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Dante Senra

Certas complicações na vida do idoso podem ser evitadas

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Imagem: iStock

Colunista do UOL

08/02/2020 04h00

Todos sabem que a expectativa de vida não para de aumentar ao longo das últimas décadas. Também é de conhecimento geral que este fato está longe de trazer contentamento se não for acompanhado de qualidade e autonomia em suas diversas vertentes.

Para que isto seja possível, entretanto, é necessária uma construção ao longo da vida, sendo fundamental o conhecimento das principais fragilidades da idade avançada.

As principais causas de mortalidade nos idosos já são bastante conhecidas, como as doenças cardiovasculares, responsáveis por 37 a 40% dos óbitos nesta faixa etária, neoplasias por 17 a 21% e doenças respiratórias responsáveis por 15 a 18% deles.

Outra causa de morte ou forte limitação dessa população são as quedas. De acordo com pesquisas, aproximadamente 30% das pessoas com mais de 65 caem ao menos uma vez por ano.

A partir dessa idade, elas passam a ser a primeira causa externa de mortalidade.

Nas idades mais avançadas, as mortes por quedas registram aumento superior em cinco vezes em relação a faixas etárias menores.

Para piorar, um em 20 (5,2%) daqueles que sofreram uma queda (antes de pesquisar, achei que era bem mais) sofrem uma fratura óssea, e 50% destes, mesmo sem fraturas, ficam internados (é um dos motivos que mantêm por mais tempo o indivíduo no hospital). Dos idosos que moram em casas de repouso, a frequência de quedas é ainda maior, chegando a 50%.

Além das limitações, as complicações deste evento podem levar a morte por razões diretas (hematomas e outras hemorragias cerebrais), ou indiretas (embolias ou pneumonias decorrentes da imobilização no leito).

Conhecer as questões específicas de saúde que afetam esta faixa etária é condição fundamental para que possam ser trabalhadas (como o fortalecimento muscular reduzindo a incidência de quedas por exemplo).

Pneumonias aspirativas

As infecções respiratórias, como descrito acima, são responsáveis por uma parcela considerável dos óbitos nesta população e ocorrem, não somente por fragilidade imunológica, imobilidade pós quedas ou doenças crônicas, mas por um fenômeno extremamente frequente e pouco conhecido pela população chamado de aspiração.

Esse termo deve ser entendido neste contexto como a penetração inadequada de conteúdo do estômago ou esôfago, ou mesmo da cavidade oral, como alimentos, e até mesmo da saliva, no sistema respiratório. Esta situação produz a chamada pneumonia aspirativa.

A pneumonia por aspiração é uma das causas mais frequentes de óbito, com elevada prevalência na medida que é considerada a segunda causa mais comum de infeção hospitalar e a maior causa de morte por infeções adquiridas nestes estabelecimentos.

Este tipo pneumonia está associado a maior mortalidade do que outras formas de infecções adquiridas na comunidade (29,4% contra 11,6%), sendo este dado mais um motivo para ficarmos atentos para este diagnóstico, visto que a prevenção é possível.

De longa data se conhece (estudo publicado em Journal Clinics in Chest Medicine em 2003) que há um aumento da incidência da pneumonia por aspiração com o envelhecimento, sendo o risco quase seis vezes maior entre idosos com idade superior ou igual a 75 anos, em comparação com os pacientes de idade inferior a 60 anos.

Por que ocorrem essas aspirações?

Em última análise, ocorre por deficiência de fechamento glótico protetor. O que é isso? Glote é uma estrutura localizada no final da laringe com a função de saída e entrada de ar para os pulmões e ajuda também na função fonatória (processo de produção de voz, pela vibração das pregas vocais à saída de ar dos pulmões).

A epiglote (estrutura que parece uma lâmina) se encontra no início da laringe por detrás da língua e serve para fechar a ligação da faringe com a glote durante a deglutição. Essa cartilagem evita a comunicação entre os aparelhos respiratório e digestório. Quando este mecanismo perde eficiência, ocorre penetração de alimentos ou até mesmo saliva no aparelho respiratório produzindo as pneumonias.

Alguns estudos sugerem que 60 a 63% dos idosos saudáveis, ou pelo menos sem queixas, que vivem com autonomia plena, apresentavam hipotonia (flacidez) da musculatura orofacial na avaliação, o que pode comprometer o mecanismo de deglutição.

Entretanto essa aspiração pode ser causada ou agravada por inúmeras situações, tais como as doenças neurológicas (Parkinson ou Esclerose Lateral Amiotrófica), principalmente o acidente vascular encefálico, neoplasias e doenças sistêmicas debilitantes, tais como doenças pulmonares e cardiopatias, cirurgias, depressão, demência, uso de medicações psiquiátricas e drogas depressoras do sistema nervoso central (cuidado com medicamentos para dormir).

Para piorar a situação, 10% dos idosos hospitalizados e de 30 a 60% dos internos em casas de repouso apresentam disfagia. A disfagia é o termo médico para dificuldade de engolir. É caracterizada por um esforço mais do que normal para transportar alimentos da boca para o estômago, causado por uma flacidez ou incompetência da musculatura orofacial evidenciado na avaliação funcional da deglutição. Isso produz uma parada do alimento sentida na região cervical produzindo o engasgo por aspiração.

Como descobrir a aspiração?

A tosse é um forte indicativo da ocorrência de aspiração. Entretanto existe a aspiração silenciosa.
Pneumonias de repetição e perda de peso sem causa aparente devem levantar suspeita de aspiração silenciosa, sobretudo em idosos portadores de condições clínicas que aumentam ou predispõe esta situação.

Deve-se considerar ainda, a possibilidade de aspiração quando aparecem sinais clínicos, mesmo fora do momento da refeição, pois alguns indivíduos podem engasgar-se (ou aspirar) com a própria saliva.

Em qualquer situação existem exames específicos para que este diagnóstico seja realizado, até por que as medidas preventivas de proteção e de reabilitação da deglutição são bastante eficientes e realizadas pelo fonoaudiólogo.

Quando instalada, exercícios de reabilitação são fundamentais, mas a prevenção desse desastroso quadro também é possível. Nos EUA, notou-se que mulheres religiosas apresentavam menos quadros de disfagia e aspiração, apesar da idade avançada. O exame especializado destas mulheres mostrou competência e ausência de flacidez da musculatura orofaríngea.

O que essas mulheres tinham em comum? Todas cantavam em seus cultos religiosos com frequência, hábito comum neste país. De acordo com uma pesquisa de 2012 do fórum Pew, 36% dos americanos alegam frequentar os cultos quase todas as semanas ou mais.

A prega vocal é um músculo, e precisa ser exercitada diariamente, até que seja condicionada. O canto é um ótimo exercício para este fim.

Medidas de prevenção de quedas dos idosos parecem meio óbvias, mas exercícios de fonação para fortalecer a musculatura orofaríngea dos idosos nem tanto.

Agora, cuidadores, profissionais ou familiares cuidadores, esse cuidado ganhou mais uma vertente, uma vez que sabemos que a disfagia representa um importante indicador de saúde da população idosa e que pode ser prevenida ou amenizada pelo prazeroso exercício de cantar, pois como dizia Cazuza "canto para espantar os demônios, para juntar os amigos. Também para sentir o mundo, para seduzir a vida", e agora para ganhar mais vida...