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Tive câncer de mama e problema com prótese: Me sentia feia, médico foi anjo

Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Bárbara Therrie

Colaboração para o VivaBem

08/03/2020 04h00

A contadora Maércia Romara, 33, descobriu numa sexta-feira de Carnaval que tinha câncer de mama. Com 27 anos de idade na época, ela fez a mastectomia radical e precisou esperar seis meses até fazer a segunda etapa da reconstrução da mama. Durante essa espera, teve uma intercorrência e a prótese subiu ficando quase na altura da saboneteira. Conheça a história dela e saiba mais sobre essa condição:

"Em 2014, eu senti uma pontada do lado direito da mama, coloquei a mão e notei um pequeno caroço. Em uma semana, esse caroço cresceu. Procurei minha ginecologista, ela me examinou, pediu um ultrassom e já me encaminhou para uma mastologista, disse para eu levar o resultado direto para essa médica. Eu perguntei se poderia ser câncer de mama. Ela disse que não, falou que câncer não crescia rápido daquele jeito.

No ultrassom, o nódulo estava com 1 cm. Levei para a masto e ela pediu a biópsia. O resultado demorou 15 dias para sair. Nesse tempo, meu seio ficou deformado, as pessoas percebiam a diferença de tamanho pela blusa. Eu busquei a opinião de outros dois profissionais, mas eles disseram a mesma coisa que a minha ginecologista. Quando saiu a biópsia, o tumor já estava com 6 cm, do tamanho de uma laranja.

Após ler que tinha câncer de mama, fui fazer brigadeiro

Toda sexta-feira ia para a casa de uma amiga e a gente fazia um happy hour de brigadeiro. Essa amiga pegou o exame para mim, eu abri e li. Dizia que tinha um carcinoma ductal invasivo. Pelo nome, imaginei que não fosse algo bom. Procurei na internet e vi que era câncer de mama maligno. Na hora eu só pensei: 'É sexta de Carnaval. Eu não vou conseguir fazer nada agora'. Fechei o notebook e falei para a minha amiga e a irmã dela: 'Vamos fazer o nosso brigadeiro'. Elas ficaram chocadas.

Quando cheguei em casa e contei para a minha mãe, ela disse que o resultado estava errado. No domingo, conversei com um amigo oncologista e ele pediu para eu passar no consultório dele na semana. Nem voltei na mastologista, levei a biópsia direto para ele. Chegando lá, ele viu o laudo e ficou bastante apreensivo.

Ele me disse: 'O seu caso é grave, nós vamos ter de marcar a quimioterapia o quanto antes, estamos correndo contra o tempo'. Isso foi em uma quinta-feira, na segunda eu já fiz a primeira químio. Foram 16 sessões, 4 da vermelha e 12 da branca.

Foi horrível, eu vomitei mais de 30 vezes em um único dia.

Apesar do mal-estar, o que me deixou arrasada mesmo foi saber que meu cabelo iria cair. Tinha um cabelo lindo, liso, na altura da bunda. Estava preparada para tudo, mas não para ficar careca. Com 15 dias da primeira sessão, senti uma dor no couro cabeludo e já caíram os primeiros tufos na hora de pentear. Cortei chanel e conversei com a minha cabeleireira para tentar fazer uma peruca do meu próprio cabelo. Ela me ligou e perguntou se eu não aceitaria uma peruca de cabelo natural de uma outra cliente dela que também havia tido câncer. Eu disse que sim.

Nós marcamos e, no dia que essa moça, a Camila, foi na minha casa levar a peruca, o meu cabelo caiu todo no chuveiro, fiquei praticamente careca. Ela foi acompanhada do pai, que era pastor. Eles conversaram comigo, ela me contou a experiência dela, eles oraram por mim e o pai dela disse: 'Fica calma, você será curada até dezembro'. Isso foi em março, eu estava só no início do tratamento.

Estava cansada de sofrer: coloquei um lenço, me maquiei e fui num aniversário

Depois dessa conversa, refleti e cheguei à conclusão de que Deus não nos dá nada que não possamos aguentar. Sou evangélica e aprendi uma frase na igreja que incorporei durante essa jornada. O deserto é lugar de passagem. O câncer era o meu deserto. Ele ia passar e queria enfrentá-lo da melhor forma possível.

Coloquei a peruca que a Camila me deu, mas não gostei, não me reconheci daquela forma. Já tinha chorado tudo o que podia, estava cansada de sofrer. Coloquei um lenço na cabeça, me maquiei e fui no aniversário de uma amiga.

Meu amigo oncologista passou o meu caso para outros dois colegas. Todos eles atendiam no Instituto do Câncer. Apesar de ter convênio fiz todo o tratamento —químio, cirurgia e rádio— pelo SUS (Sistema Único de Saúde). Fui muito bem atendida, não tenho do que reclamar. Só fiz os exames pelo convênio para agilizar o processo.

Duas semanas após a químio, fiz a mastectomia radical da mama direita sem o esvaziamento axilar. O cirurgião colocou o expansor para preparar a pele, esticá-la para, posteriormente, reconstruir a mama e implantar o silicone.

No começo foi difícil, não me olhava no espelho sem roupa, não queria me ver sem o seio. Tinha vergonha e não queria que minha mãe nem ninguém me ajudasse a tomar banho.

Cirurgião disse que meu silicone ficaria próximo a saboneteira

Quinze dias depois eu comecei a fazer a radioterapia. Foram 30 sessões. Paralelamente a isso, toda semana eu ia ao médico para ele encher o expansor com um líquido. Cada vez que ele enchia, o expansor ficava com um volume de seio, parecia uma bola. Nesse processo, eu tive uma condição chamada contratura capsular (entenda mais abaixo).

A cicatriz que se formou ao redor do expansor contraiu, ele ficou enrijecido e 'subiu', ficou dois dedos abaixo do ossinho da saboneteira. Foi a primeira vez que me vi, eu estava horrível.

Todo mundo percebia que tinha algo de anormal. Tentava disfarçar usando blusinhas folgadas, não usava decote, biquíni, peças coloridas, só usava cores escuras. Colocava enchimento no seio esquerdo, mas não adiantava.

Tive de esperar seis meses da radioterapia para fazer a segunda etapa da reconstrução da mama. O cirurgião explicou que a contratura capsular possivelmente aconteceu por causa da radioterapia. Ele disse que a prótese de silicone ia ficar naquela altura e que não havia solução para o meu caso.

Tentava me manter vaidosa por fora, mas por dentro estava muito triste e abalada. Eu era uma mulher de 27 anos, solteira, que sonhava em casar e ter filhos. Um dos médicos já havia me dito que eu provavelmente ficaria estéril por causa da quimioterapia e agora isso.

Passava mil coisas na minha cabeça. Como vai ser quando eu me casar? Não queria que meu futuro marido me visse com aquela aparência. Me sentia feia e tinha muitas inseguranças.

Uma amiga viu uma reportagem de um cirurgião plástico e me mandou o nome dele. Liguei para a secretária dele chorando, precisava de uma segunda opinião. A minha reconstrução já estava marcada. Ela me disse que ele ia viajar e não tinha agenda.

Desliguei o telefone aos prantos, mas, um tempo depois, ela me retornou falando que ele ia me atender. No dia da consulta, esse cirurgião me mostrou uma foto de um antes e depois de uma paciente que havia tido o mesmo problema no expansor que eu. Não acreditei. A reconstrução tinha ficado perfeita.

Ele me tranquilizou dizendo que o meu caso tinha solução, que ele ia fazer a minha cirurgia e que ela ia ficar ótima.

Esse médico foi um anjo na minha vida. Ele me deu esperança e confiança, tudo o que uma mulher após sofrer um câncer de mama precisa.

Fui para a sala de operação super feliz, significava o fim do meu tratamento. Fiz o procedimento em um hospital particular, através da filantropia da Beneficência Portuguesa. Paguei R$ 14 mil das despesas hospitalares e do silicone.

O médico fez a reconstrução da mama com a minha pele das costas e refez a aréola com pigmentação. Ele colocou 350 ml de silicone na mama direita, 150 ml na mama esquerda e fez a simetrização nas duas para ficarem iguais.

Recuperei minha autoestima

Chorei de felicidade quando me vi, foi libertador. Não tinha mais vergonha e não precisava mais me esconder de ninguém. O pastor acertou na profecia dele de que até dezembro eu ficaria curada. Fiz a químio de março a setembro, fui submetida à mastectomia em setembro e terminei a rádio no final de novembro. Fiz os exames e não tinha mais nada. O meu deserto, o câncer, passou. Eu tinha fé que Deus ia me curar, e ele me curou.

Recuperei a minha autoestima com a reconstrução da mama. Meus seios ficaram perfeitos, fiquei mais bonita do que antes e me senti empoderada como mulher. Hoje minha cicatriz representa apenas uma lembrança do que vivi. É uma história que quero contar quando casar com meu namorado, o Luis Henrique, e tiver filhos com ele. Apesar do que o médico disse, creio que ainda vou ser mãe.

Aprendi várias coisas durante esse tratamento, uma delas é a importância de se buscar uma segunda opinião quando recebemos um diagnóstico e não estamos seguras daquela informação. Se eu não tivesse feito isso estaria infeliz com meu corpo até hoje.

A outra é que é bastante comum vermos pacientes morrendo ao longo do tratamento, por isso, é essencial conversar e trocar experiências positivas com quem já passou pela doença e venceu. Seja qual for a dificuldade que você estiver enfrentando, lembre-se, o deserto é lugar de passagem, o seu problema vai passar".

O que é contratura capsular

As técnicas de reconstrução são indicadas de acordo com a extensão da cirurgia oncológica. Na mastectomia (retirada total da mama), a pele pode ser preservada ou não. Quando removida, são utilizados expansores de pele (próteses sem o preenchimento interno), que são inseridas na mama.

Na reconstrução, essa prótese vazia é inserida submuscularmente e preenchida gradualmente com soro fisiológico através de uma válvula implantada abaixo da pele. À medida que a prótese vai ganhando volume, a pele vai distendendo e a mama ganhando forma.

Ao se implantar um expansor, o corpo faz uma cicatriz ao redor, isolando a prótese do contato com o tecido mamário, resposta absolutamente fisiológica. Quando a cicatriz, que os médicos chamam de cápsula, é forte e comprime o gel ou o soro fisiológico, a mama fica com uma consistência endurecida.

Essa condição é chamada de contratura capsular —quadro apresentado pela Maércia. No caso, houve o endurecimento da mama após a inclusão do expansor pela formação de uma cápsula muito intensa.

Como ela acontece?

Duas explicações técnicas podem esclarecer a razão pela qual um expansor pode se realocar em locais indesejados. A primeira possibilidade ocorre quando, ao retirar a mama toda, o médico perde o parâmetro inferior e o expansor pode ser implantado mais alto do que o desejado. O ideal é que a prótese seja inserida no sulco infra mamário, aquela dobrinha do limite inferior da mama (onde termina a mama e começa a parte mais superior do abdome).

A outra possibilidade relaciona-se com a radioterapia. No passado, estima-se que entre 40% e 60% das pacientes que reconstruíam com prótese e paralelamente submetiam-se à radioterapia desenvolviam contratura capsular.

Naquela época, a rádio era realizada utilizando-se um equipamento em que irradiava-se de forma mais abrangente. A pele ficava rígida e podia ocorrer o deslocamento desse expansor. Atualmente, os índices de contratura caíram para 5% a 10% quando realizados com equipamentos de última geração e com implantes associados a matriz dérmica acelular, que promove uma radiação mais direcionada e melhor distribuída.

Além do prejuízo estético, a contratura capsular pode causa dores. Pacientes relatam uma sensação de aperto, de algo comprimindo, como se fosse um sutiã apertado. É desconfortável para abraçar e dormir de bruços. O endurecimento com o deslocamento do expansor e a consequente deformidade da mama é o grau máximo de contratura.

Reconstrução de mama

No mundo inteiro, 80% das reconstruções de mama são feitas com silicone. Os cirurgiões plásticos brasileiros são bem treinados, tanto para realizar a cirurgia estética ou reparadora, quanto para resolver eventuais intercorrências, como a contratura capsular.

É importante citar que, em casos em que não há a possibilidade de uma reconstrução utilizando apenas o expansor, a opção é mobilizar tecido de outros locais do corpo (do dorso, abdome, glúteos, coxas) que não tenham sofrido radioterapia para substituir a pele que foi removida. Sempre é possível reconstruir a mama, independentemente da técnica.

Segundo dados do Inca (Instituto Nacional de Câncer), 60 mil mulheres recebem o diagnóstico de câncer de mama anualmente no Brasil, mas menos de um terço destas pacientes tem acesso à reconstrução. A Sociedade Brasileira de Mastologia indica que 90% dos casos clínicos de mastectomia são elegíveis à reconstrução imediata.

O termo conhecido como "breast in a day", tornou-se uma tendência mundial e permite a realização da mastectomia, a reconstrução da mama, da aréola, do mamilo e a simetrização em um único procedimento, quando o quadro oncológico permite.

Por lei sancionada em 1999, todas as mulheres que realizam a mastectomia para tratamento da doença têm direito à reconstrução pelo SUS. A lei foi atualizada em 2013 e ficou determinado que, quando existirem "condições técnicas, a reconstrução será efetuada no mesmo tempo cirúrgico". O procedimento de simetrização foi acrescentado por lei em 2018.

Nos grandes centros, como São Paulo e Rio de Janeiro, existem profissionais e instituições hospitalares capacitadas para fazer a cirurgia e a reconstrução em uma única etapa. Já nas pequenas cidades, o cenário é outro. Nem sempre haverá hospitais preparados, equipes qualificadas e disponíveis. Essa realidade mudará quando a população tomar conhecimento dos seus direitos.

A exigência pela reconstrução tem de ser compulsória e, a partir daí, as instituições serão obrigadas a se equiparem e os profissionais a se aperfeiçoarem na área. Saúde de qualidade é um direito de todos e dever do Estado.

A reconstrução causa forte impacto na qualidade de vida, na sexualidade, nos relacionamentos, na socialização, na vaidade e na autoestima da mulher. O tratamento e a luta contra o câncer de mama podem ser delicados e acarretar momentos de tristeza.

No entanto, depois do tratamento concluído e da reconstrução feita —sem prolongar o sofrimento e sem a necessidade de múltiplos procedimentos cirúrgicos seguidos—, a mulher terá mais chances de dar continuidade à sua vida, e reintegrar-se à família e à sociedade, de forma plena e com ampla qualidade de vida.

Fonte: Marcelo Sampaio, cirurgião plástico do Hospital Sírio-Libanês (SP), coordenou a reconstrução mamária do projeto filantrópico da instituição por 12 anos. É membro titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. Especialista em Cirurgia Plástica e mestre em Ciências pela USP (Universidade de São Paulo).