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Dante Senra

Seres humanos não são divididos por etnias, mas pela linha do caráter

Daniel Teixeira - 7.jun.2020/Estadão Conteúdo
Imagem: Daniel Teixeira - 7.jun.2020/Estadão Conteúdo

Colunista do UOL

12/09/2020 04h00

Toda forma de racismo é abjeta e execrável visto que pressupõe superioridade e privilégios como direitos.

Se procurarmos no dicionário encontraremos definições para racismo como um conjunto de teorias e crenças que estabelecem uma hierarquia entre as raças ou entre as etnias. Ou ainda, doutrina ou sistema político fundado sobre o direito de uma raça (considerada pura e superior) de dominar outras.

Eugenia é outro termo infeliz, criado em 1883 por Francis Galton, significando "bem-nascido". Galton definiu eugenia como "o estudo dos agentes sob o controle social que podem melhorar ou empobrecer as qualidades raciais das futuras gerações seja física ou mentalmente".

Não existe, ou não deveriam existir raças (embora esse termo faça alusão a características fenotípicas como a cor da pele); o termo per si remete a preconceito e divide o ser humano.

Embora na prática haja clara diferença entre ser um humano e ser um ser-humano, só o que existe de fato é a raça humana. Talvez o termo etnia fizesse mais sentido, pois compreende fatores culturais, como a nacionalidade, afiliação tribal, religião, língua e as tradições de um povo.

A diversidade não segrega as pessoas ou povos, mas enriquece e empresta sentido a humanidade. A vida nos convida com urgência à superação destes sentimentos e da ideia de que somos desiguais na essência. Relativizar esse conceito nos empobrece e apequena nossa alma.

Por falar em empobrecer, outro comportamento infelizmente identificável na sociedade é o medo, rejeição, hostilidade e aversão às pessoas pobres, indigentes e à pobreza sensu lato, é conhecido pelo termo grego de aporofobia.

A diferença entre aporofobia e xenofobia ou racismo é que socialmente não se discrimina nem se marginaliza as pessoas imigrantes ou a membros de outras etnias quando estas pessoas têm recursos econômicos ou relevância social e forte inserção na mídia.

O momento que passamos com a pandemia nos convida a reflexões.

Dizem que o vírus é democrático por que atinge a todos, mas a forma de enfrentamento é muito diferente. Precisamos, como sociedade, acordar destas imperfeições.

Não é possível um discurso de paz onde a escassez é colocada como perspectiva.

O Brasil é um país rico, habitado por uma população de 70 milhões de pobres. Cinquenta por cento literalmente com o pé no esgoto, sem saneamento básico, sem água potável e sem coleta de lixo na sua porta. Mais de 13 milhões habitam favelas em completa exclusão social. Estima-se 20 milhões de desempregados pós pandemia.

Os pecados capitais avareza e soberba precisam dar lugar para suas virtudes opostas, a caridade e a humildade.

Não a caridade fruto do medo, mas do prazer de servir, do ofertar porque este é o jogo.

A ONU (Organização das Nações Unidas) e seu braço OMS (Organização Mundial de Saúde) juntam dinheiro com o chamado Covax para ofertar vacina aos países pobres. Atitude nobre, sem dúvida.

Mas a pergunta que cabe é: onde estavam quando fingiam não enxergar que na África Subsaariana morrem oito crianças com menos de cinco anos a cada minuto e há países nesse continente apresentando taxas de 100 e 200 óbitos por cada mil nascimentos?

Onde estavam quando fingiam não ver que 257 milhões de pessoas passam fome na África (números foram divulgados ano passado pela FAO)?

Em comparação com 2015, houve um aumento de 34,5 milhões na população de indivíduos desnutridos na África. Entre os que passaram a conviver com a fome, 32,6 milhões estão na África Subsaariana.

Os relatórios da mesma fonte apontam que entre as crianças do continente com até cinco anos de idade, existem 59 milhões com baixa estatura para a idade. Isso representa 30,3% dessa população nessa faixa etária. Ainda nesse segmento demográfico, 13,8 milhões de crianças têm peso menor do que o adequado para a sua altura.

Tudo isso leva a especulações, não sem fundamento no sentido de que a preocupação em vaciná-los, ainda que não haja como não reconhecer a importância deste ato, se baseie no conhecimento que o não fazê-lo em mais um ato de omissão possa reeditar a pandemia e fazer com que seu fim nunca chegue.

Omissões, leniência e imperícias determinam as epidemias.

Muitos dizem que querem voltar ao que consideravam normal. Lhes afirmo que não tenho apreço por esse antigo normal.

O escritor e filosofo indiano, Jiddu Krishnamurti, falecido em 1986, dizia que não é sinônimo de saúde estar adaptado a um mundo doente.

Nossa sociedade conflita com o entendimento dos valores cristãos, espíritas, evangélicos, ou seja, lá qual for sua crença. Não percamos essa oportunidade de revisar nossos valores.

Fica óbvio que os seres humanos não são divididos por etnias, raças ou condições econômicas de sobrevivência, mas pela linha nada tênue do caráter.