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Barriga solidária: como funciona o procedimento e quais as regras

Tema da novela global “Amor de Mãe”, técnica consiste na introdução de embrião em útero temporário - GETTY IMAGES
Tema da novela global “Amor de Mãe”, técnica consiste na introdução de embrião em útero temporário Imagem: GETTY IMAGES

Cristiane Bomfim

Da Agência Einstein

03/03/2020 11h44

Entre os anos de 1990 e 1991, a novela global "Barriga de Aluguel" deu visibilidade a um assunto polêmico para a época: a gravidez por meio de um útero de substituição. Opção para casos em que a mãe biológica não consegue gestar o bebê, o procedimento consiste na doação temporária do útero por uma outra mulher, que durante os nove meses carrega o bebê dos pais biológicos.

Trinta anos depois, o tema volta a ser discutido em um folhetim: "Amor de Mãe", exibida às 21h na TV Globo. Mas, apesar de ao longo destas três décadas que separam as duas novelas, esta técnica ter ganhado no Brasil normas definidas pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) para garantir mais eficácia e segurança tanto dos procedimentos quanto das pessoas envolvidas, o assunto é pouco difundido e dúvidas povoam o imaginário popular.

A decisão de gerar um filho em outro ventre não é fácil. "É algo que envolve pelo menos duas famílias e tem que ser muito conversado. A gente vai descobrindo os obstáculos, os problemas depois que toma a decisão", explica a funcionária pública Elaine Lakeisha, de 34 anos, que há pouco mais de três meses deu à luz a filha de uma amiga. O bebê recebeu o nome de Laís.

Tecnicamente, o procedimento é simples. "Para barrigas solidárias, é utilizada a fertilização in vitro, técnica de reprodução assistida bem consolidada na medicina", explica o ginecologista Eduardo Zlotinik, do Hospital Israelita Albert Einstein. O método consiste na união do espermatozoide com o óvulo em ambiente laboratorial para formação do embrião que depois é introduzido no útero. Para se ter uma ideia, o primeiro bebê concebido por fertilização in vitro nasceu em 1978 na Inglaterra. "O que gera dúvidas e preocupação ainda é o fato de a gestação ser na barriga de outra mulher que não é a mãe", continua o médico.

As regras para a Cessão Temporária de Útero estão descritas na Resolução de número 2168/2017 do CFM. Uma das mais importantes é que a doação temporária do útero "não pode ter caráter comercial ou lucrativo". Por isso, o nome popular no Brasil de Barriga Solidária. Coincidência ou não, a primeira versão do documento - de número 1358 - foi pulicada somente em 1992, um ano após o fim da novela Barriga de Aluguel. Outra norma determina que a cedente temporária da barriga "deve pertencer à família de um dos parceiros em parentesco consanguíneo até o quarto grau". Ou seja, podem ser barrigas solidárias mãe ou filha, vó, irmã, tia, sobrinha e prima.

Foi o caso da empresária Janaína Pohl, de 35 anos. Diagnosticada com câncer no colo de útero, ela foi submetida em 2013 a uma histerectomia, que é a retirada cirúrgica do útero, ovário e tecidos próximos aos órgãos reprodutores. "Achei que minha única chance de ter filho seria adotar. Então, entrei na fila da adoção até que um casal de amigos me disse sobre a possibilidade da barriga solidária", conta. Empolgada, faltava só a doação do útero. Em 2017, sua irmã Aline, que tinha acabado de ter o segundo filho, se ofereceu para carregar o bebê da irmã. Aline engravidou de Davi, seu sobrinho, em 2018. "Antes mesmo da gravidez iniciamos o acompanhamento psicológico, que é fundamental para todo mundo se prepare. Tem a burocracia, tem as expectativas e podem ter imprevistos", diz Janaína.

Já para Elaine, que engravidou da amiga, o processo foi um pouco mais longo. Por não ser parente de até quarto grau da mãe biológica, para engravidar precisou de uma autorização do Conselho Regional de Medicina (CRM) após uma avaliação, que incluiu seu perfil psicológico.

Ginecologista especializado em reprodução assistida e diretor da clínica e Instituto Gera, Joji Ueno, explica que em 30 anos de carreira fez apenas seis procedimentos do tipo. "A técnica é pouco procurada exatamente por desconhecimento da população e até pelo processo que é longo. Para que a Barriga Solidária aconteça, a família vai precisar procurar uma clínica especializada, um advogado e ter acompanhamento psicológico", diz o médico.

Acompanhamento psicológico

De acordo com a psicóloga Soraya Gomiero Fonseca Azzi, do Hospital Israelita Albert Einstein, a escolha pela barriga solidária tem de ser muito bem avaliada e acompanhada por psicólogos. Entre os pontos que devem ser avaliados, ela lista: riscos para a saúde da gestante, complicações que podem ocorrer durante a gestação (como desenvolvimento de diabetes gestacional), intercorrências no parto, cuidados com a alimentação, definição de regras entre a relação entre mãe biológica e doadora do útero, mudança na rotina. "São muitas questões que precisam ser pensadas e repensadas, discutidas com todas as pessoas envolvidas. Por exemplo, caso a doadora do útero já tenha filhos, como ela vai explicar para as crianças que o bebê que ela espera não é dela?", pondera a psicóloga.

"No meu caso, deu tudo certo. Eu e minha irmã não discutimos e tomamos todas as decisões juntas, incluindo como seria o parto e a opção por ela não amamentar", conta Janaina Pohl. O mesmo aconteceu com Elaine Lakesha, mas ela confessa ter ficado apreensiva em alguns momentos da gestação. "Fiz de tudo para que ela participasse dos mínimos detalhes, falava dos enjoos, das noites que não dormia, porque imagino que não é fácil ter seu filho na barriga de outra pessoa", diz Elaine.

Regras para barriga solidária

1. A cedente temporária do útero deve pertencer à família de um dos parceiros em parentesco consanguíneo até o quarto grau. Ou seja, pode ser barriga solidária mãe, filha, avó, irmã, tia, sobrinha ou prima
2. Em casos de parentes mais distantes ou quando não há relação consanguínea é preciso da autorização do Conselho Regional de Medicina (CRM) para continuar o processo.
3. A cessão temporária do útero não pode ter caráter lucrativo ou comercial.
4. As clínicas de reprodução assistida devem colocar no prontuário da paciente os documentos:

  • Termo de consentimento livre e esclarecido assinado pelos pacientes e pela cedente temporária do útero, contemplando aspectos biopsicossociais e riscos envolvidos no ciclo gravídico-puerperal, bem como aspectos legais da filiação;
  • Relatório médico com o perfil psicológico, atestando adequação clínica e emocional de todos os envolvidos;
  • Termo de Compromisso entre o paciente e a cedente temporária do útero, estabelecendo a questão da filiação da criança
  • Compromisso, por parte do paciente contratante de serviços de Reprodução Assistida, de tratamento e acompanhamento médico, inclusive por equipes multidisciplinares, se necessário, à mãe que cederá temporariamente o útero, até o puerpério;
  • Compromisso do registro civil da criança pelos pacientes (pai, mãe ou pais genéticos), devendo esta documentação ser providenciada durante a gravidez;
  • Aprovação do cônjuge ou companheiro, apresentada por escrito, se a cedente temporária do útero for casada ou viver em união estável.