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"Não levo desaforo para casa": quando sentir raiva vai além do normal

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Imagem: iStock

Roseane Santos

Colaboração para o VivaBem

22/10/2020 04h00

Resumo da notícia

  • A raiva é geralmente associada a outras sensações negativas ou é uma resposta a elas
  • Ela passa ser considerada um sentimento patológico quando há prejuízo nas relações interpessoais e consigo mesmo
  • A agressividade pode ser sintoma de TEI (Transtorno Explosivo Intermitente), caracterizado pela falta de controle sobre os impulsos agressivos
  • Quando se trata de TEI, um tratamento psicoterapêutico e medicamentoso tende a ter bons resultados

A representante comercial Bianca La Greca, 40, confessa que é o tipo de pessoa classificada como "pavio curto", mas que não se arrepende das vezes que perdeu a paciência. "Lembro que quando cheguei com a minha filha da maternidade, uma vizinha cismava em colocar uma música muito alta. Não tive dúvida, peguei meu carro e comecei a buzinar na frente da casa dela, gritando. Não levo desaforo para casa".

Patrícia Santos, palestrante e especialista em gerenciamento de raiva pela Nama (National Anger Management Association), de Nova York, diz que a raiva faz parte das emoções, mas é importante saber o que fazer com ela. Segundo a coautora do livro "Raiva, quem não tem?", saber administrar essa sensação é uma das competências que marcam o caminho em direção à aprendizagem e ao desenvolvimento emocional.

Santos ainda diz que a raiva é frequentemente associada à frustração. "As coisas nem sempre acontecem da maneira que queremos e as pessoas nem sempre se comportam da maneira que achamos que elas deveriam. A raiva é geralmente associada com outras sensações negativas ou é uma resposta a elas". Outros sentimentos também podem ser confundidos dentro desse cenário. "Você pode estar se sentindo magoado, assustado, decepcionado, preocupado, constrangido e pode expressar tudo isso em forma de raiva, sendo ela também um resultado de mal-entendidos ou falta de comunicação entre as pessoas", diz.

De acordo com a psicóloga Daniela de Oliveira, do Hospital das Clínicas, a raiva, enquanto emoção, geralmente existe para nos dizer que algo não está bom, que algum limite está sendo ultrapassado. Mas não pense que pessoas que têm pouca contenção de seus impulsos de agressividade têm um perfil único. "Elas podem agir agressivamente por proteção e insegurança, por serem arrogantes e prepotentes ou ainda podem ser pessoas que acumulam demais as emoções e 'estouram' por não aguentarem mais", diz.

Homem com celular smartphone e expressão de raiva ódio nervoso - kues1/ Freepik - kues1/ Freepik
Quando você̂ fica com raiva, há um aumento dos batimentos cardíacos e da pressão sanguínea e os hormônios do estresse são liberados
Imagem: kues1/ Freepik

Quando não é normal?

A raiva é uma emoção poderosa. Ela pode oscilar entre uma irritação leve e intensa, mas sempre vem acompanhada de mudanças biológicas. Quando se está com raiva, há um aumento dos batimentos cardíacos e da pressão sanguínea, e os hormônios do estresse são liberados, o que pode causar tremores e sudorese.

O comportamento também é alterado, geralmente se tornando mais agressivo. As pessoas gritam, jogam coisas, criticam, ignoram, atacam e, às vezes, simplesmente se retiram e vão embora.

Segundo Santos, a raiva passa a ser considerada um sentimento patológico quando as respostas agressivas prejudicam a existência da pessoa, atrapalham as relações interpessoais. Um bom medidor é notar a reação dos outros: se seus amigos evitam falar alguma coisa com medo da sua reação, de como você vai responder, é um sinal de é preciso mudar sua atitude. Dependendo da intensidade da resposta agressiva, o tratamento precisa de acompanhamento psiquiátrico e medicamentos.

A agressividade pode ser sintoma de TEI (Transtorno Explosivo Intermitente), considerado pela OMS (Organização Mundial da Saúde) um dos maiores e mais crescentes problemas de saúde pública no mundo. Ele é caracterizado como um transtorno psiquiátrico em que o indivíduo não tem controle de gerenciar seus impulsos agressivos. Essa pessoa tem, de modo repentino (três a quatro vezes por semana, em um período de três meses), ataques de fúria completamente desproporcionais, como agressões verbais e físicas, que não são justificadas pelo gatilho que levou a esse comportamento. É normal e comum que a pessoa se arrependa e sinta culpa depois da "explosão", mas esse descontrole é algo mais forte do que ela.

Oliveira pontua que a agressividade impulsiva, que é um reflexo da raiva, é uma patologia séria e que precisa de um tratamento psicoterapêutico e medicamentoso. As consequências principais desse transtorno são: sentimento de fracasso ao não conseguir resistir a um impulso perigoso para a própria pessoa ou para os outros; tensão crescente ou excitação antes de cometer o ato de agressão; arrependimento, autorrecriminação ou culpa após a agressão.

Apesar de não existir um exame específico para identificar o TEI, o diagnóstico é feito por exclusão de doenças, metodologia utilizada quando os sintomas são comuns a outras enfermidades. O transtorno pode ser detectado a partir dos seis anos de idade e os sintomas se acentuam na adolescência e na vida adulta, de acordo com o DSM-5 (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais). Pesquisas indicam que para cada três homens uma mulher é acometida pelo TEI; no Brasil, 3,1% da população sofre da doença.

Apesar de tudo, Santos diz que o sentimento é algo possível de se controlar. Quando a pessoa está em um estágio em que consegue reconhecer suas reações agressivas, existem algumas ações que se pode fazer. Entre elas, pensar nas consequências de seus atos agressivos ou contar até 10, procurando respirar mais profundamente. "São técnicas válidas de contenção de impulso", diz. No caso de diagnosticados com TEI, em geral, o resultado do tratamento depende do envolvimento do paciente, mas em dois meses já é possível ver melhora.

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Pensar nas consequências de seus atos agressivos ou contar até 10, procurando respirar mais profundamente, pode ajudar
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10 características de pessoas com predisposição à raiva

1. Baixa tolerância à frustração: se irrita facilmente, tem "pavio curto";
2. Postura critica e julgadora: pode ser muito competitivo e tentar ganhar um conflito ou debate a qualquer preço;
3. Perfeccionismo: nunca está satisfeito com o que realiza, nada é bom o suficiente;
4. Pensamento "tudo ou nada": as coisas são vistas em categorias binárias, como preto e branco, certo e errado;
5. Possessividade: o comportamento possessivo é um sinal de que lhe falta confiança ou sinal de insegurança;
6. Déficit de comunicação: dificuldade em focar naquilo que alguém está dizendo e pode ser difícil escutar cuidadosamente;
7. Comportamento punitivo: sente com frequência o desejo de punir os outros por vários motivos;
8. Personalidade adicta: tem predisposição a se tornar dependente;
9. Usa a raiva como uma maneira de se sentir mais poderoso: para defender sua identidade, usa a raiva para evitar se sentir vulnerável ou "inferior";
10. Ciúmes: a pessoa apresenta autoimagem distorcida e, para compensar, cria situações fantasiosas.

Como controlar a raiva

É importante ter consciência de que algumas situações não podem ser alteradas. Eventos que já aconteceram, por exemplo, fazem parte do passado. O que se pode mudar é o próprio olhar, a forma de perceber o que ocorreu e ressignificar aquilo. As especialistas também sugerem evitar pensamentos tóxicos e fazer algo que ocupe a mente, para que não haja espaço para pensamentos negativos. "Feche os olhos e imagine estar em seu lugar favorito. Quanto mais detalhes você visualizar, mais calmo e em paz você se sentirá", diz Santos. A seguir, veja outras dicas que podem ajudar nesse processo.

  • Meditação mindfullness;
  • Respiração profunda por 20 vezes;
  • Sair para caminhar (mexer os dois lados do corpo ajuda a trazer ativação para o córtex pré-frontal e sair do modo luta ou fuga);
  • Pensar nas consequências;
  • Entender qual a intenção da outra pessoa;
  • Perceber se existe uma pré-condição, algo que tenha acontecido antes, ou se a pessoa está estressada porque está com fome, cansada. É sabido que a perda de sono aumenta emoções negativas, como ansiedade e tristeza, e diminui emoções positivas, como felicidade e entusiasmo, por exemplo;
  • Evite responder e-mails ou mensagens no Whatsapp quando estiver nervoso;
  • Veja se essa situação terá muita importância após algum tempo;
  • Reveja se você não está demandando muita força para algo que pode ser resolvido de maneira mais leve;
  • Tome um banho frio;
  • Memorize um poema ou texto;
  • Faca declarações positivas como "Eu posso" ou "Eu mereço";
  • Faça sessões de massagem;
  • Coloque seu quarto em ordem (gavetas, armários);
  • Ligue para um amigo;
  • Aprenda a rir de si mesmo;
  • Altere seu "e se" negativo para "e se" positivo. Tente colocar uma linha diferente de questionamento para si. "E se algo positivo vier disso?" é um bom exemplo;
  • Faça atividades que lhe tragam calma e alegria;
  • Veja fotos de momentos felizes e pessoas que você ama;
  • Repare como esta a sua autoestima;
  • Pense em tudo que você tem de bom.