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'Mães de UTI neonatal', elas se apoiaram para alimentar os bebês prematuros

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Imagem: iStock

Danielle Sanches

Do VivaBem, em São Paulo

02/01/2022 04h00

A cena é repetida inúmeras vezes na cabeça de qualquer gestante: o parto tranquilo, a recuperação evoluindo bem e o tão aguardado momento de sair da maternidade para casa levando o bebê nos braços. Mas, para algumas mães, esse momento tão esperado e idealizado não acontece dessa forma: são as mulheres que acabam tendo seus filhos antes do esperado e, por conta da prematuridade, precisam deixá-los na UTI neonatal sob cuidados constantes.

A prematuridade, ou pré-termo, é caracterizada quando o bebê nasce até a 37ª de gestação (36 semanas e 6 dias). É uma fase delicada para a criança, pois é justamente nesse período final que o sistema cardiorrespiratório amadurece. Por isso, esses bebês chegam menos preparados para a vida fora do útero e podem ainda desenvolver problemas como asma e alergias respiratórias.

De acordo com o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, o Brasil é o 10º país no ranking global de prematuridade, com 300 mil prematuros nascidos em 2019. Um outro dado, desta vez do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) e do Ministério da Saúde, mostra que, no Brasil, 11,7% de todos os partos ocorrem antes do tempo.

Batalhas dentro e fora da UTI

Enquanto os bebês lutam para sobreviver dentro das incubadoras na UTI neonatal, as mães travam também suas próprias batalhas do lado de fora. "Elas chegam muito angustiadas e frustradas", afirma Sônia Simarro, médica da UTI neonatal do Hospital da Luz, em São Paulo, que possui um centro de cuidados de referência para esses casos. "Não estava nos planos irem para casa sem o filho no colo. O que mais ouvimos é a pergunta, a expectativa de saber quando eles receberão alta também", afirma.

Roberta Carolina de Almeida, psicóloga que atende os pais na UTI neonatal do hospital, explica que é comum uma certa dificuldade em lidar com aquela situação. "Mesmo que a mãe saiba antes do parto da necessidade de cuidados intensivos, a maioria nunca entrou em um ambiente desses, não tem familiaridade com a rotina do lugar, os cuidados", diz. "É muito comum a dificuldade em lidar com a impossibilidade de interação, de pegar no colo, de tocar o bebê, de não poder amamentar no seio", afirma.

O sentimento de solidão e impotência é grande. Nicoli dos Santos, enfermeira da UTI neonatal, sabe disso duplamente: não apenas ela vê as mães todos os dias nessa situação no seu dia a dia de trabalho como ela própria passou por isso no nascimento da filha, Liz, hoje com um ano. "Já sentia empatia por elas antes de ser mãe, mas hoje vejo com mais clareza como elas precisam de muita atenção e carinho", conta.

Nicoli conta que o trabalho na UTI neonatal pode ser bastante pesado. "Não tem como não se abalar quando algum deles fica mal, eles são apenas bebezinhos, é impossível lidar bem com isso", afirma. "Mas eu converso com Deus todos os dias, peço esperança e paciência, às vezes rezo com as mães também. Precisamos ter confiança de que vai dar tudo certo", diz.

Amizade na adversidade

É nesse cenário de preocupação e angústia que muitas mães se encontram e acabam formando laços de afeto que as ajudam a superar esse momento tão difícil de suas vidas. Foi o caso de Camila, Tatiana, Gisele e Amanda —ou, como elas gostam de se chamar, o "Quarteto Fantástico".

As quatro enfrentaram problemas variados durante a gestação em 2021 e receberam seus bebês antes das 37 semanas de gestação —no caso de Antonella, filha de Camila, um dos casos mais delicados, o parto ocorreu com 26 semanas depois de um parto normal que começou de forma espontânea.

A interação entre elas se iniciou justamente no lactário, espaço da maternidade em que elas se sentavam e utilizavam as bombas para retirar o leite que iria alimentar os bebês via sonda. O apoio do grupo fez com que elas superassem a dificuldade na extração de leite que, muitas vezes, se torna difícil tanto pelo estímulo —enos eficiente do que o contato e a interação com o bebê— como pelo estado emocional frágil das mulheres.

Para Almeida, para entender essa ligação formada por essas mães, é preciso entender antes a situação na qual elas estão inseridas. "Há uma grande frustração e é comum que familiares e pessoas de fora não entendam exatamente o que elas estão passando e até fazem comentários inadequados, aprofundando o sentimento de tristeza e culpa", avalia.

"A interação entre as mães ajuda a lidar com as expectativas, cria uma sensação de pertencimento, de acolhimento, e ainda constrói uma relação que fortalece todo o grupo porque elas torcem pelos filhos umas das outras", acredita a psicóloga.

A seguir, as mães contam suas histórias de superação —todas com final feliz:

Antonella - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

"Comecei a cuidar de mim"

"Antonella nasceu com 26 semanas, de parto normal. Foi difícil vê-la tão frágil, tão delicada, na incubadora na UTI neonatal. Saber que eu precisava tirar leite para alimentá-la me dava forças, mas nos primeiros dias não consegui tirar nada e aquilo me desesperou. Conversei com a psicóloga do hospital, voltei para casa sem ela depois da alta e só então o leite desceu. Mesmo assim, o 'tetê abençoado', como chamávamos o leitinho, demorou a sair na quantidade necessária. Não desisti e comecei a cuidar de mim: comer direito, beber muita água.

Também passei a estimular com uma bomba elétrica em casa. Logo, já conseguia retirar 150 ml de cada peito. Foi uma vitória. Antonella ficou 81 dias na UTI e, nesse tempo, nós formamos o nosso 'quarteto fantástico'. Nos apoiávamos o tempo todo, fazíamos corrente de oração, nos acalmávamos. Era importante pois, sem estabilidade emocional, o leite não vinha. Nossa amizade foi muito importante para conseguirmos superar esse momento." (Camila Sintra)

Tatiana - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

"Só quem viveu aquilo sabe"

"Já era mãe de um menino de 13 anos e de uma menina de 9; a gravidez do Enzo não foi planejada. Fiquei desesperada, tinha alguns planos para o momento, mas segui em frente. Com 26 semanas, comecei a ter alguns picos de pressão alta. Precisei ficar internada e aquilo me deixou ainda mais nervosa —as crianças estavam tendo aulas online por causa da pandemia e não conseguia acompanhar. Com 28 semanas, a pressão subiu demais, o bebê entrou em sofrimento e precisei passar por uma cesárea. Enzo nasceu e deu um chorinho baixo, enquanto tive uma hemorragia por conta da pressão.

Fiquei internada mais uma semana até que o problema fosse controlado. Ele só precisava ganhar peso, mas demorou um pouco —ele ganhava e perdia de novo, precisou de transfusão de sangue, foi um pouco demorado. Me dividir entre os filhos em casa e o hospital foi difícil, me estressava, estava cansada e acabei tendo pouco leite por causa disso. Foi um momento muito delicado, minha filha estava indo mal na escola e me pediu para ficar em casa com ela.

Nesse furacão, as meninas foram meu porto seguro. Só quem vive aquilo sabe o valor daquelas amizades. Nós tirávamos o leite juntas, dávamos risada, era um momento de descontração que foi muito importante na minha história. Quando voltei para casa, parece que tudo se resolveu, o leite começou a vir e pude amamentar sem problemas. Continuamos nos falando e trocando informações até hoje, foi algo muito intenso que vivemos." (Tatiana Duran)

Gisele - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

"Cuidávamos uma da outra"

"Já era mãe de um rapaz de 21 anos quando resolvi engravidar novamente, aos 37. A gravidez foi tranquila, mas a Stella nasceu com 34 semanas. Nasceu com pequena, com apenas 1,5 kg. Os primeiros dias foram um choque para mim, entrava na UTI e chorava de vê-la daquele jeito. Conheci primeiro a Camila [Sintra] no lactário. Era o momento em que conseguia descontrair e rir um pouco.

Nós cuidávamos uma da outra, lembrávamos da hora de comer, dividíamos marmitas. Não conseguia tirar muito leite, o estímulo da máquina não é igual ao da sucção do bebê. Graças a Deus, com ela mamando, consegui aumentar a produção. No total, foram 62 dias de UTI, um período muito difícil, uma montanha-russa emocional. Mas agradeço por ter encontrado as meninas, todas tivemos um papel importante na vida uma da outra." (Gisele Gama)

Amanda - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

"Nosso encontro foi uma dádiva"

"A gravidez do Augusto foi inesperada, mas tranquila até a 30ª semana. Foi quando comecei a ter picos de pressão arterial e acabei ficando internada. Uma semana depois, a médica decidiu por uma cesárea de emergência, já que ele estava se mexendo pouco e minha pressão continuava a subir. Ele nasceu bem, mas dois dias depois, precisou passar por uma cirurgia, pois o abdome estava distendido e precisavam saber o motivo.

Ele, que até então estava relativamente bem, precisou ser sedado e intubado, e voltou pálido, recebendo sangue. Augusto teve uma perfuração no estômago —ele ainda teve mais três perfurações no órgão e uma no intestino alguns dias depois, o que o levou para a segunda cirurgia sem nem um mês de vida. Ele estava muito frágil e o médico não me deu certezas. Voltei arrasada para casa, chorei muito, pedi a Deus um sinal.

No dia seguinte, quando fui visitá-lo, coloquei a mão nele e ele segurou meu dedo. Entendi que era um pedido: 'Mamãe, eu tô aqui, aguenta firme'. E, a partir de então, ele foi se recuperando. Quando estava para sair da UTI, descobrimos uma hérnia no saco escrotal; foi preciso uma nova cirurgia, mas dessa vez mais simples. Ao todo, foram 52 dias de internação, 42 dias de UTI, 22 deles, intubado. Para não perder o leite enquanto ele não poderia se alimentar, comecei a tirar com uma bombinha em casa. Só que a minha produção era grande e decidi doar enquanto ele não poderia tomar.

Nesse meio tempo, conheci as meninas e ficamos muito amigas. Só quem é mãe de UTI entende todo o estresse pelo qual passamos, e nosso encontro foi uma dádiva. Nos apoiávamos o tempo todo e ficávamos felizes e tristes pelas outras. Até hoje nos falamos todos os dias, comemoramos 'mêsversário' dos bebês e estamos sempre em contato. Brincamos que as crianças são amigas desde a incubadora." (Amanda Tardelli Caldeira)