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Dante Senra

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Ninguém cuida do idoso: somos um dos piores países latinos para envelhecer

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Imagem: iStock

Colunista do VivaBem

11/07/2021 04h00

Você acha difícil ser idoso em nosso país? É diferente de ser idoso em outros países?

É possível que você responda que, se houver amor e estrutura familiar, envelhecer é igual em todos os lugares.

Mas o que se observa na prática é que, embora essas duas coisas sejam fundamentais, não são suficientes para qualificar o envelhecimento como adequado ou minimamente saudável e seguro.

Segundo um ranking da organização não governamental HelpAge International, o Brasil é um dos piores países da américa do Latina para se envelhecer. Ficamos apenas a frente da Venezuela e do Paraguai. No mundo, ocupamos a posição número 56 entre 96 nações referidas.

Segundo a ONU (Organização das Nações Unidas), a Suíça é o melhor lugar do mundo para quem tem mais de 60 anos, seguida pela Noruega, Suécia, Alemanha e Canadá. Ocupam os piores lugares neste triste ranking Moçambique, Malawi e Afeganistão.

Em um mundo com uma população cada vez mais velha está deveria ser obviamente uma preocupação.

Embora, segundo a ONU, mais de 86% dos idosos do Brasil recebam alguma pensão ou algum tipo de assistência social financeira, o país vai mal nos quesitos de cuidado e participação social. Serviços de saúde, segurança e transporte não atendem essa parcela da população.

Em um país onde 30 milhões de pessoas têm mais de 60 anos (eram 2,6 milhões em 1950) e estima-se que em 2050 1/3 da população seja de idosos, esse já é um grande desafio para a nossa sociedade.

Diferentemente dos países que ocupam as primeiras colocações nesse ranking, o Brasil envelhece antes de enriquecer e o faz muito rapidamente. "A França demorou 45 anos para dobrar sua proporção de idosos de 10% para 20%. O Brasil vai fazer isso em 19 anos", segundo reportagem da Revista Veja São Paulo, de 2018.

Um sétimo da população mundial já tem mais de sessenta anos e essa tendência de aumento é tida como uma conquista importante da humanidade, devendo-se a evolução da medicina, vacinas, saneamento básico e maior quantidade e qualidade dos alimentos.

Entretanto, o desafio dos governos do Brasil e do mundo é torná-los visíveis, onde a inclusão social seja não apenas uma possibilidade.

Estima-se que, no Brasil, aproximadamente 70% dos idosos possuem alguma doença degenerativa-crônica e 25% têm limitações em suas atividades, o que os faz serem vistos equivocadamente como frágeis sobreviventes e por conseguinte, dependentes.

Em um mundo em que os únicos valores são a juventude e o sucesso profissional, o declínio de ambos faz com que as pessoas não encontrem mais seu lugar neste universo e ainda se tornam vítimas de atendimento de saúde precário e de outros tipos de violência urbana e até familiar.

Violência

Segundo a Agência Brasil, as denúncias de violência contra pessoas idosas representavam, em 2019, 30% do total de denúncias de violações de direitos humanos recebidas pelo canal telefônico Disque 100, disponibilizado pelo governo federal, o que somava em torno de 48,5 mil registros. Em 2018, o serviço recebeu 37,4 mil denúncias de crimes contra idosos.

No fim do ano passado, com o isolamento social imposto pela pandemia de covid-19, o número observado em 2019 aumentou 53%, passando para 77,18 mil denúncias. Somente no primeiro semestre de 2021, o Disque 100 já registra mais de 33,6 mil casos de violações de direitos humanos contra o idoso, no Brasil.

Para piorar, a violência contra os idosos tem varias vertentes, como moral ou psicológica, xingamentos, impedimento do idoso receber visitas, negligência do cuidado, abandono e abuso financeiro.

O Estatuto do Idoso (Lei 10.741, de primeiro de outubro de 2003) descreve a violência contra o idoso como qualquer ação ou omissão, praticada em local público ou privado, que lhe cause morte, dano ou sofrimento físico ou psicológico.

As tradições e leis do cuidado dos idosos divergem de acordo com diversas culturas.

Nos EUA, essa obrigação cabe ao estado. Na tradição japonesa e a moralidade ética confucionista, é papel dos mais jovens cuidar dos mais velhos e não do estado.

Ainda no Estatuto do Idoso em nosso país, em seu artigo terceiro, está escrito que "É obrigação da família, comunidade, da sociedade e do poder público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária".

Dada a situação atual desta parcela da população, a sensação é que aqui, em muitos casos, ninguém cuida do idoso.

A fragilidade e a necessidade de dedicação extrema levam à injustificada fadiga de compaixão ou empatia.

Alguns têm usado a pandemia para justificar a distância. Não vale mais. Os idosos têm acesso à tecnologia para se comunicar, estão vacinados. Nenhuma desculpa pode ser aceita.

Está demonstrado que a solidão é um fator determinante na redução da expectativa de vida. Estudos afirmam que cada dia de solidão tem o mesmo impacto para a saúde que fumar 10 cigarros

Se você convive, ou deveria, com um idoso, ainda é cedo para ser tarde demais.

Então, podemos melhorar nesse ranking absurdo. Lamentemos a falta de apoio do estado, mas façamos nossa parte.

É preciso cuidar da fragilidade de quem cuidou da nossa. De preferência com e por amor, mas também porque é nossa obrigação.

Os idosos carecem de cuidados físicos e emocionais. Elevar a autoestima do idoso usando o seu conhecimento na relação intergeracional resgata a dignidade e demonstra respeito. Respeitar as pessoas idosas é tratar o próprio futuro com respeito.

Os idosos têm direito a esse respeito. Não seremos pessoas dignas ou um país digno se não dignificarmos nossos idosos.

Segundo o Papa Francisco, "abandonar um idoso é um pecado mortal" e você pode encontrar na sua trajetória o que você perdeu, mas nunca encontrará o que você abandonou!