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Equilíbrio

Cuidar da mente para uma vida mais harmônica


Uso de drogas afeta quem tem doenças psiquiátricas ou com propensão a elas?

Drogas - iStock
Drogas Imagem: iStock

Diego Garcia

Colaboração para o VivaBem

11/12/2019 04h00

Resumo da notícia

  • As drogas afetam tanto pessoas que já possuem uma doença mental como quem tem propensão a ter. Não existem níveis seguros para o uso de drogas
  • Quem já possui uma doença psiquiátrica pode ter seu quadro agravado ou desenvolver outra. Quem não tem, pode induzir o aparecimento de uma doença
  • Em adolescentes os danos à saúde mental podem ser sentidos na idade adulta. Abandonar a dependência das drogas é sempre a melhor opção

Sim. Praticamente quase todas as substâncias psicotrópicas podem causar problemas de saúde mental agudos ou crônicos. O uso de drogas, principalmente as estimulantes, tanto vai afetar quem já sofre de alguma doença mental como quem tem propensão a ter uma.

Uma pessoa que não tem nenhum transtorno, mas começa a consumir uma droga, altera o equilíbrio neuroquímico do cérebro e isso precipita o início de sintomas que podem evoluir para um adoecimento Rodrigo Grassi psiquiatra e pesquisador do Inscer

Ele diz que o exemplo mais clássico é o de adolescentes que tem histórico de psicose na família (irmão, pai ou um tio, por exemplo) e que não apresentava nenhum sintoma, mas, por conta do uso excessivo de maconha (cannabis) manifesta alguma doença mental, ou seja, essa pessoa poderia ser um familiar sem adoecimento, mas aumentou o risco devido ao uso das substâncias.

Quem já sofre de uma doença primária, esquizofrenia ou psicose, por exemplo, ao utilizar drogas, pode piorar o quadro ou adquirir outra doença, como uma depressão por exemplo, o que é chamado de comorbidade, como explica Rodrigo Grassi, psiquiatra, professor da Escola de Medicina da PUCRS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul) e pesquisador do Inscer (Instituto do Cérebro da mesma instituição) Pode ser também que o indivíduo tenha uma doença mental induzida pela droga: ao parar o uso, a doença acaba.

Como as drogas agem no cérebro

Em geral as substâncias psicotrópicas são identificadas pelo sistema nervoso central como se fossem parte dele. "Elas vão atuar em receptores específicos produzindo modificações, tanto no funcionamento como nas adaptações do sistema nervoso central a esses efeitos", explica Ricardo Amaral, psiquiatra do IPq-HC-FMUSP (Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo). Existem substâncias que podem atuar estimulando, deprimindo ou alterando de forma importante o funcionamento do sistema nervoso central.

Danos para a saúde mental

Amaral explica que os riscos do uso de drogas são relativos à quantidade e frequência de consumo. Ou seja, quando a pessoa passa a ser um usuário frequente, ela usa com uma certa regularidade a substância e em quantidades relativamente estáveis. Progressivamente ela pode aumentar a quantidade e, assim, ela correrá risco de um uso excessivo e nocivo, em que já existe algum dano de ordem psicológica ou física.

"Quando nós entendemos a questão do dano, nós pensamos em danos tanto no uso agudo como no uso crônico. Portanto, o que acontece com o sistema nervoso central é que ele vai se adaptando a presença dessas substâncias e tentando se equilibrar em função desses efeitos", argumenta. Ele complementa que quanto mais frequentes esses efeitos, mais é exigida uma adaptação do sistema nervoso central. Quando a pessoa faz um uso agudo, existe uma adaptação aguda do cérebro a essas substâncias.

Danos agudos

Em geral, os problemas agudos que estão relacionados à intoxicação. Quando a pessoa usa álcool e inalantes como opioides, por exemplo, os sintomas envolvem a depressão do sistema nervoso central, e a pessoa pode ter sonolência, dificuldade de movimentação, retardo motor e eventualmente pode apresentar ansiedade.

Drogas estimulantes como as anfetaminas, ecstasy, cocaína e o crack aumentam o funcionamento do sistema nervoso central. Os sintomas mais comuns são inquietude, excitação psicomotora e pensamento muito acelerado.

Amaral alerta também para o risco do uso de substâncias alucinógenas, como metanfetamina LSD (também conhecido como ácido, doce, papel e lisérgico) e alguns tipos de maconha: "Temos diferentes formas de apresentação da cannabis e entre as mais potentes existe um potencial de sintomas psicóticos maiores, ou seja, alucinações e delírios. Temos também algumas alterações relacionadas ao uso de LSD que estão mais relacionadas ao efeito agudo". Essas drogas produzem uma estimulação do sistema nervoso central.

Danos crônicos

Com relação aos efeitos crônicos provocados por algumas substâncias, eles envolvem um risco maior para o desenvolvimento de quadros psicóticos, principalmente quando a pessoa já tem uma predisposição ou quando já tem um transtorno mental prévio.

Uma consideração importante que Amaral faz é em relação ao álcool. "Nenhuma droga que tenha uma substância psicotrópica, por exemplo, é tão grave ou tão danosa quanto o álcool. Essa droga provoca uma série de alterações e adaptações, principalmente naquele usuário mais frequente". Além disso, as drogas têm efeitos tóxicos e podem lesionar algumas estruturas cerebrais e que não necessariamente ocasionarão em uma doença mental, mas podem trazer prejuízos a memória e atenção. Há estudos que dizem que esses prejuízos são reversíveis, outros dizem que são permanentes.

Amaral esclarece ainda que, no caso das substâncias estimulantes, a pessoa pode ter alguns efeitos adaptativos no cérebro que fazem com que ela busque cada vez mais essa quantidade da substância e não consiga ter uma estabilidade adequada, ficando mais excitada e mais inquieta quando usa a substância e mais prostrada e deprimida quando está em abstinência. "Então, todas podem causar danos, que vão ser bastante particulares, dependendo de cada substância e da quantidade da frequência no usol", completa.

Mas o uso das drogas na medicina?

São aspectos diferentes: existem muitas drogas que surgiram a partir de alguma substância retirada de um medicamento, como o ecstasy, por exemplo, uma droga que entre as misturas contém uma concentração de metilenodioximetanfetamina, mais conhecido como MDMA. A substância está patenteada desde 1912 e chegou a ser utilizada na medicina, mas, teve seu uso proibido. Alguns estudos recentes sugerem seu uso na psicoterapia, mas, ainda divide os especialistas.

Segundo Grassi, o que difere o uso de uma substância como medicamentosa ou tóxica é a quantidade administrada, o uso controlado e acompanhado por um médico. Toda droga ou todo remédio com ação no sistema nervoso central é uma substância psicoativa. "A diferença se fundamenta em estudos clínicos, ou seja, existe uma pesquisa que fez um estudo duplo cego randomizado e testou a droga nesse desfecho? Se sim e se melhorou o quadro, ela pode ser utilizada para este fim", explica.

O pesquisador ainda afirma que existe uma grande confusão entre o que é uma molécula psicoativa e o que pode ser transformado em um tratamento para uma doença. Não basta apenas ser uma substância psicoativa para ser utilizado em um tratamento.

O uso medicinal da maconha tem sido muito discutido no Brasil. Grassi diz que neste caso, o que a medicina tem pesquisado para fins terapêuticos são extratos isolados da planta e que podem ter eficácia em tratamentos como dor crônica e esclerose múltipla, mas, que ainda carecem de estudos mais conclusivos.

Os perigos do uso de drogas na adolescência

Pré-adolescentes e adolescentes devem evitar o uso de maconha, pois o uso está associado a um aumento significativo do risco de desenvolver depressão ou suicídio na idade adulta jovem, conforme estudo publicado em fevereiro deste ano no JAMA. Grassi diz que o risco desse indivíduo desenvolver uma esquizofrenia e psicose também é aumentado.

O pesquisador explica que o desenvolvimento cerebral termina por volta dos 22 anos. A maconha é uma inibidora e não estimulante, por isso é associada ao relaxamento. Um cérebro imaturo exposto a uma droga que tem um papel importante na liberação de neurotransmissores terá processos cerebrais inibidos e que não deveriam ser, por estar em formação.

"Talvez esses processos inibidos por uso crônico da substância na adolescência custem um dano grande e algumas áreas cerebrais não se desenvolvam ou se desenvolvam incorretamente, precipitando doenças mentais na fase adulta, devido as alterações ocorridas no processo de neurodesenvolvimento e maturação cerebral", argumenta Grassi. Se o adolescente tiver histórico familiar de doença psiquiátrica, o risco é ainda maior.

Como procurar ajuda

Não existem níveis seguros para o uso de drogas. Além dos danos à saúde mental, as drogas podem causar uma série de problemas à saúde física. Se a pessoa tem consciência, quer e consegue parar com o hábito das drogas, algumas dicas podem ajudar.

Segundo Amaral, o uso de drogas está associado a uma relação de prazer. Muitas vezes o indivíduo se prende a uma única fonte de prazer, que pode ser jogo, sexo, comida e não necessariamente o uso de substâncias, e fica dependente. Buscar outras formas de prazer é uma forma saudável de trocar o hábito do uso da droga por um esporte, por exemplo, ou outra atividade mais saudável.

Mudar o ambiente também pode ser favorável. Por exemplo, se a visitação a certos lugares está associada ao uso de drogas, o ideal é frequentar outros lugares onde ela possa controlar seu comportamento.

Outra orientação de Amaral é refletir no porquê a pessoa utiliza a droga, seja para melhorar rendimento, lidar com pressões ou problemas que não quer encarar e procurar ajuda de um profissional de saúde e discutir essas questões.

O uso de drogas no Brasil é considerado um problema de saúde pública e em quase todas as cidades existem lugares de apoio a auxilio para tratar a dependência, como os CAPs (Centros de Atenção Psicossocial para Álcool e Outras Drogas), o CAISM (Centro de Atenção Integrada em Saúde Mental), que também oferecem suporte para pessoas com problemas de saúde mental relacionados ao uso de álcool e outras drogas.

O primeiro atendimento pode ser realizado pela assistência primária da rede pública de saúde que fará os encaminhamentos necessários para cada caso.