A aposta na empatia

À frente da Medley, Joana Adissi acorda às 4h45, valoriza intuição e diz que, quando quer briga, vai pra casa

Bel Moherdaui Colaboração para Universa Simon Plestenjak/UOL

Com 22 anos de carreira em empresa multinacional, Joana Adissi, 41, conta que enfrentou, há quatro anos, seu maior desafio de liderança. Primeira mulher a assumir o cargo de diretora geral da Medley, unidade de genéricos da farmacêutica Sanofi, Joana coordenou, no fim de 2015, um projeto de aquisição global na empresa, com a troca de ativos entre a Boehringer Ingelheim e a Sanofi e entrada de um novo portfólio.

Ali, todas suas competências como líder, por anos trabalhando com inovação em marketing, foram colocadas à prova. Não bastava entender detalhadamente o processo de cada uma das áreas e reportar à matriz, era preciso conquistar e dirigir um grupo de quase 50 pessoas que não respondiam a ela no dia a dia. "Eu não era chefe de ninguém, mas tinha que convencer cada um deles a fazer o que eu precisava. Lembro que na minha primeira lista havia 140 itens a serem enviados para a matriz. Em todos eles, eu dependia de alguém", conta.

Para complicar um tanto mais, a única dedicada à fusão era Joana -todos os outros funcionários mantinham suas funções rotineiras em paralelo. "Foi um grande exercício para trabalhar liderança e influência. Foi um step change de vida", avalia.

Liderança e influência foram competências que Joana desenvolveu cedo e foi lapidando conforme galgava degraus mais altos em sua carreira - foram três anos na Diageo, três na Unilever Foods, 10 na Reckitt Benckiser e há cinco na Sanofi, o último como diretora geral da Medley.

Carioca criada em Poços de Caldas (MG), aos 15 anos Joana convenceu os pais a deixarem que ela se mudasse para São Paulo para estudar. Na época, sua irmã mais velha estava saindo de casa, rumo a Campinas (SP) -hoje é delegada na Paraíba.

Irmã do meio - o caçula é cirurgião plástico-, Joana decidiu que precisava se mudar para longe. "Chegou em um ponto em que a cidade estava pequena para mim. Todos sabiam da minha vida e eu me sentia protegida demais. Resolvi vir a São Paulo e convenci meus pais", conta.

O apoio e o estímulo da família, aliás, foram fundamentais em sua trajetória, acredita. "Minha mãe sempre trabalhou, é uma feminista de carteirinha. Ela foi nutricionista e trabalhou com a área materno-infantil no antigo INPS por 20 anos. Aos 48, resolveu estudar direito e foi para a política. Foi vereadora duas vezes e depois secretária de assistência social", conta.

Além da base familiar, o segredo de seu sucesso, aponta ela, está na sensibilidade, desenvolvida à base de muito autoconhecimento. "Quando você se conhece, o seu impacto nas pessoas é diferente. Como você leva sua vida e como trata as pessoas depende muito do que você viveu", diz a executiva, que sempre dá um jeito de encaixar na rotina (que às vezes começa às 4h45 da manhã, para uma sessão de drenagem linfática seguida de dança ou meditação e personal trainer) cursos de autoconhecimento e metafísica - quando possível, acompanhada do marido.

"Esses cursos mexem muito comigo e me levam a muitas reflexões. Graças a eles, respeito muito minhas vozes interiores e minha sensibilidade."

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Antes de ocupar a direção geral da Medley, você foi convidada a assumir a vaga como interina e praticamente recusou a promoção. Por quê?
Estava fazendo a entrega de um ciclo de inovação no qual tinha trabalhado por dois anos. Aquele era o momento de executar tudo que havíamos planejado. Então, quando meu general manager falou que me indicaria para a vaga, falei que não dava, que primeiro precisava fechar aquele ciclo. Ele insistiu e me mostrou que eu já estava sendo promovida, não precisava mostrar mais nada. Não convencida, eu disse que precisava pensar. E esse movimento foi um grande aprendizado para mim, que sempre tive essa preocupação de fechar ciclos, planejar, executar e mostrar o resultado.

No final você aceitou o convite e ficou dois meses "em teste" no cargo. Como foi?
Muito difícil. Estudei demais. Sou muito detalhista, então entrava nas reuniões muito preparada. Sempre trabalhei marcas [naquele momento, Dorflex e Novalgina, por exemplo] como negócio. Daí, cheguei na Medley, que é esse grande guarda-chuva de genéricos, onde as pessoas falam de moléculas, e quase fiquei louca. Mas eu me enfiei. E chegou o ponto em que eu vi o quanto eu tinha para aprender, mas o quanto tinha pra trazer também.

Eu tinha uma bagagem totalmente diferente ali dentro e que era muito importante. Pude trazer essa visão de consumo, com que eu sempre trabalhei, para um ambiente de farma. Em uma primeira reunião com o novo chefe, pude mostrar que estava entendendo tudo e ainda apontei onde podíamos começar a mexer para aumentar a conversão. No final saiu minha promoção e fui efetivada na posição.

O que mudou quando você virou diretora geral?
Abriu o mundo. Ficou claro para mim o quanto eu posso impactar as pessoas. Isso tem me deixado muito feliz. Tenho uma marca muito bacana e um negócio enorme que está indo superbem [A Medley alcançou faturamento de R$ 1 bilhão em 2018, crescimento de 12,4% em valor e 26% em volume de vendas em relação a 2017] e tem muito potencial de crescimento. Fiquei surpresa quando fui promovida e percebi o tanto de impacto que eu causava nas pessoas. Muita gente veio falar comigo, celebrou junto. Recebo muita gente me procurando para falar de carreira.

Quando você percebe que virou referência, que as pessoas te procuram para conversar, é impressionante.

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Você consegue tempo para ajudar outras mulheres a crescer, no meio da rotina de diretora geral?
Quando alguém me pede para tomar um café, almoçar, bater um papo, transformo aquilo em prioridade. Dou um jeito de abrir espaço na agenda. E vou conversar levando questionamentos sobre carreira, sobre a área em que a pessoa quer trabalhar, mas também questões do lado pessoal: qual tipo de liderança a inspira, como trabalha isso com o próprio time. Acho que só assim a gente consegue mudar o mundo corporativo, que ainda é muito duro e muito masculino.

Como você se modificou como líder ao longo da sua carreira?
Em alguns períodos da vida eu me frustrava com alguma coisa na empresa e influenciava todo mundo de uma forma negativa. Aos poucos, fui vendo como podia usar essa liderança, esse poder de mobilização, para o bem. E fui entendendo que a minha energia, como a de todo mundo, vai variar. Vai ter dia em que eu vou estar muito brava, querendo brigar com todo mundo. Só que, na liderança, isso tem um impacto direto e muito grande. Então, nesse dia, vou para casa. É uma questão de saber como você vai receber a pressão e passar (ou não) para sua equipe.

Acredito que é preciso ser transparente - a equipe tem que saber o que está acontecendo -, mas como você direciona isso faz toda a diferença. Também tenho aprendido a comemorar as etapas com o time, não só os encerramentos. E, além disso tudo, entendi que preciso explicar em detalhes o que eu espero em cada situação.

Tenho uma velocidade de pensamento e uma maneira de pensar que não é linear. Trabalhei muito tempo com inovação, então misturo muita coisa ao mesmo tempo, sou muito intuitiva. Só que era comum eu passar para a equipe apenas um pedaço do que eu estava pensando, esperando que eles fizessem 100% do que eu queria. Então tenho feito esse exercício de deixar mais claro tudo que espero.

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Com quem uma chefe mulher conta dentro da empresa?
Com outras mulheres. Isso ajuda muito. Mas também com pares, tanto mulheres quanto homens, para entender o que você faz de melhor, o que o outro faz de melhor e poder somar tudo.

O que torna alguém um bom líder?
Empatia. Você precisa saber como é estar no pé do outro. E também sensibilidade. Sou muito pragmática, muito direta, mas também muito intuitiva. Se estou sendo mais dura com uma pessoa da equipe e percebo que ela não está reagindo bem, consigo mudar meu tom na hora. Tem líder que nem percebe.

O que, na sua trajetória, foi importante para definir quem você é hoje?
Em primeiro lugar, o ambiente familiar. Meu pai e minha mãe sempre trataram a mim e aos meus irmãos de forma igual. E sempre estimularam a gente a ser independente. Lembro da minha mãe falando que eu tinha que ter o meu dinheiro, que não podia parar de trabalhar. Acho que foram frases que me impactaram bastante. Além disso, ela sempre foi um grande exemplo para mim, porque trabalhou fora a vida inteira.

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Você tem dois filhos, um de 11 e um de 6 anos. O que a chegada deles mudou na sua vida?
Tudo. Eu era muito perfeccionista, controladora. Sou muito exigente comigo, com as pessoas, com o time. Meus filhos me desafiam, me tiram da zona de conforto - desde sentar no chão, em qualquer lugar, pra brincar, que era algo a que eu não me permitia. Você muda seu jeito de pensar. Acho que um dos lugares em que eu mais aprendo é com eles. A gente troca muito.

No ano passado você fez 40 e começou a repensar a carreira. Por quê?
Eu cismei que tinha que deixar um legado. Cogitei ir para o terceiro setor, já que estou em multinacional há mais de 20 anos. Queria fazer algo que encha meu coração, que deixe um impacto relevante.

Até que um dia, conversando com o diretor de uma ONG sobre como causar mais impacto, recebi dele o conselho de não sair do mundo corporativo, porque aqui meu impacto poderia ser maior - entre outras coisas, porque o dinheiro está mais difícil nas ONGs.

Ele recomendou que eu fosse cada vez mais para a linha de frente, para influenciar ainda mais. Isso me provocou um estalo.

Decidi que ia provar ao mundo corporativo que você pode ser "people oriented" [focada na gestão de pessoas], mas também entregar performance. A gente ainda enxerga como se um fosse excludente do outro. Estou aqui para mostrar que não. E a Medley me dá uma oportunidade imensa de fazer isso.

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