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Rímel de carvão e blush de beterraba: há riscos nas maquiagens caseiras?

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Guilherme Gama

Colaboração para VivaBem

24/02/2022 04h00

Batom de sabugueiro, sombra de farinha de arroz, rímel de carvão ativado e blush de beterraba. Esses são alguns dos produtos de maquiagens naturais e caseiras que têm se popularizado entre quem busca uma forma sustentável, barata e ecológica de se maquiar —e desconhece os riscos que corre quanto à saúde da pele.

Diferente dos biocosméticos, que visam uma redução dos impactos ambientais da indústria e ainda seguem os critérios de fabricação, mas maquiagens caseiras são feitas através de receitas práticas, em geral, triturando, misturando e aquecendo diferentes ingredientes ditos naturais em casa.

Porém, segundo médicos dermatologistas e especialistas na fabricação de cosméticos consultados por VivaBem, ainda que ditas naturais, as maquiagens caseiras não são seguras e podem causar alergias, infecções, irritações e queimaduras, e até agravar problemas de pele prévios.

O risco da contaminação microbiológica

Germes, sujeira, mão suja, vírus, bactérias, fungos - iStock - iStock
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Para os especialistas, o maior risco do uso de maquiagens caseiras está na contaminação microbiológica, isto é, na presença de microrganismos nos cosméticos, como bactérias e fungos, capazes de causar doenças.

Os riscos de contaminação começam nas matérias-primas usadas para a fabricação dos produtos. Ingredientes como argila e extratos vegetais podem estar contaminados em sua origem, assim como a maior parte do que é extraído da natureza e, para isso, a indústria de cosméticos utiliza rígidos protocolos de controle de qualidade, inclusive da água, para garantir a pureza físico-química e microbiológica das matérias primas.

O controle do manuseio dos ingredientes para fabricação das maquiagens também é importante para certificar a segurança do produto. Industrialmente, a produção das cosméticos segue regras de BPF (Boas Práticas de Fabricação) entre funcionários.

Os regulamentos vão desde unhas e barba aparadas até vestimentas específicas como luvas, máscaras, gorro e aventais, além das restrições de acesso ao espaço. Tudo isso para que gotículas expelidas por um manipulador não cheguem até a fórmula de uma sombra e disseminem fungos, por exemplo.

Para além da proteção do produto, quem manipula as maquiagens também pode estar exposto. Algumas das maquiagens caseiras populares levam carvão ativado em pó na receita, partículas muito pequenas que, se inaladas, podem desencadear problemas respiratórios.

Ainda que fosse possível descontaminar os ingredientes, em casa, manter condições de higiene dos equipamentos e mãos e a segurança de quem manipula os cosméticos é uma tarefa no mínimo desafiadora.

Outro desafio, e perigo à saúde, está nas embalagens, que também podem estar contaminadas. Na indústria, as embalagens passam por testes de compatibilidade com o produto, para verificar a proteção da substância de fatores externos como luz e temperatura —o que não pode ser feito de modo caseiro.

Na fabricação caseira, também não há controle das propriedades químicas dos ingredientes e de suas possíveis mudanças após o armazenamento. Sem estipulação de validade, por exemplo, até mesmo o que poderia ser seguro, em dias pode deixar de ser, principalmente devido à falta de conservantes e preservantes microbiológicos específicos para cada formulação.

Por essa e outras razões, a ABC (Associação Brasileira de Cosmetologia) não recomenda a fabricação, o uso e comercialização de produtos cosméticos caseiros sem a certificação dos órgãos competentes.

Infecções, alergias e irritações

Babosa é benéfica por possuir propriedades extremamente hidratantes - iStock - iStock
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Ao colher babosa ou aloe vera no jardim de casa e extrair seu óleo com as mãos para compor um fixador de base caseiro —armazenado em um pote qualquer por tempo indeterminado— o risco de, junto do produto, bactérias e fungos serem levados à pele é bem alto.

Vale destacar que o produto pode estar visualmente contaminado, quando é possível ver a olho nu a formação de bolor, mas os microrganismos também podem ser imperceptíveis aos olhos humanos.

Uma vez contaminadas, de acordo com os dermatologistas consultados por VivaBem, as maquiagens caseiras podem causar infecções de pele, sobretudo se já estiver vulnerável com pequenos cortes e feridas. As infecções podem ser moderadas e gerar, por exemplo, foliculite —uma inflamação nas glândulas onde nascem e crescem os pelos, semelhante a espinhas na pele.

Entre as infecções mais severas e comuns estão o impetigo, que provoca feridas com crostas amarelas no rosto, e a conjuntivite bacteriana ou viral, quando a infecção atinge a membrana ocular. Em ambos os casos, pode ser necessário o uso de antibióticos no tratamento.

Outra inflamação comum é a dermatite de contato, doença conhecida pelas erupções cutâneas, que também pode ser causada por reações alérgicas. Compostas por ingredientes não regulados para uso tópico, as maquiagens caseiras não raramente geram alergias, inclusive nos olhos, como em casos de conjuntivite alérgica. Apesar de serem considerados naturais, essas substâncias podem ser reconhecidas pelo nosso sistema de defesa, dando início ao processo alérgico.

Algumas matérias e substância seguras do nosso dia a dia podem oferecer risco se retirados de seus contextos e aplicados sobre a pele, olhos e boca. Um exemplo é o giz de cera, comumente usado para colorir papel e que pode provocar vermelhidão, coceira, ressecamento e descamação da pele se usado como maquiagem.

Essa lógica vale também para cascas de frutas, polpas e outros extratos vegetais, usualmente destinados à alimentação. Para casos de reações alérgicas, é recomendado interromper o uso do produto e, se necessário, buscar dermatologistas para administração de antialérgicos.

Os profissionais destacam que o teste em pele não é suficiente para verificar se o produto trará irritações ou reações alérgicas. Diferente das irritações dérmicas primárias, que tendem a se manifestar no primeiro contato com o alérgeno, as irritações dérmicas cumulativas podem ser percebidas algum tempo após a primeira aplicação. O teste de maquiagem exige um padrão farmacológico de execução regulado pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

Manchas, queimaduras e agravamento de doenças

óleo essencial cromoterapia e aromaterapia - Natalie Maro/Getty Images/iStockphoto - Natalie Maro/Getty Images/iStockphoto
Imagem: Natalie Maro/Getty Images/iStockphoto

Algumas receitas levam frutas e óleos essenciais em sua composição. De acordo com os médicos, usar limão, manga, caju, figo e óleo essencial de laranja não é uma boa ideia quando o assunto são os cosméticos. Ricos em psoralenos, substâncias que ativam a produção de melanina associada à luz ultravioleta a (UVA) do sol, essas substâncias podem causar manchas e queimaduras em contato com a pele exposta à luz. Por isso, esses óleos e frutas são conhecidos pela sua fototoxicidade, ou seja, são tóxicos na presença do sol.

Industrialmente, os produtos naturais passam por processo de purificação, que isola os ativos responsáveis por benefícios à saúde e garante a segurança de uso. Os especialistas destacam que não há comprovação científica de que, apenas aplicados sobre a pele, frutas e vegetais possam ter seus nutrientes e vitaminas absorvidos e apresentar benefícios ao organismo.

O uso desses cosméticos caseiros também está relacionado com o agravamento de problemas de pele prévios, como a piora no quadro de acne. Em pessoas que têm rosácea, doença inflamatória da pele, o rosto pode ficar ainda mais vermelho e gerar maior desconforto. Outros exemplos de doenças que podem ser agravadas nesse contexto são dermatite atópica e dermatite seborreica.

Fontes: Antonio Celso da Silva, químico, diretor da ABC (Associação Brasileira de Cosmetologia) e diretor industrial na Payot; Flávia Addor, médica dermatologista da SBD (Sociedade Brasileira de Dermatologia); Paula Yume, médica dermatologista pela USP (Universidade de São Paulo) e com experiência no HC-FMUSP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo); Renato Shintani Hikawa, médico dermatologista e membro indicado da SBD; e Rossana Veiga, médica dermatologista e professora de dermatologia e cosmiatria da UFPA (Universidade Federal do Pará).