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Larissa Cassiano

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Orgulho LGBTQIA+: o que é um processo transexualizador? Saiba mais

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Imagem: iStock

Colunista do UOL*

29/06/2021 04h00

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No mês do Orgulho LGBTQIA+, acredito que falar sobre o tema é minha forma de trazer todo o meu respeito para tantas pessoas que lutam diariamente contra a LGBTfobia, visto que somos o país que mais mata pessoas transexuais e travestis.

Desejo que possamos ampliar esse debate de uma maneira não agressiva, que todos possam compreender o desejo do outro sem qualquer julgamento.

E que tal falar sobre o processo transexualizador?! Um passo extremamente importante para a saúde mental e sexual de muitas pessoas e que tem uma ligação muito grande com diversos profissionais da saúde.

Para alguns, as cirurgias de modificação corporal e genital parecem algo recente na história da medicina, mas não, segundo alguns dados, Lili Elbe, em 28 de dezembro de 1882, foi a primeira pessoa a fazer uma modificação corporal na Dinamarca.

Esse fato é um marco e demonstra que esse procedimento é antigo comparado com outros acontecimentos da medicina, como a descoberta da penicilina por Alexander Fleming em 1928 e a primeira cirurgia plástica de nariz realizada em 1917 por Dr. Harold Gillies, que ficou conhecida como a primeira plástica de nariz.

Talvez o preconceito cultural envolvendo fez com que não fosse divulgado e informado da maneira necessária. No ano de 2006, o SUS introduziu a Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde com direito ao uso do nome social.

Em 2008, o processo transexualizador foi instituído permitindo o acesso a procedimentos como hormonização, cirurgias de modificação corporal, genital e acompanhamento multiprofissional.

E no ano passado foi lançado o protocolo para o atendimento de pessoas transexuais e travestis no município de São Paulo. Formas de promover políticas públicas com base nos princípios do SUS, possibilitando atendimento, ofertando medicações hormonais, terapias multidisciplinares e cirurgias para as pessoas que desejarem.

Reduzindo a automedicação, cirurgia em locais inadequados, buscas ineficientes e principalmente promovendo saúde para todos.

No Brasil, quem deseja iniciar o processo transexualizador pelo SUS, deve iniciar o primeiro contato através da UBS (Unidade Básica de Saúde) mais próxima. A hormonização, ou seja, uso de hormônios para transformações corporais com características corporais reconhecidas como masculinas ou femininas pode ser feita a partir dos 16 anos.

As cirurgias podem acontecer a partir de 18 anos, para realizar a pessoa deve estar em acompanhamento multidisciplinar. Dentro deste tema que é tão necessário e diverso, convidei Luca Scarpelli, homem trans responsável pelo Instagram @transdiario para trazer a experiência dele.

Vou deixar nosso bate-papo integral, porque não consigo resumir ou transcrever toda essa história importantíssima.

O que foi mais difícil durante a sua transição?

No meu caso, que sou uma pessoa privilegiada, branca e passável —as pessoas não sabem que sou trans se eu não abordar esse assunto—, a parte mais difícil foi perceber o distanciamento de muitas pessoas e notar as transfobias que são estruturais.

Por exemplo, o acesso ao banheiro no início da transição. Eu evitava ir ao banheiro fora de casa porque percebia olhares e comportamentos hostis se eu entrasse no banheiro masculino ou feminino, por ser "muito menino" para o banheiro feminino e "muito menina" para o banheiro masculino. E aí muita gente me falava para usar o banheiro destinado a PCD. Percebe o quanto isso é violento? Minha transgeneridade ser percebida na sociedade como uma deficiência é muito violento.

Como é sua terapia hormonal? Tem efeitos colaterais?

A minha terapia hormonal é feita com acompanhamento médico desde a minha primeira dose. Não tive nenhum efeito colateral e faço exames periódicos para monitorar meu estado de saúde. Esse é mais um privilégio frente à realidade da comunidade trans. A maioria das pessoas não tem acesso a atendimento médico qualificado e acaba recorrendo à hormonização por conta própria.

Falta ambulatório para gente no SUS, falta qualificação médica para atender pessoas trans para aqueles que atendem pelos planos de saúde. É uma carência de atendimento estrutural.

Seu tratamento ocorreu pelo SUS ou sistema privado?

Todo meu atendimento foi sempre pelo sistema privado. Mas em algumas (poucas) cidades existem ambulatórios trans muito bons que oferecem atendimento de qualidade pelo SUS.

Quais profissionais de saúde participaram do seu processo?

Psicólogos, psiquiatras, endocrinologistas, cirurgião plástico e ginecologista. O início foi com atendimento psicológico e psiquiátrico. Depois fui encaminhado para o endocrinologista e continuei com o atendimento psicológico, passei pelo cirurgião plástico para realizar minha mastectomia e pontualmente me consulto com uma ginecologista.

Como mulher preta faço parte de uma minoria racial, sei que não se compara às questões LGBTQIA+, mas compreendo o quanto esses temas são sensíveis e estão presentes na nossa sociedade de diversas formas, muitas vezes violentas, porém não cabe as pessoas LGBTQIA+ ensinar que merecem respeito, e, sim, nós como sociedade que precisamos falar sobre o tema com respeito o ano todo.

Gostou deste texto? Dúvidas, comentários, críticas e sugestões podem ser enviadas para: dralarissacassiano@uol.com.br.

Referências:

https://antrabrasil.org/2020/07/27/como-acessar-o-sus-para-questoes-de-transicao/

Saúde LGBTQIA+: práticas de cuidado transdisciplinar | editores: Saulo Vito Ciasca, Andrea, Hercowitz, Ademir Lopes Júnior. - 1. Ed.- Santana de Parnaíba / SP: Manole, 2021.