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"Para mim, ele não morreu", diz mãe de 90 anos que não pôde enterrar filho

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Abinoan Santiago

Colaboração para Universa

13/04/2020 18h54

Com o retrato do filho ainda criança no colo, Maria Silva, de 90 anos, tenta se conformar por não ter velado e sepultado o motorista Moacyr Silva, de 56 anos, vítima de complicações pela Covid-19. A idosa emocionou a web ao ter um pedido atendido pela funerária: o carro que levava o caixão ao cemitério aceitou mudar o percurso e passar em frente à casa dela para que despedisse do filho pela última vez, mesmo que à distância.

Moacyr morreu no amanhecer de sábado (11), em Macapá, após 18 dias do aparecimento dos sintomas de infecção pelo novo coronavírus.

Por determinação da prefeitura da cidade e do governo do Amapá, o protocolo seguido pelas funerárias para as vítimas de Covid-19 é levar o corpo em caixão lacrado do hospital direto para o sepultamento, sem velório e presença de familiares no enterro.

Maria é viúva desde 1978. Dos quatro filhos do casamento, três morreram. Antes de Moacyr, ela perdeu o primeiro em 1974 por anemia falciforme e uma filha em 2016 de infarto. A mais velha, de 67 anos, está viva.

Não velar é doído

A idosa conta que, de todas as dores sofridas pelas mortes em sua família, a de não poder velar e sepultar Moacyr é a maior. Ela também diz ainda tentar se conformar com o falecimento do filho porque acreditava que morreria antes dele.

"[Não velar e sepultar] é muito mais doído e mais sentido para a vida da gente. Para mim, meu filho não morreu porque não vi o corpo dele na minha casa, não vi doente. Ele esteve doente, mas não pude ver. Estou muito sentida por isso e preciso me conformar porque Deus quis assim. Eu pensava que meu filho que iria fazer o meu funeral e meu enterro. Pensava muito isso, mas Deus sabe de tudo", ela diz, muito emocionada.

Motorista era muito prevenido

Amigo de longa data de Moacyr e Maria, o padre Paulo Roberto Matias conta que a idosa está tentando se reerguer novamente. Ela mora sozinha, em uma casa no bairro Santa Rita, na zona central de Macapá, e conta com a ajuda de vizinhos, amigos, netos e da filha mais velha.

"A última vez que Moacyr foi até a casa da mãe, ele disse que não votaria mais, só depois que passasse a crise da pandemia. Ele falou brincando, pois cuidava muito bem dela, era um bom filho e se preocupava bastante ", diz o religioso, que rezou ao lado de Maria quando o carro funerário parou na casa dela.

Moacyr levava a prevenção a sério. Por saber que era hipertenso e ex-fumante e que tinha apneia do sono, andava apenas de máscaras e luvas e usava álcool em gel para desinfectar as mãos. A família não sabe como ele pode ter se contaminado.

Da dúvida ao consolo

O afago em meio à tristeza para Maria é a lembrança da gentileza da funerária, que quebrou o protocolo. Apesar do pedido, a dúvida se realmente o carro passaria em frente a sua casa rondava a sua mente.

"Eu pedi mesmo para [o carro da] funerária parar. Me disseram que talvez não passasse por aqui e que fosse direto. Estava em dúvida, mas [acreditada que] talvez eles iriam passar. Eu coloco as mãos para o céu porque graças a Deus vi o carro. Fui com o padre [Paulo Roberto] ao lado do carro e coloquei a mão, chorando e rezando pela alma dele", conta.

O gesto da funerária também serviu de consolo aos amigos de Moacyr. Ao entrar na rua onde a mãe da vítima mora, o carro ligou a sirene e os vizinhos saíram das residências para aplaudir. O veículo parou em frente à casa da idosa que, ao lado de familiares, pôde dar o último adeus.

Terceira vítima do Amapá

Moacyr Silva era motorista na Polícia Federal em Macapá. Antes do avanço do novo coronavírus no Amapá, que já vitimou cinco pessoas, Moacyr levava uma vida normal. No último Carnaval, desfilou na escola de samba onde era diretor de alegorias, a Piratas Estilizados, em Macapá.

Segundo o padre Paulo Roberto, entre os primeiros sintomas e a morte, foram 18 dias. Antes de ser diagnosticado com a doença, Moacyr ficou oito dias acreditando que estava com gripe.

A esposa dele o levou ao médico duas vezes. Na terceira, ele acabou sendo internado, em 2 de abril. Três dias depois foi transferido para o Centro de Tratamento Intensivo ao Covid-19, em Macapá, onde morreu no sábado. Além da mãe e da esposa, ele deixou quatro filhos.