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Perigos de substâncias encontradas em produtos recolhidos, como Häagen-Dazs

Lotes de sorvetes da Häagen-Dazs foram recolhidos por suspeita de substância com potencial tóxico - Divulgação/Häagen Dazs
Lotes de sorvetes da Häagen-Dazs foram recolhidos por suspeita de substância com potencial tóxico Imagem: Divulgação/Häagen Dazs

Fernanda Beck

Colaboração para o VivaBem

27/08/2022 04h00

É inevitável: nossos alimentos estão sujeitos à possibilidade de contaminação. Ela pode ser de ordem biológica, causada por micro-organismos como bactérias; química, por meio do contato com detergentes, inseticidas, agrotóxicos e outros agentes; ou física, quando o alimento acidentalmente entra em contato com objetos estranhos.

"Não existem alimentos isentos de contaminantes. O risco ocorre quando esses agentes ou substâncias estão acima do limite permitido para ingestão humana, causando uma doença transmitida por alimentos, chamada DTA", explica Evânia Teixeira de Figueiredo, professora titular na área de higiene industrial e microbiologia de alimentos da UFC (Universidade Federal do Ceará).

Tipos de contaminação

Contaminação biológica

A contaminação biológica se dá quando o alimento veicula agentes patogênicos (vírus, bactérias e parasitas) causadores de doenças de origem alimentar, sendo as bactérias as responsáveis pela maioria dos casos.

Parasitas e bactérias intestinais, bactérias presentes na pele de humanos e animais ou que têm seu habitat no ambiente (solo ou água) podem contaminar os alimentos, e se os métodos de preservação não forem efetivos, podem causar uma DTA.

Contaminação química

A contaminação química ocorre, na maioria das vezes, de forma acidental ou pela ausência de um controle de qualidade efetivo.

Ela pode ser causada por várias substâncias, como toxinas fúngicas, resíduos de agrotóxicos ou drogas veterinárias, metais pesados e substâncias químicas diversas que podem estar presentes nos ingredientes.

Contaminação física

Acontece quando objetos externos (como pelos de animais ou partículas de plástico) se misturam ao alimento durante a produção, embalagem, distribuição ou venda do produto.

Dá para identificar um alimento contaminado?

Geralmente, é preciso que haja a presença do agente contaminante em grandes quantidades para que existam alterações perceptíveis no produto, o que raramente acontece.

Como a maioria dos casos de contaminação não altera o aspecto sensorial dos alimentos, ou seja, não há alteração de sabor, aroma, cor ou textura, é possível ingerir o alimento sem saber que se trata de um alimento contaminado.

Contaminações físicas costumam ser notadas com mais facilidade, principalmente se as substâncias forem de maior porte, como pelos de animais ou partes plásticas, que são mais facilmente visíveis.

Quando empresas suspeitam que possa haver alguma contaminação, há uma investigação e os produtos são recolhidos. A medida é chamada de "recall" e foi instituída no Brasil no Código de Defesa do Consumidor. Em 2015, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) normatizou sobre o recolhimento de alimentos e passou a disponibilizar em seu site a relação dos recolhimentos de produtos no país.

Os produtores devem ter um programa de rastreabilidade para identificar os produtos não conformes, assim como um modelo de comunicação do fato e um mecanismo de recolhimento dos produtos e ressarcimento do consumidor.

Relembre casos

Entre os casos de contaminação ou suspeita dela mais recentes e que foram divulgados pela mídia, podemos citar:

Kinder ovo surprise - Rosinka 79/Adobe Stock - Rosinka 79/Adobe Stock
Imagem: Rosinka 79/Adobe Stock

Contaminação de origem biológica:

A salmonelose é uma doença de origem alimentar com grande ocorrência em todo o mundo, e ocasionador de cabeça, náuseas, diarreia e febre até problemas mais sérios como infecções. Em casos graves, pode até levar à morte.

A transmissão, no geral, ocorre a partir de carne ou produtos lácteos contaminados com a bactéria, mas também vem sendo associada com algumas frutas e vegetais. A Salmonella também pode contaminar o cacau, durante a colheita e fermentação, e sobreviver durante toda a sua produção.

  • Queijos prato, muçarela e coalho da marca Friolack, contaminados pela bactéria Listeria monocytogenes (2017)

A Listeria monocytogenes é encontrada em diversos tipos de alimento, principalmente de origem animal ou frescos, mas a pasteurização é suficiente para destruí-la.

O grupo de maior risco para a listeriose são fetos e recém-nascidos, que se contaminaram por meio da mãe, ou pessoas com sistema imune comprometido. Causa sintomas similares aos da gripe, e, em casos crônicos, septicemia —infecção generalizada—, meningite e abcessos internos ou externos.

  • Água mineral Santa Rita do Sapucaí, com resultado insatisfatório para Pseudomonas aeruginosa (2018)

A bactéria Pseudomonas aeruginosa é considerada "oportunista" e é responsável por infecções graves principalmente em crianças e idosos.

Ela tem grande capacidade de se desenvolver em água com baixos níveis de sólidos e compostos orgânicos, ou seja, cresce em locais nutricionalmente pobres. Em seres humanos, causa principalmente infecções com ampla localização e severidade no trato respiratório, urinário e na corrente sanguínea.

Häagen-Dazs sabor Hazelnut Crunch - Divulgação - Divulgação
Imagem: Divulgação

Contaminação de origem química:

Em julho deste ano, a Anvisa determinou que a empresa General Mills Brasil Alimentos recolha alguns lotes do sorvete Häagen-Dazs, após identificação da substância 2-cloroetanol (2-CE).

A presença do 2-cloroetanol é possivelmente associada ao óxido de etileno, usado na produção do aroma natural de baunilha. "Entretanto, em alguns casos, o 2-CE pode derivar de outras fontes, como é o caso do recolhimento de lotes específicos de sorvetes da marca Häagen-Dazs, onde foi identificada como origem da substância a reutilização do solvente à base de álcool e água no processo de extração do aroma de baunilha", disse um comunicado da Anvisa.

Não há evidências de que o 2-cloroetanol seja carcinogênico (que pode causar câncer) ou mutagênico (que podem causar alterações capazes de provocar danos às células humanas), mas ele tem potencial tóxico e pode causar alterações no material genético. Isso significa que a exposição prolongada a ele ou o seu acúmulo no organismo poderiam ser nocivos. Sua ingestão poderia causar problemas gastrointestinais e queimaduras ou irritação das mucosas.

Não existem limites residuais toleráveis no âmbito da legislação vigente no Brasil para 2-cloroetanol em alimentos.

  • Cerveja Backer por dietilenoglicol (2020)

O dietilenoglicol é uma substância líquida, incolor e de sabor adocicado que pode ser utilizada na refrigeração da cerveja. Sua ingestão causa intoxicações epidêmicas com alta taxa de letalidade e mortalidade. A intoxicação se inicia com sintomas gastrointestinais, seguido de acidose metabólica, insuficiência renal aguda e acometimento neurológico grave.

Para que a substância tenha chegado até o produto, provavelmente houve falta de manutenção nos equipamentos e utensílios que entram em contato com a cerveja e, assim, a substância migrou para o lote que estava sendo fabricado.

  • Achocolatado Toddynho com detergente (2011)

Na indústria de alimentos, a metodologia clean in place (limpeza no lugar) pode ser utilizada para o processo de limpeza e sanitização de equipamentos operacionais sem a necessidade de desmonte do equipamento.

No caso do achocolatado em questão, houve falha durante esse processo de higienização, o que fez com que o produto viesse a ser envasado juntamente com o produto usado para limpeza, tornando-o impróprio para o consumo.

Heinz lança edição de ketchup especial com rótulo plantável - Divulgação - Divulgação
Imagem: Divulgação

Contaminação de origem física:

  • Ketchup Heinz por "existência de fragmentos de pelo de roedor acima do limite máximo de tolerância" (2017)

O Ministério da Saúde dispõe sobre a presença de matérias estranhas macroscópicas e microscópicas em alimentos e bebidas, seus limites de tolerância e outras providências. Isso significa que a legislação estabelece os limites máximos permitidos de matérias estranhas, como pelos de ratos, fragmentos de baratas e outros elementos intrusos que podem ser encontrados nos alimentos.

A presença dessas matérias estranhas nos alimentos pode estar associada às condições de armazenamento das matérias-primas ou incidência de vetores e pragas nas proximidades das áreas de processamento, entre outros fatores.

Fontes: Evânia Teixeira de Figueiredo, professora da UFC (Universidade Federal do Ceará), nos cursos de graduação e pós-graduação na área de higiene industrial e microbiologia de alimentos; Ana Paula Colares de Andrade, professora do Departamento de Engenharia de Alimentos da UFC; Karine Mafra, formada em engenharia de alimentos pela Escola de Engenharia Mauá, sócia e fundadora da Firmare Consultoria; Marina Long, formada em engenharia de alimentos pela Escola de Engenharia Mauá, sócia da Firmare Consultoria; Luna Azevedo, nutricionista formada pela Unirio (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro), coordenadora de pós-graduação em nutrição vegetariana e vegana pelo Instituto Luciana Harfenist com apoio da SVB (Sociedade Vegetariana Brasileira).