Perseguindo o futuro

Há 16 anos na Mary Kay, Shana Peixoto inclui futebol no currículo e diz que pensar o futuro mudou sua carreira

De Universa Simon Plestenjak/UOL

"Aqui estão as coisas mais importantes que você deveria saber sobre mim: eu gosto de futebol. Muito. Sou torcedora do Flamengo. Eu encaro bem mudanças. Eu nasci em Brasília. Eu morei em Londres, Albuquerque, Miami e Monterrey. E posso imitar os sotaques de todos eles."

Essa é parte da apresentação, em inglês, do currículo no LinkedIn de Shana Peixoto, que vem com o descritivo: Marketing | Mãe de Luana e Andre. O texto é reflexo de um pensamento que a vice-presidente da gigante de beleza Mary Kay construiu ao longo de 16 anos na empresa. "Não tenho medo de ser quem eu sou", indica a executiva de 42 anos.

"Mulheres precisam colocar que são mães no currículo, para humanizar a relação. Porque, se você vai trabalhar comigo, é assim que vai ser. Se você acha ruim eu ser flamenguista, é melhor você já saber [a importância que isso tem para mim] para poder decidir [se quer ou não]."

No Instagram, a executiva divide com seus 8.000 seguidores momentos de intimidade e palavras de incentivo e inspiração. Na bio, deixa claro, também em inglês: "Tenho o emprego mais inspirador do mundo. Sou casada com o homem dos meus sonhos. Mãe de dois, uma menina de 8, um menino de 3."

Shana conversou com Universa durante o principal evento da marca no Brasil, em janeiro, quando reuniu 10 mil consultoras para seu evento anual em São Paulo.

Na conversa a seguir, Shana fala de carreira e conta como seu foco no futuro foi um divisor de águas e transformou o que ela mesmo planejava ser.

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A senhora completou 16 anos na Mary Kay. Como é trabalhar por tanto tempo em uma mesma empresa?

Foi uma das melhores escolas. Eu me sinto privilegiada de ter crescido com o olhar de liderança tão focado em empatia, em me colocar no lugar do outro. Olho para trás e vejo que sou uma pessoa diferente, porque tive acesso à essa cultura. Aqui aprendi que você vai crescer se apoiando, não precisa competir com outros, essa sempre foi a minha maneira de pensar. E quando eu vejo que alguém pensou nisso como modelo de negócio em 1963 e hoje é um império global presente em 40 países, penso que a humanidade sempre esteve certa.

O que você esperava da sua carreira quando decidiu cursar administração?

Eu me formei em administração na UnB (Universidade de Brasília). Meu sonho era trabalhar no mercado financeiro. Achava o máximo estar na Bolsa de Valores, e aí fui trabalhar num banco. E eu passei dois anos e meio lá, trabalhando com "equity research", fazendo análise dos balanços das empresas para a recomendação de compra e venda de ação para investidores. Eu achava aquilo fascinante, mas, ao mesmo tempo, me sentia muito sozinha, sem interação.

Eu chegava e lia três jornais antes de começar o expediente. Antes de abrir o mercado, fazíamos uma reunião entre os escritórios de São Paulo e do Rio. Era o melhor momento do dia para mim, com todo mundo junto, era o que eu mais gostava. Naquele momento, não era só eu e aquela pilha de documentos.

Mas foi uma escola incrível, porque eu olhava um dia para o mercado de gás, no dia seguinte, acompanhava Alpargatas, no outro, a Marco Polo. Então, em dois anos e meio tive um curso intensivo sobre as inúmeras empresas do Brasil.

Como foi trocar um banco por uma empresa de beleza?

Eu achei que meu futuro seria no mercado financeiro. Estava redondamente enganada. Estou super feliz com a minha paixão. Transacionei pelo mundo dos cosméticos, na área de produtos, e me apaixonei. Fui crescendo junto com a empresa.

Eu digo que a gente não consegue estar muito tempo no mesmo lugar se não temos três coisas. Primeiro, se você não se sente desafiada, e isso eu senti porque estruturar uma equipe de marketing à medida que o negócio ganha complexidade no país é fenomenal. Segundo, se você não é reconhecida pelo que faz. E, por fim, se você não tem paixão pelo que faz. Nesses 16 anos, consegui unir essas três coisas e acho que é por isso que dura todo esse tempo [sua carreira na mesma empresa]. É como um casamento.

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E que característica a fez galgar esses postos?

O que me fez galgar os postos foi a curiosidade. A questão que eu mais observo é que as pessoas têm que ser curiosas. Eu olho para uma função e penso: para chegar ali, o que preciso fazer? Com quem preciso me relacionar? Para onde preciso olhar? Isso foi me encaminhando naturalmente.

Também nunca tive vergonha de falar com as pessoas, eu tive uma série de mentores. O que me falaram uma vez e foi muito importante é: não tenha vergonha de falar com as pessoas sobre suas ideias. Dessa forma, fui ficando mais conhecida e as pessoas foram percebendo meus interesses. Daí as oportunidades foram aparecendo. A curiosidade sempre foi uma aliada.

Quando você se identificou como uma líder?

Liderar é uma das coisas mais incríveis do mundo, que nos fazem crescer como ser humano, de verdade. Acho que é ser mãe, cuidar da vida de outro, e liderar pessoas. Porque você aprende como as pessoas são diferentes e como você tem que ser rígida e disciplinada e, sobretudo, entender o que motiva cada um. Se colocar no lugar do outro, entender o que é melhor para ele, é fundamental. E você precisa saber que, a partir do momento que passa a ter uma equipe, é um trabalho totalmente solidário, você não brilha mais sozinho.

Teve algum evento na sua carreira, nesses últimos anos, que você acha que foi definidor para que você atingisse o posto que tem hoje?

Acho que foram dois momentos, ligados aos altos e baixos dos negócios. A gente [Mary Kay] tem um momento de crescimento muito forte, que colocou uma pressão enorme [na operação brasileira], de acelerar planos. Por mais que você tivesse um plano de médio ou de longo prazo, vai ter que ver os anos sendo cortados e muita coisa sendo construída de modo rápido.

O segundo é a crise econômica, quando você passa por um período de mais retenção, de cautela, quando o consumo tem que se adaptar a uma nova forma de pensar. Acho que esses dois momentos foram desafiadores, em que tivemos um momento de crescimento exponencial, muito rápido, e uma crise econômica. Entender o que acontece na cabeça do consumidor e na cabeça da consultora e conseguir sustentar um negócio é sensacional. Toda crise fortalece.

E estamos muito felizes com o ano passado. Desde o começo, Mary Kay é uma empresa que tem muita paciência, e temos apoio para fazer a coisa acontecer a seu tempo. Aqui a gente tenta se colocar no momento que estamos vivendo e na consultora, a resposta está sempre nela.

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Como é trabalhar em um ambiente tão feminino?

A maioria aqui são mulheres. Eu acho que o rico é entender uma empresa que começou sendo uma oportunidade para mulheres, daí naturalmente você atrai executivos alinhados a isso. É um ambiente extremamente equilibrado, não só feminino, mas com diversidade para que todo mundo se questione, aprenda junto. A gente só tem a ganhar com isso. Eu tenho muito orgulho de trabalhar aqui, e de falar que existem empresas que já nasceram pensando assim [na equidade].

Mas quais são as preocupações na hora de reforçar seu time?

Nossa maior questão é identificar pessoas que entendam o nosso propósito, não interessa se são homens ou mulheres.

Que curso, ao longo da sua carreira, trouxe um impacto efetivo no seu desenvolvimento?

O divisor de águas da minha vida foi perceber que eu precisava provocar o cenário futuro. Isso que me fez dar grandes saltos na carreira. Quando a gente fala de futuro, sejam em eventos ou um texto que você leu ou a pessoa com a qual você se relaciona, é preciso se colocar à frente, desenvolver essa linguagem específica, esse "idioma", que é falar de futuro. Quanto mais esse idioma é fomentado dentro da organização com a sua realidade, menos você fica sujeita à tradução desse idioma por outra organização.

Quanto mais você é fluente no "idioma futuro", para mim, mais você é capaz de levar o futuro para onde você acredita, e menos exposta fica ao que os outros acreditam sobre o futuro.

Da primeira vez que me deparei com isso, foi difícil. Hoje já me provoco, sei que cheguei num ponto em que olho uma macrotendência e sei como conectar [com o negócio]. O que as pessoas precisam, ao ser expostas a uma realidade que é muito diferente da dela, é de ajuda para a tradução dessa linguagem. Porque ela pensa: "a gente nunca vai chegar lá". E a gente tem que fazer essa conexão na essência, na razão de ser da marca, daí a gente consegue uma conexão com a nossa realidade e conseguimos ver para onde a humanidade está indo.

Olhar para o futuro é olhar para o seu DNA.

Existe alguma ferramenta que faz parte do seu cotidiano para chegar a isso?

Não me prendo a nenhuma ferramenta específica. É muita leitura. O papel do líder, para fazer com que uma pessoa ao seu lado cresça, é entender como ela pensa assim, entender o repertório dela. Quando você aponta um caminho que ela não tinha pensado, assim ela se desenvolve. Eu busco as contradições, é nela que a gente se desenvolve.

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Como você se informa, para ter essas reflexões sobre o futuro?

Amo podcasts. A gente fez o nosso, sobre empreendedorismo, educação financeira e liderança. Há pouco tempo ouvi um podcast com uma mulher fenomenal, um guru de futuro, a [analista de tendências] Li Edelkoort, falando de "slow thinking" e a importância de não tomar uma decisão precipitada, como é preciso olhar as coisas com calma. Isso é o que está no meu Spotify. Mas também tenho buscado desenvolver meu lado espiritual. E isso é da empresa também, como marca. Ela diz que você tem que se conectar com algo maior, ela falava muito em Deus, depois sua família, depois sua carreira. Se você cuidar das coisas nessa ordem, vai.

Seu LinkedIn é muito interessante pela maneira pela qual você se apresenta, com menos formalidade. Isso é parte de um movimento de mudanças na forma de fazer um currículo? O que isso trouxe para você?

É a noção do eu sou quem eu sou. Um perfil como esse tem que ser capaz de mostrar seu perfil, mas de um jeito mais humano. Eu adoro fazer com que as pessoas olhem para o futuro e conectá-la com o lugar para onde elas querem ir. Quando eu falo que se me derem um microfone, um palco e 10 mil pessoas eu me sinto me casa, é para dizer que eu amo me comunicar. Quando eu digo que sou mãe de dois filhos, é para dizer que isso mudou radicalmente minha vida, me tornou mais produtiva, com foco. Eu também coloquei lá sobre mulheres que buscam colocar que são mães no currículo, para humanizar a relação. SE você vai trabalhar comigo, é assim que vai ser. Se você acha ruim eu ser flamenguista, é melhor você já saber [a importância que isso tem para mim] para poder decidir.

Não tenha vergonha de colocar informações sobre você no currículo. Se você acha que é ruim dizer para a organização algo, como você vai se sentir bem trabalhando nessa organização?

Se você tem medo, esse lugar não é para você. Não tenha medo de ser quem você é.

Você falou bastante do futuro. Como é futuro para você?

Eu estou super feliz com os desafios que estamos tendo aqui no Brasil, com a influencia que a nossa subsidiária tem no mundo e isso enche a gente de orgulho. A Mary Kay Brasil tem um dos melhores resultados da marca no mundo.
Pensando no futuro, prevejo um mundo mais humano, que vai valorizar mais as relações pessoais. Não tenho medo da inteligência artificial, ela só vai tirar as coisas chatas da frente para podermos tratar do que importa.

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