prejudicada. A incidência do problema gira em torno de um em cada 100 mil casos, prevalentes entre quem tem de 50 a 70 anos, mas por ser algo pouco divulgado e conhecido, inclusive na área médica, pode ser que muito mais gente —e jovem— sofra e não saiba, sobretudo quem trabalha o dia todo sentado.

"Compressões de nervos no geral podem acontecer na sua origem, dentro do canal vertebral, ou no seu trajeto externo à coluna. Quando não há relação com nenhuma causa mecânica compressiva interna, deve sempre ser investigada alguma doença neurológica que poderia estar acometendo os nervos de maneira sistêmica, alterando seu funcionamento normal", adverte Nelson Astur, cirurgião de coluna do Hospital Albert Einstein e do Instituto Cohen (SP).

Ferreira recebeu encaminhamento para um especialista em neurologia, que lhe prescreveu como parte de seu tratamento medicação anticonvulsivante (para diminuição dos sintomas), além de vitaminas, relaxantes musculares e analgésicos.

"Também faço fisioterapia, pratico em casa os exercícios pélvicos indicados e tenho tomado mais cuidado com minha postura, em não passar muitas horas seguidas sentado, tudo para evitar procedimentos invasivos [bloqueio anestésico ou cirurgia do nervo pudendo, indicados quando não se obtém bons resultados]".