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Sintomas, prevenção e tratamentos para uma vida melhor


A polêmica teoria que liga infecções a Alzheimer

E se micróbios dormentes ativarem o desenvolvimento do mal de Alzheimer? Esta é uma teoria que poderá ter profundas implicações para a prevenção da doença. - Getty Images/BBC
E se micróbios dormentes ativarem o desenvolvimento do mal de Alzheimer? Esta é uma teoria que poderá ter profundas implicações para a prevenção da doença. Imagem: Getty Images/BBC

David Robson* - BBC Future

14/01/2022 19h36

Parece cada vez mais possível que alguns vírus e bactérias comuns possam, a longo prazo, causar a morte de tecido neural e o contínuo declínio cognitivo.

E se micróbios dormentes ativarem o desenvolvimento do mal de Alzheimer? Esta é uma teoria que poderá ter profundas implicações para a prevenção da doença.

Há mais de 150 anos, os cientistas comprovaram que germes invisíveis poderiam causar doenças contagiosas, como a cólera, a febre tifoide e a tuberculose. A participação dos micróbios nessas doenças logo foi amplamente aceita, mas a "Teoria dos Germes" continua a surpreender-nos desde então - com enormes consequências para muitas áreas da medicina aparentemente não relacionadas.

Foi apenas nos anos 1980 que finalmente dois cientistas australianos descobriram que a bactéria Helicobacter pylori causa a úlcera do estômago. Até então, os médicos culpavam o estresse, os cigarros e o álcool pela doença. Cientistas da época consideraram a ideia absurda, até que ela acabou por merecer o Prêmio Nobel de Medicina em 2005.

A descoberta de que o papilomavírus humano pode causar câncer do colo do útero também resultou ser controversa, mas as vacinas contra a infecção agora estão salvando milhares de vidas. Atualmente, os cientistas estimam que cerca de 12% de todos os cânceres humanos são causados por vírus.

Podemos estar testemunhando uma revolução similar na nossa compreensão do mal de Alzheimer. O estilo de vida e fatores genéticos certamente participam do desenvolvimento da doença. Mas parece cada vez mais possível que alguns vírus e bactérias comuns - similares aos que causam aftas e periodontite - possam, a longo prazo, causar a morte de tecido neural e o contínuo declínio cognitivo. Se isso for confirmado, as infecções podem ser uma das principais causas da demência.

Como ocorreu com a teoria dos germes causadores de úlceras e câncer, esta hipótese já foi considerada uma espécie de heresia - mas uma série de descobertas irrefutáveis despertou o interesse pela contribuição dos micróbios para a demência.

"Existe uma quantidade muito maior de estudos sendo realizados agora, em comparação com apenas cinco anos atrás", afirma Ruth Itzhaki, professora emérita da Universidade de Manchester, no Reino Unido, que passou três décadas pesquisando a influência das infecções sobre o mal de Alzheimer.

A hipótese inspirou o teste clínico de um medicamento que poderá combater a infecção antes que ela assole o cérebro, o que reduz radicalmente o risco de senilidade em idade avançada. E podem surgir muitos outros tratamentos novos em breve.

Mas essa nova compreensão do mal de Alzheimer poderá ainda demorar para vir. Existem muitas formas de demência, mas Alzheimer representa 60-70% dos casos. Em todo o mundo, isso representa cerca de sete milhões de novos diagnósticos todos os anos, de pessoas que precisam desesperadamente de novos tratamentos para retardar sua debilitação.

O nome da doença é uma homenagem ao médico alemão Alois Alzheimer. Em 1906, ele observou o acúmulo de placas no cérebro de uma mulher com 55 anos de idade, Auguste Deter, que sofria de perda de memória, problemas de linguagem e comportamento imprevisível.

Sabemos agora que essas placas são compostas de uma proteína chamada beta-amiloide. Acredita-se que as placas sejam tóxicas para as células cerebrais e dificultem as conexões sinápticas importantes para a sinalização neural. O acúmulo de placas de beta-amiloide pode também causar acúmulo entre as células de emaranhados de outra proteína, tau, que pode causar a morte dos neurônios e é aparentemente acompanhada por inflamações disseminadas no cérebro, que aumentam as lesões.

A "hipótese de beta-amiloide" inspirou incontáveis tentativas de drogas destinadas a decompor essas placas tóxicas. Mas essas pesquisas terminaram em muitas desilusões, sem produzir as melhorias desejadas do prognóstico dos pacientes.

Isso levou algumas pessoas a se perguntar se a hipótese de beta-amiloide poderia estar omitindo alguma parte importante da história. "As placas observadas por Alzheimer são a manifestação da doença e não a causa", afirma o cientista geriatra Tamas Fulop, da Universidade de Sherbrooke, no Canadá.

Os cientistas que estudam o mal de Alzheimer também vêm se esforçando para explicar por que algumas pessoas desenvolvem a doença e outras, não. Estudos genéticos demonstram que a presença de uma variante genética - APOE4 - pode aumentar enormemente as possibilidades de alguém acumular as placas de amiloide e desenvolver a doença. Mas a variante genética não define o destino de uma pessoa, pois muitos podem ser portadores de APOE4 sem sofrer neurodegeneração significativa.

Deve haver fatores ambientais necessários para detonar a bomba-relógio genética, ativando o acúmulo das placas tóxicas e dos emaranhados de proteínas.

Evidências precoces

Alguns micróbios poderão agir como gatilhos? Esta é a premissa central da hipótese de infecção.

Itzhaki saiu na frente com seus exames sobre a participação do vírus da herpes simples (HSV1), que é mais conhecido por causar aftas na pele em volta da boca. É importante observar que esse vírus é conhecido por permanecer dormente por anos, até que épocas de estresse ou problemas de saúde causem sua reativação - gerando um novo surto das bolhas características.

Embora se soubesse há muito tempo que esse vírus poderia infectar o cérebro - gerando um inchaço perigoso conhecido como encefalite, que exige tratamento imediato -, acreditava-se que fosse um evento muito raro. Até que, no início dos anos 1990, os exames de tecidos post-mortem realizados por Itzhaki revelaram que uma quantidade surpreendente de pessoas exibiu sinais de HSV1 no seu tecido neural, sem que elas tenham sofrido de encefalite.

É importante observar que o vírus não parecia ser um risco para pessoas não portadoras da variante genética APOE4, pois a maioria delas não desenvolvia a demência. Nem a presença de APOE4 fazia muita diferença para o risco das pessoas sem a infecção. Na verdade, comprovou-se que o importante era a combinação de ambos.

De forma geral, Itzhaki estima que os dois fatores de risco aumentem em 12 vezes a probabilidade de uma pessoa desenvolver Alzheimer, em comparação com as pessoas que não possuem a variante genética ou a infecção latente no cérebro.

Itzhaki formulou a hipótese de que isso se devia à reativação repetida do vírus latente - que, em cada episódio, invade o cérebro e, de alguma forma, aciona a produção de beta-amiloide, até que, em algum momento, as pessoas começam a exibir o declínio cognitivo que marca o início da demência. "Acho que é preciso haver a ativação repetida e os danos acumulados para explicar o transcurso da doença a longo prazo", segundo ela.

Itzhaki afirma que suas descobertas receberam alto grau de ceticismo de outros cientistas. "Enfrentamos enormes dificuldades para publicá-las", segundo ela. Itzhaki conta que muitos consideraram que os experimentos estavam contaminados de alguma forma, gerando resultados ilusórios. Mas ela havia tomado os cuidados necessários para evitar essa possibilidade e a relação aparente entre as infecções com HSV1 e o mal de Alzheimer foi posteriormente reproduzida em diversas populações diferentes.

Um documento publicado em 2021 examinou grupos de pessoas nas cidades francesas de Bordeaux, Dijon, Montpellier e em áreas rurais da França. Rastreando-se certos anticorpos, foi possível detectar quem havia sido infectado pelo vírus da herpes simples.

Os pesquisadores concluíram que a infecção praticamente triplicou o risco de desenvolvimento de mal de Alzheimer em portadores de APOE4 ao longo de um período de acompanhamento de sete anos - mas não causou efeitos sobre as pessoas que não eram portadoras do gene.

"O vírus da herpes somente conseguiu produzir efeitos prejudiciais na presença de APOE4", afirma Catherine Helmer, da Universidade de Bordeaux, na França, que conduziu a pesquisa.

Mas, até o momento, a evidência mais convincente da hipótese de infecção surgiu com um grande estudo realizado em Taiwan e publicado em 2018, que examinou o progresso de 8.362 pessoas portadoras do vírus da herpes simples.

Basicamente, alguns dos participantes receberam drogas antivirais para tratar a infecção. Como previsto pela hipótese de infecção, esse procedimento reduziu o risco de demência. De forma geral, as pessoas que tomaram a medicação a longo prazo apresentaram probabilidade cerca de 90% menor de desenvolvimento de demência ao longo do período de estudo de 10 anos que os participantes que não haviam recebido tratamento para sua infecção.

"Esse resultado é tão surpreendente que é difícil de acreditar", afirma Anthony Komaroff, professor da Faculdade de Medicina de Harvard e médico sênior no Hospital Brigham e Women de Boston, nos Estados Unidos, que analisou recentemente o estado atual das pesquisas sobre a hipótese de infecção para a revista da Associação Médica Norte-Americana.

Ele permanece cauteloso para não confiar excessivamente em nenhum estudo isolado, mas agora está convencido de que a ideia precisa receber mais atenção. "É um resultado tão dramático que precisa ser seriamente considerado", afirma ele.

Komaroff não conhece objeções à teoria. "Nunca ouvi nenhuma e nem mesmo os principais especialistas em Alzheimer do mundo, que têm dúvidas sobre a hipótese de infecção, oferecem alguma razão para que ela seja considerada um absurdo", afirma ele. Simplesmente precisamos de mais estudos que forneçam evidências diretas dessa correlação, segundo ele, para poder convencer os céticos.

À medida que crescia o interesse pela hipótese de infecção, os cientistas começaram a pesquisar se outros patógenos poderiam desencadear reações similares - com conclusões fascinantes.

Um estudo de 2017 sugeriu que o vírus responsável pela herpes-zóster e pela catapora pode aumentar moderadamente o risco de mal de Alzheimer. Existem também evidências de que Porphyromonas gingivalis - a bactéria responsável pela periodontite - pode acionar o acúmulo de beta-amiloide, o que pode explicar por que más condições de saúde dental podem prever o declínio cognitivo das pessoas em idade avançada.

E até alguns fungos podem penetrar no cérebro e acionar a neurodegeneração. Se o papel desses micróbios como causadores da doença for confirmado, cada descoberta poderá inspirar novos tratamentos.

Os cientistas que estudam a hipótese de infecção também começaram a pesquisar explicações dos mecanismos fisiológicos. Suas explicações baseiam-se na descoberta surpreendente de que beta-amiloide pode agir como uma espécie de microbicida que combate os patógenos no cérebro.

Estudos de Fulop e outros demonstram, por exemplo, que a proteína pode ligar-se à superfície do vírus da herpes simples, o que aparentemente captura o patógeno em uma rede de fibras minúsculas e evita que ele se conecte às células.

A curto prazo, isso poderá ser muito vantajoso, evitando que a infecção saia de controle e apresente risco imediato à vida das pessoas. Mas, se o patógeno for reativado repetidamente em épocas de tensão, poderá haver acúmulo de beta-amiloide nas placas tóxicas, lesionando as células que se destina a proteger.

A forma como a variante genética APOE4 se enquadra nesse processo permanece desconhecida. Talvez ela altere a susceptibilidade das nossas células a infecções. Ou talvez ela impeça a limpeza e o reparo dos danos neurais após a desativação do patógeno. De qualquer forma, a consequência seria o aumento da degeneração neural.

Pode parecer estranho que os seres humanos tenham evoluído um sistema de defesa capaz de contra-atacar dessa forma. Mas o risco de desenvolver Alzheimer em idade avançada - depois que já tivemos a possibilidade de reproduzir-nos - teria sido muito menos importante para a sobrevivência da nossa espécie que o risco imediato de uma infecção cerebral completa durante a nossa juventude.

"Se a beta-amiloide foi conservada na evolução, provavelmente ela tem alguma função favorável à preservação da espécie - e a proteção contra infecções no cérebro certamente pode ser essa função", afirma Komaroff. Podemos agora estar convivendo com as consequências de um compromisso entre a proteção imediata a curto prazo e o risco de doenças crônicas a longo prazo.

Ameaça dupla

Durante a atual pandemia, alguns cientistas começaram a preocupar-se com a possibilidade de aumento do risco de demência pelo coronavírus.

Cientistas da Faculdade de Medicina Monte Sinai, em Nova York, nos Estados Unidos, advertiram na publicação Journal of Alzheimer's Disease em 2020 que "é possível que venha a existir uma população com predisposição desconhecida à neurodegeneração devido ao ingresso silencioso do vírus no cérebro".

Até o momento, existem alguns sinais de que infecções pela covid-19 podem causar lesões neurais. Em um recente encontro da organização norte-americana Alzheimer's Association, por exemplo, pesquisadores apresentaram uma análise de amostras de sangue retiradas de pacientes sem outros problemas de saúde, recuperando-se de covid-19. Eles encontraram altos níveis de substâncias que frequentemente acompanham o desenvolvimento de mal de Alzheimer.

Esta poderá ser mais uma consequência da invasão geral no corpo, incluindo o aumento das inflamações decorrentes da doença. Mas alguns estudos com animais e análises de autópsias humanas sugerem que o coronavírus pode invadir o cérebro. E experimentos de laboratório indicam que essa infecção, por sua vez, pode acionar lesões neurais.

Em um estudo surpreendente, Jay Gopalakrishnan, da Universidade Heinrich-Heine em Dusseldorf, na Alemanha, e seus colegas criaram uma série de "organoides cerebrais" - tecido cerebral em miniatura, cultivado em laboratório - e os expuseram ao vírus. Eles observaram notáveis mudanças das proteínas tau, que são associadas ao mal de Alzheimer, e aumento da morte neuronal, após a infecção com o vírus.

Essas descobertas despertaram o alarme para Tamas Fulop. "O Sars-Cov-2 pode agir exatamente como o HSV-1", defende ele. Mas outros - incluindo Gopalakrishnan - são mais cautelosos. "Demonstramos que o vírus pode infectar neurônios humanos e causar algum tipo de tensão neuronal", afirma ele. "E isso pode ter efeitos inesperados." Mas muitas outras pesquisas serão necessárias para determinar os riscos de doenças neurológicas a longo prazo.

Três décadas após suas pesquisas iniciais, Ruth Itzhaki espera que possamos agora ver o desenvolvimento de mais testes clínicos de novos tratamentos, em uma tentativa de reproduzir as observações em pacientes de HSV1 que receberam medicação antiviral em Taiwan.

Um estudo em Nova York, nos Estados Unidos, já está pesquisando o uso de valaciclovir - uma medicação de combate à herpes - em pacientes com mal de Alzheimer leve. Os participantes devem passar por uma série de testes cognitivos depois de 52 e 78 semanas. Se os que receberam a substância sofrerem declínio de cognição mais lento que os que receberam placebo, o teste fornecerá evidências convincentes da eficácia do tratamento - e da hipótese de infecção, de forma mais ampla. "É o primeiro teste desse tipo", segundo Itzhaki.

Se realmente for comprovado que as drogas antivirais são eficazes, elas poderão fornecer proteção para uma quantidade enorme de pessoas. Itzhaki calcula que cerca de 18% das pessoas com 30 a 40 anos de idade são portadoras da variante genética APOE4 e também possuem infecção de HSV1 latente, o que as coloca em risco muito maior de Alzheimer nas próximas décadas.

O sucesso das drogas contra a herpes poderá também estimular esforços de tratamento dos diversos outros tipos de infecção que podem contribuir para o risco de Alzheimer em certos pacientes. E, eventualmente, os médicos podem ser capazes de melhor selecionar as pessoas de acordo com os vários micróbios diferentes que elas podem ter no cérebro - e controlar as infecções antes que elas tenham tempo de causar danos mais sérios.

Durante nossa conversa, Itzhaki expressou repetidamente sua frustração pelo progresso não ter vindo mais cedo. Se esses tratamentos ajudassem uma parcela dos sete milhões de pessoas que desenvolvem mal de Alzheimer todos os anos, haveria um enorme impacto sobre a saúde mundial.

"Depois de 30 anos de dificuldades para obter financiamento e publicação, fico muitas vezes surpresa ao ver quantas pessoas poderiam ter se beneficiado se esses tratamentos fossem testados mais cedo", afirma ela. "Isso me toca profundamente."

*David Robson é escritor de ciências residente em Londres. O seu próximo livro, O efeito da expectativa: como o seu pensamento pode transformar a sua vida (em tradução livre do inglês) será publicado pela editora britânica Canongate/Henry-Holt no início de 2022. Sua conta no Twitter é @d_a_robson.