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Nilton, o doador de sangue que já salvou centenas de vidas

Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Frederico Cursino

Agência Einstein

25/11/2020 11h59

Quando Nilton Costa foi doar sangue pela primeira vez, em 2004, descobriu que tinha o perfil adequado para transferência de plaquetas. Encontrar esse tipo de doador é um pouco mais difícil do que o procedimento comum, e a transfusão de plaquetas é muito importante para o tratamento de doenças graves, como leucemias e outros tipos de câncer.

Nilton então percebeu que tinha um dom, e incumbiu a si mesmo o compromisso de, ao menos duas vezes ao mês, comparecer a um hemocentro para fazer a doação de plaquetas. Enquanto o sangue total, com todos seus componentes - hemácias, plasma, plaquetas e leucócitos - pode ser doado até quatro vezes por ano por uma mesma pessoa, o limite de doações das plaquetas por homens é bem maior: quatro vezes por mês.

O baiano de 44 anos nunca vestiu capa, nem sobrevoou prédios. Mas é possível que tenha salvado algumas centenas de vidas ao longo desses pouco mais de 15 anos. No último dia 17, completou a sua 104ª doação, segundo ele. E a próxima visita ao hemocentro já tem data marcada: 25 de novembro, Dia Nacional do Doador Voluntário de Sangue.

"Atualmente faço doação para nove hospitais em São Paulo. Decidi doar por saber que estou ajudando alguém, independentemente de conhecer a pessoa ou não. Alguns me perguntam se já tive caso de câncer na família, mas eu respondo que é um compromisso que eu tenho, e se fosse eu quem estivesse precisando, também gostaria que alguém fizesse o mesmo por mim", conta o doador.

A missão também exige empenho. Nilton trabalha em dois turnos: à tarde, na construção civil, e à noite, como porteiro. Para comparecer aos bancos de sangue com tamanha frequência, é preciso se programar. Mas ele afirma que, nessa década e meia, só usou o atestado médico uma única vez: "Tenho duas preocupações: com a empresa, para não a prejudicar, e com a pessoa que está esperando a minha doação, e que não pode esperar. Por isso, eu também tenho que fazer um esforço."

Toda essa aplicação tem se multiplicado em tantas outras vidas salvas. Calcula-se que, em uma única transfusão, cada doador possa ajudar de três a quatro pessoas. Isso significa que Nilton teria mudado a vida de até 400 pacientes ao longo de sua jornada de doador: "Um colega até me falou uma vez: você já parou para pensar que tem sangue seu em pessoas no Brasil inteiro?", brinca.

Apesar da aura de quase herói anônimo, por tantas pessoas ajudadas ao longo da vida, o porteiro e construtor civil nem sempre age como um paladino invisível. Ele diz que, muitas vezes, já conheceu pacientes receptores de seu sangue, e uma das histórias, inclusive, o emociona. Na ocasião, um paciente de 35 anos que passaria por um transplante de medula óssea chorou ao vê-lo entrar em seu quarto: "Eu olhava para ele, ligado a aparelhos, e isso cortava o meu coração. Uma semana depois, ele acabou falecendo. Até hoje não esqueço", conta.

Hemocentros em estado crítico

A pandemia do novo coronavírus afetou gravemente os hemocentros de todo o País. Segundo a Coordenação-Geral de Sangue e Hemoderivados do Ministério da Saúde foi registrada, em outubro, uma queda em torno de 20% nos estoques em comparação ao mesmo período do ano passado.

Na Fundação Pró-Sangue, em São Paulo, os profissionais de saúde estão operando com apenas 30% do necessário. E, de acordo com a médica da instituição Helena Sabino, está difícil reverter a situação. "Estamos trabalhando com estoque para três dias no máximo, sendo que muitas vezes, temos apenas para um dia. Com isso, estamos precisando priorizar os pacientes mais graves, e deixar de atender alguns", conta.

Helena conta que apenas a fundação é responsável por atender, em média, 100 hospitais da capital e Grande São Paulo. Para suprir o que seria a demanda normal dessas instituições, seria necessária a coleta de 9.500 bolsas de sangue por mês. No momento, a média tem sido de pouco mais de 6.500.

"Com a retomada dos procedimentos eletivos, os hospitais ficaram com uma demanda acumulada, enquanto as doações não voltaram ao ritmo pré-pandemia, porque as pessoas ainda estão receosas", explica.

A médica da Fundação Pró-Sangue ressalta que a doação não se torna mais arriscada por causa da pandemia (não dá para pegar covid-19 por transfusão, por exemplo), e que as equipes têm cuidado de todas as questões de segurança durante o trajeto e espera dos pacientes. Entre elas estão o agendamento obrigatório, para evitar aglomeração nas salas, funcionários paramentados, e cadeiras com maior distanciamento.

"Precisamos da ajuda de todos. A situação está bastante preocupante e deve piorar ainda mais com a chegada das festas de fim de ano, quando normalmente temos uma demanda grande", alerta.

"Não tem nada mais universal que a doação de sangue. Todos podemos precisar um dia, e a responsabilidade é coletiva. Além disso, a maior parte das pessoas é candidata. É um procedimento bastante seguro, não causa danos à saúde e, quando há intercorrência, é um mal-estar leve", acrescenta Helena.

No site da Fundação Pró-Sangue, estão listados os requisitos básicos e impeditivos para quem quiser fazer a doação. Homens precisam respeitar um intervalo de 60 dias e, mulheres, de 90 dias.

No caso da doação de plaquetas, o intervalo é de 72 horas. Outras condições são ter entre 16 e 69 anos (desde que a primeira doação tenha sido feita até 60 anos), pesar no mínimo 50kg, estar descansado e alimentado, não ser usuário de drogas, nem ter ingerido bebidas alcoólicas nas últimas 12 horas.

Para mulheres, a doação é impeditiva durante o período de gravidez, amamentação nos primeiros 12 meses e 180 dias após a cesariana.