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Paulo Chaccur

Você se sente sozinho? Entenda como reage um coração solitário

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Imagem: iStock

Colunista do UOL

07/06/2020 04h00

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Tom Jobim já dizia "é impossível ser feliz sozinho...". Impossível talvez não seja, mas investir em boas relações sociais pode fazer diferença na saúde do coração. Pesquisas apontam que viver sozinho, sem uma relação afetiva, ou ter pouco contato com a família e amigos aumenta o risco de morte, inclusive por problemas cardíacos.

E agora, com a proximidade do Dia dos Namorados, a solidão acaba, mesmo que sem querer, batendo a porta de muita gente, ainda mais em tempos em que palavras como quarentena, confinamento, isolamento e distanciamento social passaram a fazer parte da nossa vida e vocabulário do dia a dia desde o início da pandemia do coronavírus.

Para começar: o que é solidão?

Porém, sentir-se sozinho vai muito além de não ter um par para comemorar o Dia dos Namorados —que para muitos é, inclusive, apenas uma celebração comercial. Seja como for, independente da data, é importante entendermos em primeiro lugar o que quer dizer a palavra ou o conceito de solidão.

Trata-se de um estado de quem se acha ou se sente desacompanhado ou só, ou que efetivamente está em isolamento, retirado do mundo. E isso não se restringe ao distanciamento físico, a exemplo do que estamos vivendo agora na quarentena. O fato é que em muitos casos é possível sentir-se sozinho mesmo estando rodeado de pessoas.

É preciso, portanto, diferenciar e ter claro que uma pessoa pode estar socialmente isolada, mas não sentir-se sozinha, enquanto outra, com uma rede aparentemente grande de contatos, pode experimentar a solidão. O problema surge quando o isolamento social é dado pela falta de contato e pessoas para interagir.

A solidão não é um sentimento simples, mas um misto de sensações como angústia, dor, medo e tristeza. E são esses os casos que geram estresse emocional, podendo ter consequências para a saúde do coração, principalmente se for um quadro que vem se prologando por algum tempo e se envolver fatores de risco para doenças cardiovasculares, como diabetes, hipertensão, colesterol alto, obesidade, sedentarismo, tabagismo e hereditariedade.

Os efeitos de um coração solitário

Um estudo recente, apresentado este ano em um congresso da Academia Europeia de Neurologia, revela a gravidade de viver sem o convívio social por um período longo da vida.

Realizado por especialistas alemães com mais de 4.000 pessoas, o levantamento aponta que aqueles que vivem em isolamento têm 44% mais probabilidade de sofrer um problema cardiovascular, como infarto ou derrame, em comparação com quem cultiva e mantém relações sociais sólidas. Sem restringir aos eventos cardíacos, o risco de morte passa a ser de 47% (e pode ocorrer por qualquer causa).

E como a solidão pode afetar o funcionamento do sistema cardiovascular?

Sentimentos negativos constantes, como mágoa, pessimismo e tristeza, podem promover uma constante liberação de hormônios no corpo que estimulam a vasoconstrição (ou seja, a redução do calibre dos vasos sanguíneos). Em consequência disso, as artérias diminuem seu potencial de adaptação com o tempo, o que gera um aumento da pressão arterial e elevação dos batimentos cardíacos. Fatores que obrigam o coração a trabalhar mais.

Pode ocorrer ainda o surgimento de outros sintomas, entre eles a inquietação, tensão muscular, alteração do sono, ansiedade, depressão e aumento do apetite, acarretando problemas sérios, principalmente se o indivíduo possuir tendência à doença cardiovascular de base.

Assim, quando as emoções negativas geradas por um inicial sentimento de solidão agem de forma contínua no organismo, elas podem desencadear uma crise hipertensiva, arritmia ou infarto do miocárdio.

Aumento dos riscos de doenças cardiovasculares

Segundo Nicole Valtorta, pesquisadora da Universidade Newcastle (Reino Unido), três mecanismos podem explicar essa correlação entre a solidão e o aumento do risco de sofrer doenças cardíacas.

Um deles é psicológico. Pessoas que se sentem só têm mais chance de desenvolver depressão, ansiedade e se sentir infelizes. O outro é biológico: quem se sente só com frequência e apresenta sintomas psicológicos negativos acaba dormindo pior. E dormir mal estimula o aumento da pressão arterial e do estresse, amplificando o trabalho do coração e a possibilidade de aparecimento da doença coronária, por exemplo.

O terceiro e último está relacionado ao comportamento. Indivíduos que se sentem isolados podem acabar adotando hábitos prejudiciais à saúde, como fumar e comer demais ou se exercitar menos. Esses três fatores, que muitas vezes aparecem combinados, podem aumentar a chance de a pessoa desenvolver doenças cardiovasculares.

Outras alterações que interferem na saúde cardiológica

Levantamentos realizados pelo mundo trazem outras consequências da solidão que podem afetar o metabolismo e nosso sistema cardiovascular. Por exemplo, um estudo das universidades da Califórnia e de Chicago, publicado na revista especializada PNAS em 2015, revela que o sentimento de isolamento pode reduzir a eficiência do sistema imunológico.

Os pesquisadores perceberam que pessoas identificadas como socialmente isoladas tinham um aumento de 12% na atividade dos genes chamados CTRA, que estão associados à defesa do organismo.

A hipótese por trás desse fenômeno é que os humanos evoluíram para viver em grupo. Assim, quando se encontram isolados durante um período prolongado, podem se sentir inconscientemente ameaçados e permanecer em um estado contínuo de alerta. Esse estado de atenção estimula a inflamação do corpo, reduz a nossa capacidade de combater infecções e, desta forma, aumenta o potencial das doenças cardiovasculares em pessoas que já apresentam fatores de risco.

Nosso maior desafio hoje

Todo o cenário gerado pelo coronavírus já é um grande desafio quando o assunto é a solidão. A pandemia que nos deixou afastados fisicamente e com vida social limitada pode ter consequências. Ainda não se sabe como, mas é certo que a quarentena vai afetar de alguma forma nossa saúde mental e física. E isso já é alvo de estudos.

Ter alguém que possa ajudar em tempos difíceis é essencial para o bem-estar psicológico. Sentir-se integrado e receber acolhimento gera a sensação de segurança. Saber que podemos dividir momentos e o peso dos fardos com certeza minimiza o estresse do isolamento, podendo diminuir o impacto para a saúde de maneira geral.

"Fundamental é mesmo o amor..."

Portanto, muito mais do que ter um companheiro(a) ao lado neste Dia dos Namorados, o importante é estar bem com você e com aqueles que te cercam, independentemente de qual tipo de relação seja.

Emoções relacionadas com o amor, alegria, companheirismo, amizade e positividade levam ao relaxamento muscular, a vasodilatação, relaxamento intestinal, secreção glandular, salivação, calor sem sudorese, ou seja, manifestações que ajudam a prevenir as doenças cardiovasculares.