Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Cure o mundo: o valor da esperança e da caridade no mundo atual
Sabemos que está difícil sorrir. Com quase 1 ano e meio de pandemia continuamos com um número de mortes diárias muito elevado e pouca expectativa de retorno breve a uma vida "normal".
A sensação de que o fim desta história será o nosso também nos leva a um estado pior do que o estresse pós-traumático porque "o pós" ainda não chegou.
As vacinas que poderiam nos redimir chegam em ritmo lento. Impossível socializar até mesmo para amenizar a angústia. O risco é a depressão e a anedonia.
O pensamento majoritário nos coloca na antessala da vida ou no fim da fila esperando a nossa vez. Mas as incertezas e inseguranças sempre fizeram parte da existência. Nossa sociedade nunca deu a vida a atenção que ela merece.
Não se sabe fazer outra coisa que não consumir. O consumo é positivo e necessário em uma sociedade capitalista, mas o consumismo é predatório.
Mas agora o parque de diversões está fechado e as táticas de compensação da nossa depressão e da nossa vida tosca e sem sentido foram minadas.
Talvez estejamos vivenciando uma oportunidade de mudança. Precisamos aprender a regozijar com o que temos, se o que temos nos é suficiente para uma vida digna.
O culto ao supérfluo nunca trouxe felicidade e beira o impossível. Quando a falta vira presença ela perde valor em nome de uma nova falta. E acredite, há mais gente no mundo infeliz por falta do supérfluo do que do necessário.
Fomos chamados com urgência a superar nossos mais mesquinhos sentimentos. Ainda que não seja religioso ou nem mesmo acredite na providência, na Bíblia encontramos exemplos de comportamento maravilhosos e bem oportunos para este momento.
Durante a nossa existência todos perpassamos em maior ou menor grau pelos sete pecados capitais e para cada um deles também há uma virtude oposta que muitas vezes passamos distantes.
Por exemplo, como contraponto à soberba existe a humildade, para a gula a temperança, em oposição à ira há a paciência, e para a preguiça o oposto é a diligência.
Neste momento, talvez devêssemos lembrar que o contrário do pecado avareza é a caridade. O mundo nunca esteve tão necessitado dela.
Jesus nos ensinou que a vela queima de si para iluminar os outros. Tudo nele é maravilhoso. Não há exemplo mais virtuoso. Não apenas sua capacidade de ressuscitar os mortos, mas de animar aos vivos.
O mundo deve a ele sua formação moral. Uma lei dos espíritas nos lembra que "fora da caridade não há salvação". Podemos fazer algo por nós mesmos, fazendo algo pelos outros. Esse é o jogo.
A caridade mais do que as vacinas pode nos redimir e dar o sentido que nunca houve às nossas vidas.
Você pode estar se perguntando o porquê disso tudo? Todos sabem que a pandemia escancarou o abismo da desigualdade. Ricos mais ricos e pobres mais miseráveis.
Grandes empresas de tecnologia, cooperativas do agro, companhias do setor farmacêutico e varejo online, por exemplo, aumentaram muito seu faturamento.
Mas, neste período, a situação dos pobres brasileiros piorou muito. Com a crise gerada pela pandemia e a diminuição do auxílio emergencial, 61,1 milhões de pessoas já vivem em situação de pobreza agora em 2021, no Brasil.
A pobreza é definida pelo Banco Mundial para pessoas que vivem com renda de US$ 5,50 por dia (R$ 27). No mundo, pesquisas demonstram o surgimento de 527 milhões de novos pobres.
Na extrema pobreza em nosso país são 19,3 milhões (quase 9%) de pessoas. Em 2020, eram 4,5% vivendo nessa situação.
No mundo, a pobreza extrema também aumentou em 2020 e pela primeira vez em 20 anos.
De acordo com a Pnad Covid-19, as pessoas que vivem com menos de US$ 1,90 por dia, ou R$ 280 mensais, são consideradas de extrema pobreza. Estes dados não levam em consideração as pessoas em situação de rua, o que piora e muito esses números.
Os dados do Cadastro Único, disponíveis até setembro de 2020, mostravam que havia 149.654 famílias que se declararam em situação de rua no país.
Esse número não é exato, sabemos, uma vez que só considera as pessoas que preencheram os dados para tentar inclusão em programas sociais do governo.
Estima-se que este número beire as 300 mil. Basta uma caminhada pelos grandes centros para a triste constatação desse aumento. Consequentemente todos os outros indicadores pioram, como acesso a serviços básicos de saúde, nutrição, saneamento básico e educação.
O cenário parece tão aterrorizante que uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas recém-publicada mostra piora de índices nas expectativas da juventude brasileira sobre o presente e o futuro.
As insatisfações predominantes fazem referência a qualidade da educação, oportunidades de trabalho e gestão do meio ambiente, segundo a FGV. O momento urge reflexão. A questão que se impõe é: O que podemos fazer individualmente, como cidadãos?
Exercitar as três virtudes teológicas —fé, esperança e caridade— me parece ser a único caminho porque não basta sairmos vivos disto tudo. É preciso sairmos melhores seres humanos recuperando a fé na vida.
Não podemos ser reféns do aqui e agora porque tudo passa. Recuperar o amor ao próximo e o afeto no sentido de se afetar com o sofrimento alheio. Afinal, como lembra a nova encíclica de Francisco "Fratelli Tutti": somos todos irmãos.
Isto permite que cada pessoa seja reconhecida, valorizada e amada para além da proximidade física. E na edificação de um mundo melhor, pacífico e mais justo teremos novamente a esperança de nossos jovens.
E aí, como diz a música de Michel Jackson que dá o título desta coluna: "O sonho que concebemos revelará um rosto alegre novamente e o mundo que acreditamos brilhará novamente em graça".
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