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Andrew Solomon: "Isolamento pode trazer danos físicos para depressivos"

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Imagem: iStock

Lia Rizzo

Colaboração para o VivaBem

15/04/2020 04h00

O Brasil é um dos países mais deprimidos do mundo e está no topo do ranking de casos de depressão na América Latina, segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde). Estima-se que 12 milhões de brasileiros, cerca de 5,8% da população do país, sofram com o problema —taxa acima da média global, que está em 4,4%.

Com o isolamento social instituído há quase um mês e, entre as poucas certezas do momento, a de que a experiência de passar por uma pandemia deixará marcas na vivência de todos nós, VivaBem conversou com Andrew Solomon, escritor, ativista e professor norte-americano, autor de O Demônio do Meio-Dia (Cia das Letras), best-seller e referência em depressão, que conta com a experiência do autor em sua própria batalha contra o distúrbio.

1.ago.2014 - O jornalista e ensaísta norte-americano Andrew Solomon, na mesa "Encontro com Andrew Solomon", durante a Flip, Festa Literária Internacional de Parati. A 12ª edição da Flip homenageia o escritor, jornalista e cartunista Millôr Fernandes - Flavio Moraes/Fotoarena/Estadão Conteúdo - Flavio Moraes/Fotoarena/Estadão Conteúdo
O jornalista e ensaísta norte-americano Andrew Solomon, durante a Flip em agosto de 2014
Imagem: Flavio Moraes/Fotoarena/Estadão Conteúdo
Ao refletir sobre os impactos do distanciamento social em quem já estava deprimido ou que, como ele, tem histórico de depressão e desordens mentais associadas sobretudo à ansiedade, Andrew considera que os danos podem ser até físicos para este grupo. Conforme pesquisas em que tem se aprofundado durante o confinamento em que também se encontra, ele aponta que os mais vulneráveis emocionalmente têm o sistema imunológico comprometido. "A resposta do organismo dos mais solitários já é diferente, podendo deixá-los mais propensos às doenças que estão justamente tentando evitar", explica.

A colocação do escritor vem embasada em um estudo publicado há cerca de cinco anos pela psicóloga americana Juliane Holt-Lunstad, especializada em neurociência e conexões sociais. Autora da primeira pesquisa de larga escala que relacionou os efeitos da solidão à ocorrência de doenças potencialmente fatais, Lunstad descobriu, por exemplo, que o isolamento social é duas vezes mais prejudicial que a obesidade e pode aumentar em 30% o risco de se sofrer um derrame.

Pandemia também de depressão?

Recolhido socialmente com sua família desde que a pandemia atingiu com mais força os Estados Unidos, onde vive, o autor chama a atenção para a solidão por considerar uma condição a que o isolamento fortuitamente nos submete. "Ontem um famoso psiquiatra me disse que considerava as duas coisas (solidão e distanciamento) diferentes. Não concordo. Você pode estar isolado com as pessoas que mais ama no mundo, como é o meu caso, e isso ainda é uma privação", pondera. "Não ter a oportunidade de se tocar, de segurar suas mãos é solitário, não importa quanto amor você tenha no coração neste momento".

A reação à necessidade de distanciamento social é diferente para cada pessoa, explica ele, considerando que são quatro os tipos de respostas prováveis numa situação como a que vivemos atualmente. Alguns terão mais calma, se apoiando em uma base psíquica quase inabalável. Outros, mais preocupados, talvez precisem de "primeiros socorros" psicológicos, mas nada intensivo. Para este grupo, o ideal é tentar se exercitar de alguma forma, resistir a checar notícias a cada cinco minutos e estabelecer na medida do possível uma rotina de sono e alimentação mais regradas.

"Há porém, aqueles que já estão experimentando dificuldades significativas desde os primeiros dias de distanciamento", aponta Andrew. "Depressão ocorre quando uma vulnerabilidade genética encontra gatilhos externos. E estamos rodeados deles neste momento". Por fim, os que já estavam deprimidos, podem desenvolver o que médicos chamam de "depressão dupla", quando a um distúrbio depressivo persistente se soma outro, chegando a um caso de dor insuportável.

Neste caso, valeria a pena nos arriscarmos um contato físico com familiares ou amigos de grupo de risco, que estejam deprimidos? Andrew é cuidadoso ao opinar. Para ele, o contato social deve ser mantido apenas se possível, dentro dos padrões de segurança necessários ao momento. A tecnologia, com seus recursos de chamadas de vídeo já adotados no mundo todo, pode e deve ser uma aliada. "Esses apps não seriam a primeira escolha para dizer a alguém o quanto é amado, é claro. Mas a situação que estamos vivendo também não é a primeira escolha de ninguém.".

Ainda que não substitua o contato físico, ligações virtuais frequentes certamente beneficiam aqueles que se encontram emocionalmente mais vulneráveis. "Este é um momento difícil para todos, deprimidos ou não. Mas especialmente as pessoas que sofrem com pânico, ansiedade ou tristeza precisam saber que não estão sozinhas", diz ele. "E que precisam tentar não se deprimir ainda mais, porque estamos falando em nos salvar, em salvar vidas".