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Paciente incapaz de falar ou se mexer "desperta" com remédio para insônia

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Imagem: iStock

Bruna Alves

Do VivaBem, em São Paulo

08/10/2020 13h26

O que espera-se de um remédio para insônia? Que ele faça a pessoa dormir, claro. Entretanto, um paciente provou que o Zolpidem, remédio muito usado contra a insônia, pode fazer muito mais do que isso.

Aos 29 anos, Richard sofreu uma privação de oxigênio, depois de engasgar com um pedaço de carne. Por isso ele acabou perdendo a capacidade de falar, comer e até de se mexer, devido a uma grave lesão cerebral. Só que após tomar um comprimido de Zolpidem ele "despertou". O caso foi relatado no periódico Cortex.

"Sua condição é, na verdade, chamada de mutismo acinético, um quadro clínico bastante raro", disse Hisse Arnts, principal autor do estudo e neurocirurgião residente na UMC (Radboud University Medical Center ) de Amsterdã (Holanda).

"Esses pacientes têm um nível de consciência intacto, mas apresentam incapacidade de falar ou mover-se espontaneamente. O paciente está constantemente em um estado de vigília, de profunda apatia, aparentemente indiferente a dor, sede, fome e não mostra emoções", completa o especialista.

O efeito do medicamento

Sem apresentar nenhum sinal de melhora, a família do paciente se agarrou a um tratamento experimental. Uma especialista em cuidados com idosos sugeriu que um medicamento usado para insônia poderia apresentar um efeito positivo. A família aceitou, e Richard, então com 37 anos, recebeu o fármaco.

De acordo com o relato do caso, 20 minutos após a ingestão de uma única dose de Zolpidem, ele começou a falar espontaneamente, perguntou o que estava acontecendo e se podia pedir um fast-food. "O paciente teve um verdadeiro despertar", afirma Arnts.

Em seguida, ainda caminhou alguns passou e ligou para o pai, que não ouvia sua voz há anos. Ele permaneceu assim por mais de 30 minutos, antes de retornar ao seu estado anterior. A equipe médica deu a Richard uma dose do remédio em várias ocasiões, e ele reagiu de maneira positiva com períodos de atividades de até 2 horas.

No entanto, depois de receber a droga por vários dias consecutivos, os médicos perceberam "uma severa redução na eficácia". É como se o efeito diminuísse por causa da frequência.

Os especialistas então fizeram vários exames no cérebro de Richard, que mostraram hiperatividade em certas partes que o sono foi capaz de suprimir, criando espaço para fala e movimento.

"Se você pudesse comparar a função do cérebro, por assim dizer, a uma grande orquestra de cordas, em nosso paciente, os primeiros violinos tocam tão alto que abafam os outros membros da orquestra de cordas e as pessoas não podem mais se ouvir. O remédio garante que esses primeiros violinos toquem mais suavemente para que todos se reproduzam corretamente", explica Arnts.

Há outros casos descritos na literatura médica que relatam um despertar após a ingestão de Zolpidem em pacientes com distúrbios de consciência.

O que foi investigado?

Os pesquisadores investigaram, por meio de exames cerebrais, o despertar induzido pelo remédio, incluindo a recuperação da comunicação funcional e a capacidade de andar.

Eles mostraram que déficits cognitivos, perda de fala e deficiências motoras, causadas por lesão cerebral grave, estão associados a uma conectividade de banda beta mais forte em todo o cérebro. Com isso, eles sugerem que a recuperação neurológica, após o Zolpidem, ocorre com a restauração da conectividade de banda beta.

Uma revisão sistemática de 2017 analisou se o Zolpidem pode tratar condições de consciência (além da insônia), entretanto, não houve conclusões a respeito.

Este trabalho também defende que mais pesquisas precisam ser feitas para entender o papel do aumento da conectividade da banda beta no desenvolvimento de déficits neurológicos após uma lesão cerebral grave.

Errata: este conteúdo foi atualizado
Diferentemente do informado, o paciente não estava em estado vegetativo. A informação foi corrigida.