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Mariana Varella

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Monkeypox e o estigma dos grupos de risco

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Imagem: iStock

Colunista do UOL

17/08/2022 04h00

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Os casos de monkeypox têm se tornado cada vez mais frequentes. Embora a doença não seja nova, ela só começou a se espalhar com rapidez entre seres humanos recentemente, a partir de maio. Até agora, já são mais de 30 mil casos confirmados no mundo todo, cerca de 2500 no Brasil, que também já registrou a primeira morte pelo vírus.

Na última semana de julho, a OMS determinou que o atual surto constitui uma emergência de saúde pública de importância internacional, e recomendou aos homens que fazem sexo com homens, que, até o momento, representam mais de 95% dos pacientes com a doença, reduzissem o número de parceiros sexuais. A orientação gerou protestos da comunidade LGBT+ internacional e brasileira.

O receio não é infundado: a comunidade LGBT+ foi duramente estigmatizada durante o começo da pandemia de aids, na década de 1980. Com o pretexto de orientar esses grupos, que também concentravam a maioria dos casos de aids no início, acerca do risco de pegar HIV, as organizações de saúde fizeram uma série de alertas que contribuíram para aumentar a vulnerabilidade de pessoas já extremamente vulneráveis.

Como resultado mais evidente, as campanhas voltadas a esse público geraram preconceito, afastaram as pessoas vulneráveis dos serviços de saúde e criaram a falsa sensação de que quem não pertencia a esses grupos, como homens heterossexuais e mulheres, estava a salvo.

As desvantagens de se utilizar a noção de grupo de risco em uma epidemia de uma doença infectocontagiosa que pode atingir a todos não é uma discussão nova em saúde pública e na medicina preventiva. Há vasta literatura sobre o tema, advinda de estudos implementados à época da própria epidemia de HIV, nas décadas de 1980 e 1990.

Então como agir? Se uma doença de fato atinge mais determinado grupo, não devemos alertá-lo com medo de gerar estigma?

Em coluna para o VivaBem, o infectologista Rico Vasconcelos, médico sempre muito preocupado com o estigma envolvendo o HIV e determinados grupos, afirmou: "Evitar a comunicação direcionada para os grupos mais vulneráveis por medo de estigmatização é por si só uma forma de vulnerabilização desse grupo".

Eu não poderia concordar mais. Todas as pessoas têm o direito de conhecer os dados de prevalência de uma doença, para, assim, tomarem as melhores decisões individuais. Além disso, é a partir desses dados que governos e autoridades sanitárias pensam campanhas e políticas públicas, como as de vacinação.

No entanto, não há como deslegitimar a preocupação das comunidades LGBT+. Na história recente, tivemos outros exemplos, também muito bem documentados e estudados, de anúncios pouco cuidadosos que geraram estigmas. À época da epidemia de ebola, comunidades africanas sofreram discriminação, assim como asiáticos na epidemia de Sars e na pandemia de covid-19.

Se por um lado é importante fornecer toda a informação disponível sobre uma doença, por outro não podemos subestimar o risco de estigma e reduzi-lo a um medo irrelevante, ainda mais se tratando de uma doença infectocontagiosa que certamente não ficará restrita a determinados grupos.

Autoridades sanitárias, políticos e a mídia precisam tomar cuidado ao fazer recomendações que podem, ao serem mal interpretadas, ajudar a aumentar a vulnerabilidade de grupos já socialmente vulneráveis. Além disso, é preciso acompanhar os resultados de campanhas informativas e do próprio curso da doença para atuar com rapidez em caso de estigmatização.

Há muitas orientações de como fazê-lo, inclusive estabelecidas pela própria OMS, e bons exemplos no mundo. Pessoalmente, cito o das autoridades francesas, que informam acerca dos dados epidemiológicos, mas também enfatizam as formas de prevenção, reforçam que todos que entrarem em contato com o vírus podem contrai-lo e trazem um aviso a respeito do risco de homofobia, inclusive com o telefone de um serviço que atende denúncias do tipo.

A mídia também precisa ser responsável e evitar manchetes que contribuam para a estigmatização. A própria fala do diretor-geral da OMS Tedros Adhanom foi seguida de recomendações a respeito do risco de estigma e descriminalização que foram ignoradas pela maioria dos veículos de imprensa, que apenas se focaram na recomendação para redução do número de parceiros endereçada aos homens que fazem sexo com homens.

A história das epidemias e outras crises sanitárias deixou um legado importante sobre comunicação em saúde que foi e tem sido largamente estudado. Aprendamos com ela.