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Gustavo Cabral

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Manter países pobres fora do controle da pandemia é lucrativo e perigoso

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Imagem: iStock

Colunista do VivaBem

27/07/2021 04h00

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Desde o começo da pandemia, estamos vendo como é importante o cuidado coletivo. Para o isolamento ser efetivo, é preciso que todos sigam as medidas de distanciamento. A máscara que você usa protege aos outros. E a vacinação só vai controlar o coronavírus quando grande parte da população estiver imune.

Se não tivermos esse pensamento de cuidar de todos que estão não só à nossa volta, mas no mundo inteiro, sofreremos por tempo indeterminado com a covid-19. Justamente por isso, quero chamar a atenção para o quão perigoso é o "controle seletivo" que países ricos estão seguindo.

Quando uma nação rica cuida só da covid-19 em seu território (comprando muito mais vacinas do que precisa) e não se preocupa em ajudar os países mais pobres a controlarem o vírus, deixa caminho aberto para o surgimento de novas variantes do coronavírus.

Essas novas variantes chegarão aos países mais ricos, que serão forçados comprarem mais vacinas —novamente deixando os pobres sem imunizantes, o que leva ao surgimento de novas variantes... Entendeu por que se não pensarmos coletivamente isso nunca vai ter fim?

Terceira dose

Alguns países (e até alguns estados brasileiros) já estão falando em aplicar a terceira dose da vacina. Porém, quando olhamos para a taxa de vacinação internacional e nacional, percebemos que é muito pequena a chance de chegarmos a uma imunização completa no planeta tão cedo. Aqui no Brasil, que é um país economicamente rico (apesar de desigual), a gente terminou o primeiro semestre de 2021 com uma média de 15% da população imunizada completamente.

Agora, imagine as dezenas de países da África e da América Latina que têm pouquíssimos recursos? A taxa de imunização que buscamos para controlar a pandemia não vai acontecer tão cedo nesses lugares.

Não adianta pensar em terceira dose se não juntarmos forças para ter uma imunização completa e global contra o vírus. Inclusive, com os dados científicos que temos, não há necessidade alguma para falarmos em terceira dose.

O governo do estado de São Paulo anunciou, por exemplo, que em 17 de janeiro de 2022 começará a vacinar a população com a terceira dose. Bom, mais uma vez, isso é política, não é ciência!

Os governos devem se preocupar em imunizar com as duas doses a população, não fazer propaganda de terceira dose —o que pode gerar ainda mais questionamento sobre a efetividade da vacina pela população. Mais uma ação de interesse pessoal, acima do social!

Outra questão que vem sendo testada —e tem chamado a atenção da população— é a imunização heteróloga, ou seja, uma pessoa que tomou a vacina de uma determinada fabricante vai receber a terceira dose de outra vacina diferente. Isso pode ser interessante experimentalmente, mas não é algo que o público deveria pensar em fazer. Repito: enquanto não tornarmos a vacinação acessível a todos, a terceira dose e/ou a vacinação heteróloga é puramente comercial.

Pode ser lucrativo, claro, pois o surgimento de novas variantes leva ao contínuo desenvolvimento de vacinas, com novas adaptações. Porém, caso surja alguma variante que "escape" das vacinas que temos hoje, com uma grande capacidade de disseminação e um alto poder de letalidade, o mundo volta a parar —e isso pode se repetir por incontáveis vezes. Dessa forma, o prejuízo humano e, inclusive, financeiro, para o resto das corporações fora do mundo farmacêutico, será incalculável. Isso é uma involução humana nos diversos aspectos, principalmente no que se refere ao respeito à vida.

E para as fabricantes de vacinas justificarem isso é muito fácil, basta fazer a sociedade entender que a culpa é dos países que não se prepararam ou lutaram pela vacinação.

Outra estratégia é diminuir a importância de organizações como a OMS, que está tentando tornar a vacinação acessível para os países mais carentes, por meio do consorcio Covax Facility. Mas é muito pouco, tem que haver uma ação global, com países que compraram mais vacinas do que precisam doando para os que mais necessitam. As produtoras de vacinas também deveriam destinar um percentual considerável de imunizantes para países mais carentes, pois o lucro que essas empresas estão tendo é algo que nossa geração vai demorar para calcular.

Quando alguns países, como os Estados Unidos, fazem essa doação, isso é mais do que uma ação humanitária, isso é o que pode gerar uma possibilidade de controlar a pandemia de verdade. Pois eles sabem que, quando surgem novas variantes, elas colocam em risco todo um trabalho que eles fizeram para controlar a pandemia.

Basta ver que, mesmo vacinados com um alto percentual da população, com a disseminação de novas variantes, junto com a flexibilização das ações de controle e os grupos anti-Vax (formado por pessoas que não são nada nas profissões que têm, por isso procuram holofotes) tem aumentado significativamente as mortes nos Estados Unidos.

Não será possível termos paz tão cedo se não agirmos humanamente, pensando de forma global e social. Porém, falar isso para grandes empresas farmacêuticas soa como diálogo de criança sem entendimento de mundo, nesse caso, do mundo financeiro. Mas, é preferível viver como "leigo" e com sentimento pela vida, do que como um egoísta antivida!