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Paulo Chaccur

Coração está em várias expressões populares: mas será que tem explicação?

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Colunista do UOL

13/09/2020 04h00

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Se você já assistiu algum evento esportivo narrado por Galvão Bueno com certeza ouviu ao menos uma vez o famoso bordão "Haaaaaaja coração". Este é apenas um dos muitos exemplos que podemos listar aqui entre frases, ditados e expressões populares que citam o coração e estão presentes no vocabulário dos brasileiros.

"Parece que meu coração vai sair pela boca"; "O que os olhos não veem, o coração não sente"; "Fazer das tripas coração"; "Estou com o coração partido"... Difícil encontrar alguém que nunca usou uma delas para exemplificar uma situação, sentimento ou reação. Mas você já parou para pensar o que significam e se, de fato, existe sentido e explicação para estas frases?

Ao prestar atenção e analisar, é possível notar que, de modo geral, elas são usadas para dar ênfase, trazer um tom de exagero, representar algo que gera forte emoção, sentimento ou exige grande esforço.

"Fazer das tripas coração"

exercício, cansaço, treino - iStock - iStock
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Este é um bom exemplo de expressão utilizada para representar momentos ou situações em que devemos nos esforçar muito para conquistar alguma coisa. E aqui a explicação é interessante e tem relação com nossa hierarquia biológica (fonte Brasil Escola): "as tripas", apesar de importantes na digestão, ocupam uma função secundária quando comparadas ao coração, órgão fundamental para o funcionamento do organismo, responsável por fazer o sangue circular por todo o corpo.

Ou seja, quando falamos que é preciso "fazer das tripas coração" queremos dizer que é preciso um esforço sobre-humano, inclusive capaz de transformar, simbolicamente, a função do intestino. A hierarquia do corpo é alterada para representar algo que parece impossível, em que precisamos dedicar todas as forças, sejam elas físicas, intelectuais ou emocionais.

"Estou com o coração partido"

coração partido - portishead1/iStock - portishead1/iStock
Imagem: portishead1/iStock

Um desgosto, desilusão ou tristeza profunda, o rompimento de um relacionamento, um choque traumático, a perda de um grande amor ou pessoa querida geralmente são situações de "partir o coração". A dor emocional é tanta que a sensação é que ela se transfere para o corpo. E de fato isso acontece.

Assim como existem lesões físicas causadoras de dores crônicas, a dor emocional permanente, que gera alto estresse, pode ter como consequência uma dor ou alteração no organismo, inclusive no coração.

Desta forma, apesar de mais uma vez ser uma maneira exagerada de se referir a um estado emocional, nesse caso, o coração partido tem uma explicação e até uma síndrome. Estamos falando da Síndrome do Coração Partido ou Doença de Takotsubo, enfermidade que afeta o músculo cardíaco, gerando uma disfunção súbita e transitória no ventrículo esquerdo.

Em resumo, enquanto as outras partes do ventrículo funcionam normalmente ou apresentam contrações mais rápidas e coordenadas, o ápice e o centro do ventrículo esquerdo sofrem uma espécie de paralisia transitória durante a sístole (fase de contração do coração), distúrbio que o deixa sem força suficiente para impulsionar o sangue para o corpo. O acúmulo de sangue dentro do ventrículo esquerdo lhe confere o formato abaulado, que dá a impressão do "coração estar partido ao meio".

A doença pode ser confundida pelos pacientes como um infarto agudo do miocárdio, por gerar sintomas semelhantes. No entanto, por razões distintas. Nesse caso, o gatilho é emocional e não causado pelo bloqueio de artérias (como ocorre no caso de doença obstrutiva nas coronárias). Isso ocorre devido ao aumento na produção de adrenalina e outros hormônios do estresse liberados pelas glândulas adrenais. Essa descarga na corrente sanguínea determina um estreitamento temporário nas artérias que irrigam o coração e, desta forma, interfere no funcionamento do músculo cardíaco.

A Síndrome do Coração Partido tem duração média de sete a trinta dias, não deixa cicatrizes no coração e dificilmente desencadeia problemas mais graves a ponto de levar a morte. Em alguns casos, os sintomas desaparecem mesmo sem tratamento, a medida que o estresse é minimizado.

"Parece que meu coração vai sair pela boca"

Eletrocardiograma, coração, batimento - Getty Images/iStockphoto - Getty Images/iStockphoto
Imagem: Getty Images/iStockphoto

A explicação aqui está diretamente relacionada com a nossa frequência cardíaca, ou seja, ao ritmo dos batimentos do coração, que varia de acordo com nossas condições fisiológicas: repouso, exercício físico, posição corporal, estado de vigília e de sono, condicionamento físico e condições patológicas.

Em circunstâncias normais de saúde e sem estímulos externos, a frequência cardíaca varia de 60 a 80 batimentos por minuto.

Porém, ao recebermos um estímulo diferente, os sistemas nervosos simpático e parassimpático enviam informações sobre as necessidades do organismo, alterando esse ritmo. Durante uma prática esportiva, por exemplo, se usarmos como referência uma pessoa jovem e saudável, a frequência pode chegar a 180, 190 batimentos em esforço. Para adultos e aqueles que já têm mais idade, a faixa é de 120, 140 batimentos.

Quando falamos de um problema, como em casos de fibrilação atrial ou taquicardia supraventricular, alguns pacientes buscam assistência médica com mais de 200 batimentos por minuto —casos considerados graves, que necessitam de atendimento em unidades de emergência.

Portanto, quando falamos que o coração está prestes a sair pela boca, estamos dizendo que, conscientemente, sentimos a intensidade dos batimentos cardíacos no momento em que a frequência muda e o coração bate de forma acelerada. É uma maneira de dar ênfase ao aumento da pulsação cardíaca, em geral associada ao estresse desencadeado por um susto, cansaço após um esforço físico intenso ou alteração gerada por um problema no funcionamento do órgão.

"Haja coração!"

Galvão Bueno - Memória Globo: João Miguel Júnior/Globo - Memória Globo: João Miguel Júnior/Globo
Imagem: Memória Globo: João Miguel Júnior/Globo

O bordão de Galvão Bueno para eventos esportivos vem nos lembrar que é preciso ter coração forte e saudável para encarar certas emoções! Creio que todo mundo já ficou sabendo de algum caso em que o indivíduo passou mal ou teve sérias complicações, como dor torácica e infarto do miocárdio, no meio de uma partida de futebol ou decisão importante no esporte.

Situações assim têm geralmente, como fator desencadeante, a emoção, responsável por promover a aceleração dos batimentos e, em parte dos casos, como comentado acima, dando a sensação de que o "coração vai sair pela boca". O fato é que essas emoções promovem a liberação de substâncias que aumentam a pressão arterial e constrição das artérias. O alerta aqui fica para aqueles que já têm algum fator de risco para problemas cardiológicos ou doença arterial coronária.

Por isso, para estar sempre com o coração preparado para qualquer decisão esportiva ou circunstância que gere um sentimento semelhante, reforço a importância da avaliação cardiológica regular, principalmente na presença de fatores já conhecidos, como histórico familiar, diabetes, obesidade, tabagismo, sedentarismo, hipertensão e colesterol alto.

"O que os olhos não veem o coração não sente"

Cérebro e coração - iStock - iStock
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Culturalmente na nossa sociedade o coração e os sentimentos estão relacionados. Se puxarmos na memória, vamos nos lembrar de outras expressões que também trazem essa relação: ele tem coração mole; o coração tem razões que a própria razão desconhece; abra seu coração; quem faz isso não tem coração... E por aí vai.

Sabemos que o cérebro é a base do comportamento humano, dos sentimentos e dos pensamentos, no entanto, cada vez mais a ciência está revelando que a influência das emoções sobre o sistema cardiológico de fato existe e merece atenção.

O sistema límbico (onde está no nosso cérebro) é o responsável por receber as informações externas e transformá-las em emoções. Desta forma, um complexo sistema nervoso e humoral é ativado e, através de reações físicas e químicas, controla o funcionamento de vários órgãos, incluindo o coração.

De modo geral, situações e sentimentos positivos atuam em favor do funcionamento do órgão e do nosso corpo, desencadeando a liberação de substâncias que geram bem-estar —como as endorfinas, responsáveis pela vasodilatação das artérias (aumento do tamanho), principalmente as coronárias. Por outro lado, quando falamos de sofrimento, tristeza, pessimismo, mágoas e até depressão, o coração também pode sentir e refletir as consequências.

Nesses casos, há a liberação de substâncias que promovem a vasoconstrição das artérias (redução do tamanho), contribuindo para o aumento na pressão arterial e do risco para eventos cardiovasculares, principalmente quando mantidas por período prolongado.

Por isso, é importante que cada vez mais a interação coração-cérebro seja considerada em avaliações médicas e no tratamento dos pacientes. Um órgão que simboliza o bem-querer e o amor merece ser cuidado com muita atenção e carinho.