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Estudo brasileiro mostra que ultraprocessados fizeram obesidade crescer 28%

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Imagem: iStock

Letícia Naísa

Do VivaBem, em São Paulo

08/06/2022 04h00

Há mais de uma década, o Nupens (Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde), da USP (Universidade de São Paulo), vem investigando a relação entre o consumo de alimentos ultraprocessados e o aumento da obesidade. Um novo estudo, publicado pelo grupo no periódico International Journal of Public Health no dia 20 de maio, mostrou que 28% do aumento da obesidade entre 2002 e 2009 no Brasil foi causado pelo consumo desse tipo de alimento.

A equipe de pesquisa utilizou dados da POF (Pesquisa de Orçamentos Familiares) do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). No período entre 2002 e 2009, o levantamento colheu informações não apenas sobre a aquisição de alimentos ultraprocessados —que é um indicativo de consumo—, mas também sobre peso e altura dos entrevistados, o que permitiu calcular o índice de obesidade dos consumidores.

Por meio do cruzamento desses dados, foi possível estabelecer uma relação entre os dois pontos. "Conseguimos quantificar a relação temporal longitudinal entre esses dois fenômenos no Brasil", explica Maria Laura Louzada, pesquisadora do Nupens, professora da Faculdade de Saúde Pública da USP e autora do artigo científico. "Essa foi a grande inovação do nosso estudo", ressalta.

As últimas edições da POF não coletaram dados de peso e altura que permitissem uma análise temporal mais longa, mas, para Louzada, os resultados seriam similares aos encontrados no período do início dos anos 2000. "Seguiria a mesma tendência, porque o consumo de ultraprocessados continuou crescendo", afirma. "Outros dados de outras pesquisas mostram que tanto a obesidade quanto o consumo de ultraprocessados continuou crescendo e que esses dois fenômenos estão associados", completa.

Segundo a especialista, já existe evidência científica suficiente na literatura que mostre uma relação de causalidade entre os dois fenômenos. Novos campos de estudos têm tentado desenhar o mecanismo de atuação dos ultraprocessados no organismo. Algumas hipóteses apontam que esse tipo de alimento pode induzir a compulsão alimentar, por exemplo, ou que ele afeta o sistema de controle de saciedade.

O que são ultraprocessados?

A categoria de alimentos foi proposta em 2010 em um artigo publicado pelos pesquisadores do Nupens. São um grupo específico de alimentos que passaram por várias etapas de processamento e que são feitos por várias partes de alimentos, com muitos aditivos químicos, açúcares, gorduras trans e gorduras saturadas.

"Esses alimentos têm perfil nutricional pior, maior quantidade de açúcares, gorduras, menor quantidade de fibras, vitaminas e minerais", explica Louzada. Alguns exemplos de ultraprocessados são salgadinhos, bolachas, refrigerantes e comidas prontas para consumo.

O Guia Alimentar para a População Brasileira, publicado em novembro de 2014, indica uma alimentação baseada em alimentos in natura, frescos e em comida caseira, e recomenda evitar o consumo de ultraprocessados.

Políticas públicas

Para Louzada, existe muito interesse por trás da indústria de ultraprocessados e, por isso, seu consumo aumenta a cada ano. "Existe uma disputa desigual entre a saúde pública e corporações com muito poder, dinheiro e marketing", diz.

Entre a comunidade científica, provar a relação entre o consumo e doenças crônicas como a obesidade pode abrir portas para a elaboração de mais políticas públicas e regulamentação de parte da indústria.

"O foco não é reverter em mudanças individuais, mas pensar em políticas que modifiquem o ambiente, o entorno das pessoas", afirma Louzada. "A indústria de alimentos é muito benéfica, ultraprocessados são apenas uma parcela dessa indústria, que não tem produzido de fato alimentos, mas sim produtos que prejudicam a saúde das pessoas e do planeta."