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Saúde

Sintomas, prevenção e tratamentos para uma vida melhor


Neta relata a rotina de avó com Alzheimer: "Ela me esquece, mas eu não"

Bruna Alves

Colaboração para VivaBem

03/07/2020 04h00

Nathália Villares Fonseca, 27, é fisioterapeuta, e mora com os pais e a avó, Ida Barbosa Villares, 92. Há dez anos, a família descobriu que dona Ida tem Alzheimer e, desde então, precisou se adaptar à nova realidade. Hoje, a neta ajuda a avó com exercícios de fisioterapia regulares. Ela também usa as redes sociais para compartilhar alguns momentos que passa com Ida. A seguir, a jovem conta como foi a descoberta da doença, os desafios diários e como a avó está atualmente.

"O diagnóstico veio aos 82 anos, mas os primeiros sintomas começaram uns dois anos antes. Quando ela fez 80 anos, a gente decidiu fazer uma festa, e um ou dois dias depois ela esqueceu da comemoração. Esse episódio nos começou a chamar mais atenção, de que ela estava esquecendo as coisas mais recentes. Tinha uns 16 anos, estava ingressando na faculdade.

Você podia perguntar coisas de quando ela conheceu meu avô, ela sabia te contar de cabo a rabo, mas se ia numa consulta médica, quando chegava não lembrava muito de onde estava vindo.

Ela começou a fazer acompanhamento com a geriatra, e foi lá que eles começaram a investigar se ela estava desenvolvendo algum tipo de alteração ou demência. Demorou dois anos para fechar o diagnóstico.

No começo, a gente ficou com muita insegurança e medo porque, segundo minha mãe conta, a mãe da minha avó também teve Alzheimer, mas teve muito mais cedo e desenvolveu muito mais rápido também.

O medo vem por não saber o que vem pela frente. Ela começou a tomar medicação desde o começo, o que nós acreditamos que segurou bastante a progressão.

O dia a dia e a evolução da doença

Nathália e vó - Reprodução/Instagram/@nathivillares - Reprodução/Instagram/@nathivillares
Imagem: Reprodução/Instagram/@nathivillares

Há seis anos, minha avó voltou a morar comigo e com meus pais, e foi aí que a gente começou a sentir realmente que a doença estava evoluindo. Ela começou a ter mais dificuldade para se lembrar das coisas, começou a misturar as histórias.

Em um período de dez minutos, ela vai fazer quatro ou cinco vezes a mesma pergunta. Ela não tem mais essa consciência que tem Alzheimer.

Ela tem sintomas de depressão, mas toma medicação para o quadro. Tem dias em que está mais difícil, que ela está mais chorosa, que qualquer assunto que você toca, ela acaba chorando, mas sem a consciência do Alzheimer.

Ela tem um problema na válvula do coração e tem restrição de beber água, só pode tomar um litro e meio por dia, então a gente tem que ficar controlando isso e, às vezes, por conta de toda a medicação, ela fica querendo mais e mais água. Toda vez tem que falar que ela não pode. Ela não consegue fixar, não grava mais.

Conversei com uma amiga que é psicóloga e peguei bastante ajuda com ela, de como contornar essas situações. Quando ela entra em alguma crise nervosa ou de choro, temos que tentar tirar o foco e falar: 'Ai vó, olha que lindo o seu esmalte, olha a cor', daí ela fala: 'É lindo mesmo'. Então ela entra no assunto do esmalte e esquece o que estava acontecendo.

Ela não gosta mais de televisão, mas gosta muito de música. Se está triste e emburrada no sofá, é só colocar uma música tipo samba e forró, que são agitadinhas, que ela se distrai e quer levantar para dançar.

"Quantos anos você tem, vó?"

No vídeo que eu fiz, ela falou que tinha 60 anos, mas tem dia que ela fala que tem 20 anos, tem 30, que ainda nem casou, que não teve filho. Ela já perdeu a noção de espaço e tempo.

Ela também não sente fome, e se a gente não estimula, ela quer ficar deitada o dia inteiro sem comer. Já perdeu essa noção de que tem que se alimentar. Mas tem os dois extremos: se é uma coisa que ela está comendo, e gostou muito, ela também não tem a sensação de que está cheia.

Por exemplo, se você der um pedaço de pizza, ela vai acabar e falar: 'Ai, que gostoso, quero mais um'. Vai acabar o segundo e achar que foi o primeiro, e vai pedir mais um. Daí você pode dar mais um, mas quando ela acabar aquele terceiro, vai achar que é o primeiro e vai comendo. Também temos que controlar, ela perdeu a sensação de fome e de saciedade também.

Minha mãe fica com atenção redobrada. A gente acordou uma vez com o barulho do chuveiro. A gente tranca a porta da cozinha, com a chave que é escondida, no banheiro a gente não deixa nenhum tipo de toalha, porque se ela vir, entra para tomar banho sozinha de madrugada, achando que é dia.

Tem dias em que às 3h da madrugada ela acorda e fala que a gente está atrasado para trabalhar.

Fomos mudando a rotina da casa, adaptando tudo para ela não ter nenhum tipo de risco. Ela pergunta se estou indo bem na escola, se já me formei, porque pensa que sou criança. É muito estranho, porque ela tem noção dos bisnetos, que são filhos da minha irmã e da minha prima, mas ao mesmo tempo não consegue fazer esse cálculo. Ela sabe que tem os bisnetos, mas se você pergunta, ela diz que ainda não tem nem idade para ter filho.

E até antes da pandemia, dentro de casa, ela reconhecia bem. Principalmente o meu pai, ela sabia que era o genro dela, eu, ela sabia quem era. Agora já não está mais tão nítido assim, são pouquíssimos os dias em que ela reconhece, mas a maioria dos dias ela fala que a minha mãe é uma enfermeira, que é uma cuidadora. Que eu sou prima, tia, cunhada.

Ida tem certa independência na rotina

Graças a Deus, por mais que ela tenha 10 anos de doença, consegue ir ao banheiro sozinha, não usa fralda e toma banho sozinha, claro que alguém fica sempre com ela, mas ela consegue se trocar sozinha também.

Mesmo com esse tempo todo de Alzheimer, a parte motora dela ainda é bem preservada. Como sou fisioterapeuta da área de ortopedia, estimulo que ela faça muitos exercícios de fortalecimento. De duas a três vezes na semana, trabalho exercícios de fortalecimento, de equilíbrio, com pesos e elásticos, como forma de prevenção.

Às vezes, ela não quer fazer, por eu ser neta, mas troco de roupa e ela não se liga que sou eu, e faz. Mas se é só a Nathália, ela não faz.

No começo, a gente fazia muito as coisas por ela. É mais rápido, mais prático para quem cuida, você ir lá e fazer tudo para aquela pessoa, e aí a independência vai se esvaindo. Conversei bastante aqui em casa para deixá-la tentar fazer.

É muito difícil, principalmente para quem fica 24 horas, que é a minha mãe. Minha mãe não é muito paciente, mas acaba aprendendo a lidar com a situação.

A doença acaba exacerbando mais o que a pessoa já era. Minha avó sempre foi batalhadora, mas sempre foi muito rígida também, então, com a doença, isso fica mais evidente. Então ela fica mais nervosa, as coisas têm que ser do jeito dela, por mais que esteja errado.

Se ela achar que pode te xingar, ela vai te xingar. Principalmente nesse período de quarentena, tem evoluído mais ainda, porque agora ela não sai de dentro de casa e nem a gente, então está piorando um pouquinho mais a questão da doença em si.

Casa de repouso só aos fins de semana

A questão do asilo nos toca. Para a gente, é um quesito sempre falado, mas é uma questão muito difícil, ainda mais por toda a situação de gratidão e do amor que temos por ela. Minha avó sempre foi dedicada para a família 100% do tempo. É uma fase e ela precisa desse cuidado agora. Se a gente abandonar, a doença vai evoluir muito mais rápido.

Acho que é acolhimento e retribuição. É a nossa vez de fazer por ela.

É ruim dizer isso, mas depois que a minha avó passou a morar com a gente, a minha tia começou: 'Ah, tem a Zuleica que cuida', que é a minha mãe.

Inicialmente, foi combinado que a cada 15 dias minha tia ficaria com a minha avó para minha mãe ficar com um final de semana livre, mas isso não deu certo, por isso fomos buscar a opção da casa de repouso no final de semana, para a minha mãe poder descansar um tempo e esfriar a cabeça.

Para mim não é normal, é cansativo, não é fácil, mas sei quem ela é, sei o que ela já fez por mim e pela minha família, então é só uma forma de retribuir.

Cada dia que ela acorda é um humor. Ela tem vários humores durante o dia todo. Ela pode passar do choro a raiva, felicidade e ficar quieta, durante um único dia. É difícil, não é fácil, não, mas é a minha avó. É um amor incondicional.

Não esqueço quem ela é. Por mais que ela não saiba quem eu sou, vou relembrá-la quem sou e vou tratá-la da melhor forma.

É claro que o medo acompanha, porque a gente nunca sabe como vai ser, mas o maior medo é que a gente não sabe até quando ela vai estar aqui conosco.

Coloquei na minha cabeça que minha avó não é mais minha avó. Hoje, ela é uma pessoa diferente. As atitudes que ela tem não são da minha avó, é a doença falando, a doença agindo. Isso é o mais difícil, principalmente para os familiares.

Para ela foi menos doloroso do que para qualquer um, é uma coisa que o fluxo vai indo, a vida vai indo e a pessoa que está com Alzheimer não percebe.

Até hoje ela não sofre com isso, não tem essa consciência, acho que ao longo da perda de memória, ela não foi caindo na real, que está parecida com o que foi com a mãe dela, porque ela lembra que com a mãe dela foi assim. Ela sabe porque viveu isso com a mãe dela, mas não imagina que está na mesma situação".