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Estudo brasileiro descobre papel do hormônio do crescimento na reprodução

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Imagem: iStock

Luiza Caires

Jornal da USP

14/09/2019 09h58

Um trabalho de pesquisadores da USP (Universidade de São Paulo) ajuda a explicar o papel do hormônio do crescimento (GH) na reprodução. A partir de estudos em modelo animal cujos receptores para este hormônio foram deletados em diferentes grupos de neurônios, concluiu-se que ele não é determinante no desencadear da puberdade, mas caso alterado, pode retardar sua progressão e o ganho de peso —necessário para o início da puberdade — além de afetar o ciclo ovulatório. O estudo do grupo do ICB (Instituto de Ciências Biomédicas) da USP em parceria com pesquisadores da Universidade de Ohio (EUA) foi publicado este mês na revista científica Journal of Endocrinology.

Já se sabia que o GH também atuava na reprodução. Humanos com deficiência na sinalização do GH apresentam problemas de fertilidade, que podem eventualmente ser revertidos com a terapia de reposição. No entanto, como em outros casos na medicina, saber que um tratamento funciona nem sempre é acompanhado de uma explicação sobre por que funciona.

Desde pelo menos a década de 1960, os cientistas têm o conhecimento de um eixo chamado hipotálamo-hipófise-gonadal, que envolve as glândulas produtoras e os respectivos hormônios (GNRH, LH, FSH mais estrógeno e progesterona), em uma produção coordenada que regula o ciclo reprodutivo.

Já nos anos 2000, conforme se foram estudando as conexões neuronais, percebeu-se, por exemplo, que o neurônio que produz GNRH (hormônio liberador de gonadotrofina) não expressa, ou seja, não tem um receptor de estrógeno, considerado o hormônio modulador do eixo. Mas sabe-se que é o estrógeno que induz a liberação de GNRH. "Então, onde o estrógeno estaria agindo? Foram pesquisar e descobriram uma população de neurônios chamada Kiss1 (sintetizam proteínas chamadas kisspeptinas) que percebem a flutuação de estrógenos no organismo e ajudam a regular a liberação do GNRH", explica Tabata Bohlen, doutora pelo ICB e primeira autora do estudo.

Deste modo, ficou claro que "ainda era preciso descobrir muita coisa sobre as diferentes populações de neurônios que fazem a regulação deste eixo clássico" - no que este estudo dá uma importante contribuição.

"Os mecanismos da puberdade são muito complexos. Por isso nosso grupo acaba separando os estudos por alguns hormônios que estão relacionados. Mas o objetivo geral é entender os mecanismos neurais que controlam a reprodução" diz, Tabata Bohlen, que integra a equipe liderada pela professora Renata Frazão.

"Nosso grupo está interessado em entender a importância da modulação do sistema nervoso em processos relacionados à reprodução. Quais as vias neurais que modulam a fertilidade, por exemplo, entre outros processos", diz Renata Frazão, ao ressaltar que até muito recentemente se acreditava que as ações do hormônio do crescimento eram apenas periféricas, isto é, diretamente em órgãos e glândulas.

"Estudos de 2017 do nosso grupo mostraram que há uma sinalização muito importante do GH no sistema nervoso central. Se falharem estes componentes centrais, todo desenvolvimento da puberdade e fertilidade falham também. Em estudo publicado na revista Brain Research, demonstramos que neurônios essenciais no controle do eixo HHG são diretamente responsivos ao GH. Desta forma, este trabalho recente visava investigar se a sinalização do GH era necessária para que a puberdade ocorresse nas fêmeas".

A conclusão é que a falta da sinalização no sistema nervoso central não é requisito para que a puberdade aconteça, porém alguns parâmetros relacionados são afetados: "por exemplo, a falta da sinalização de GH modula negativamente a expressão de alguns genes essenciais para a reprodução", afirma Renata Frazão.

Marcar, localizar, recortar

Muitos estudos em endocrinologia verificavam suas hipóteses retirando ou interferindo no funcionamento de glândulas. Mas para estudar a regulação hormonal no nível dos neurônios, as ferramentas precisaram evoluir, colocando foco nos receptores para hormônios presentes nas células nervosas.

"Temos diferentes técnicas. Uma delas é a imunohistoquímica, que consiste em usar um anticorpo e marcar proteínas de interesse que podem servir como um marcador de células nervosas, por exemplo. Daí sabemos se a molécula que esse anticorpo marca está no neurônio, e dependendo da condição avaliada, se houve diferença nessa marcação ao compararmos as situações estudadas. Outra possibilidade, que foi o que fizemos neste estudo, é utilizar animais geneticamente modificados, ou seja, linhagens de animais que, quando criadas, tiveram uma mutação no seu DNA induzida", explica Tabata Bohlen.

Assim, células nervosas de modelos animais podem ter uma fluorescência associada com a expressão de genes específicos. "Quando colocamos a amostra de tecido no microscópio de fluorescência, os neurônios que expressam determinado gene brilham, por exemplo", detalha a cientista, ao lembrar que há modelos desenvolvidos para se estudar diversas populações de neurônios diferentes, cujos receptores para diferentes hormônios são eliminados.

Outra mutação é colocar no DNA uma enzima chamada Cre-recombinase, que atua como se fosse uma "tesoura genética", que reconhece e elimina o bloco do gene que já fora sinalizado com a colocação de proteínas (sítios loxP). Nesta pesquisa, os genes que determinam o receptor de GH.

Os modelos animais usados neste trabalho possuem mutações genéticas associadas ao seu DNA. Alguns expressam a enzima Cre-recombinase associada à expressão de um determinado gene, e outros possuem outra parte do DNA com sinalizadores de onde a "tesoura genética" deve cortar, que são chamados de sítios loxP.

"Usamos três modelos experimentais, em cada um deles a tesoura foi associada a um diferente gene. No primeiro modelo, induzimos a deleção do receptor de GH dos neurônios que sintetizam as kisspeptinas; no segundo, de neurônios que expressam o receptor de leptina (hormônio produzido pelas células de gordura do corpo); e num terceiro modelo, eliminamos a expressão de receptores de GH em todas as células do sistema nervoso central", conta Tabata. A ideia era ver o que aconteceria no amadurecimento sexual dos diferentes modelos. "Percebemos que dependendo de que população de neurônios estávamos eliminando esse receptor de GH, havia ou não influência na reprodução."

Resultados

No animal em que o receptor para GH foi eliminado do cérebro todo, não houve nenhum déficit reprodutivo, mas houve diferença na expressão de genes que estão relacionados ao metabolismo - algo fez com que o animal alterasse seu padrão de alimentação, ficando com um tamanho corporal próximo ao de um animal comum, mas maior que o dos outros dois modelos. Além disso, foi alterado o padrão do ciclo estral, o equivalente ao ciclo menstrual humano, que passou a ser mais curto e mais regular.

No modelo em que o receptor de GH foi deletado das células que expressam o receptor de leptina, os animais ficaram mais magros em relação aos controle. "Isso acabou corroborando o que já tínhamos visto nos outros estudos do grupo, que o organismo de fêmeas precisa chegar num certo padrão de peso e quantidade de gordura corporal para que o amadurecimento sexual aconteça", diz a pesquisadora. Assim, os animais demoraram para entrar em algumas fases do amadurecimento sexual, pois demoraram mais para chegar no patamar de peso necessário.

Por fim, nos animais que foi retirada a expressão de receptores de GH dos neurônios que sintetizam kisspeptinas, principais moduladores de neurônios GnRH, não houve nenhuma alteração de peso corporal nem de amadurecimento sexual, mas ocorreu diminuição na expressão de vários genes relacionados à reprodução.

"Avaliando os resultados, notamos que o GH não é um fator essencial para que a puberdade e o ciclo estral sejam estabelecidos, conclui Tabata Bohlen, ressaltando que este é um dos primeiros estudos que buscam uma relação direta do GH com puberdade e reprodução.

"Já que este hormônio não é essencial para a puberdade, precisamos entender agora se há outras funções reprodutivas que requerem a sinalização deste hormônio para o bom funcionamento do sistema reprodutivo", diz Renata Frazão, indicando que um dos prováveis desdobramentos da pesquisa talvez seja uma investigação mais detalhada de como as disfunções de peso podem interferir na fertilidade, já que o GH também influencia o peso corporal.

O artigo pode ser encontrado neste link.

Colaborou: Viviane Paiva Santana