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Saúde

Sintomas, prevenção e tratamentos para uma vida melhor


Por causa da pouca idade, diagnóstico de mieloma múltiplo demorou a chegar

Claudestony Nascimento foi diagnosticado com mieloma múltiplo aos 33 anos - Acervo pessoal
Claudestony Nascimento foi diagnosticado com mieloma múltiplo aos 33 anos Imagem: Acervo pessoal

Letícia Naísa

De VivaBem, em São Paulo

04/04/2022 04h00

Depois de passar um final de semana inteiro sentindo dores no corpo e uma espécie de fadiga muscular, o administrador Claudestony Nascimento, 39, resolveu procurar um médico na segunda-feira. No hospital, um ortopedista receitou um remédio para as dores e deu a ele um atestado de 15 dias para repousar. De nada adiantou.

Depois de mais 15 dias afastado do trabalho como gerente de uma agência lotérica, e um período de férias, ele decidiu buscar um diagnóstico. Ortopedistas, neurologistas e infectologistas reviraram Claudestony de dentro para fora e de fora para dentro. Entre junho e novembro de 2015, o administrador passou por vários médicos, fraturou a coluna e conviveu com muitas dores.

Ele precisou se mudar definitivamente para uma nova cidade e começar um tratamento para o seu verdadeiro problema: mieloma múltiplo. Apesar de ser uma doença rara, é o segundo tipo de câncer hematológico (de sangue) mais comum, trata-se de um câncer dos plasmócitos, que são as células que formam os anticorpos. Até hoje, não se sabe a causa do mieloma múltiplo e ele também não tem cura.

"Os sintomas se confundem muito com os de outras doenças", afirma Edvan Crusoe, médico da UFBA (Universidade Federal da Bahia) e da Rede D'Or Oncologia, em entrevista a VivaBem. Antes de saber do mieloma múltiplo, havia outras suspeitas para os sintomas de Claudestony, e ele chegou a iniciar um tratamento para tuberculose óssea.

Por causa da pouca idade de Claudestony —na época do diagnóstico, ele tinha apenas 33 anos— a equipe médica que tratou de seus sintomas também descartou o mieloma múltiplo.

"Geralmente, são acometidas pessoas mais velhas, acima dos 65 anos de idade, e muitas pessoas morriam antes de chegar a um diagnóstico", diz Crusoe. As dores ósseas entre os pacientes de mais idade são muito confundidas com dores da velhice, como hérnia ou artrose. "A pessoa toma um anti-inflamatório e não investiga", diz.

"Essa doença é muito silenciosa e tem certa falta de experiência dos médicos em diagnosticar", diz o paraense. Até chegar ao diagnóstico real, Claudestony passou por uma bateria de exames e viajou de sua cidade natal, Tucuruí (PA), até Teresina e depois Belém, onde descobriu o que tinha.

Segundo uma pesquisa da empresa farmacêutica Sanofi em parceria com a Ipsos, 19% da população da região Norte do país teve ou conhece alguém que teve mieloma múltiplo.

Por quase um ano, Claudestony tratou do mieloma múltiplo com quimioterapia na capital paraense. "Só que eu não estava vendo melhora, vivia debilitado", conta. "Não aguentava nem ir ao hospital, pagava uma enfermeira para fazer aplicação [da químio] em casa."

Frustrado, decidiu se mudar mais uma vez e foi com a família para Goiânia, onde tinha tios que trabalham na área da saúde. Ali, fazia quimioterapia de segunda a sábado. "Foi bem mais difícil, totalmente diferente, mas foi dando certo", relembra o administrador.

Depois de 14 sessões de quimioterapia, Claudestony foi encaminhado para um transplante de medula óssea. Em casos de mieloma múltiplo, o transplante indicado é do tipo autólogo, ou seja, as células-tronco do próprio paciente são usadas no procedimento, não é preciso depender de um doador.

Claudestony fez o transplante pelo SUS em 2018 e precisou de um medicamento de alto custo para manter o câncer em remissão. "Tentei todos os órgãos públicos, mas o Estado se negou", lembra. Depois de apenas um ano, a doença voltou e ele precisava do medicamento de qualquer jeito. Claudestony contratou um advogado e conseguiu acesso ao fármaco lenalidomida pelo plano de saúde —um remédio que custa mais de R$ 20 mil a caixa.

Ele toma a medicação até hoje como forma de tratamento para a doença e continua fazendo quimioterapia uma vez por mês. "Isso vai ser por tempo indeterminado, mas depois que comecei a tomar o remédio, até meu médico vê a diferença", relata.

Claudestony nunca conseguiu voltar a trabalhar, precisou se aposentar por invalidez antes dos 40 anos. Deixar a profissão e a cidade natal para trás são dois acontecimentos dos mais difíceis de lidar para ele: "As fraturas na coluna me limitaram muito", comenta. "A minha cabeça quer trabalhar, mas o meu corpo não ajuda por causa das dores e das lesões", diz.

Além das sequelas causadas na coluna, ele lesionou o braço direito quando teve uma convulsão há quatro anos. "Procurei um médico porque estava com dor no joelho e ali no hospital, machuquei o braço e apaguei, acordei dois dias depois na UTI", conta.

Para ele, o apoio familiar é fundamental para não afundar a mente nos problemas. Os pais, que ainda moram em Tucuruí, deram muita força. O irmão morou com ele para ajudar com o tratamento. "Meu irmão abriu mão da vida dele para ficar comigo por dois anos, ele morou com a gente entre 2016 e 2018", diz.

O mieloma múltiplo ensinou Claudestony a aproveitar melhor a vida. "Sinto dores porque não fico comportado em casa", admite. Ele divide as tarefas domésticas com a mulher. "Limpo casa e gosto de cozinhar", conta. "Minha esposa é os meus braços e as minhas pernas", diz.

Com o filho de 7 anos —que nasceu na época em que os primeiros sintomas surgiram—, Claudestony joga bola e anda de bicicleta. Pegou tanto gosto pelas duas rodas que chega a pedalar por 50 km, uma marca que impressiona até mesmo os seus médicos. "A gente não pode viver a doença, tem que viver a vida", reflete. "Tem vez que eu nem lembro que estou doente", comemora.

Caranguejo

Apesar do mieloma múltiplo ser uma doença ainda sem cura e causas conhecidas, o médico Edvan Crusoe afirma que é uma das que mais se revolucionou nos últimos dez anos do ponto de vista oncológico. "Eram pouquíssimos remédios, de 2013 para cá foram aprovados muitos novos", afirma. "Os pacientes tinham uma sobrevida, geralmente, de três, no máximo, cinco anos. Agora se fala em dez anos, até mais", diz.

Não existe um método de prevenção, já que as causas da doença são desconhecidas. Mas, se feito um diagnóstico precoce, o paciente pode viver bem, sem sequelas como fraturas ósseas e insuficiência renal.

Como os sintomas podem confundir com os de outras doenças, o médico explica que existe uma sigla em inglês que pode ajudar a identificar o mieloma múltiplo: CRAB: o C é de hipercalcemia (nível elevado de cálcio no sangue), o R de insuficiência renal, A de anemia e B de lesões ósseas.

Geralmente, os pacientes chegam com esses sintomas, mas um exame que pode ajudar no diagnóstico é a eletroforese de proteínas, diz Crusoe. "Ele pode identificar uma proteína errada no sangue precocemente", afirma.